A escuridão era realmente densa, sem se quer um ponto de luz. Sorri para mim mesmo, seria divertido, diferente de todos os outros, aquele medo tinha sentido, não eram aranhas, palhaços ou fantasmas, era algo mais forte, algo que realmente se devia temer: demônios. Senti o fogo chamuscando minha roupa, iluminando parcialmente o local que, aliás, era um beco sem saída úmido e frio, com um pentagrama, pintando com o que parecia ser sangue, muito bem localizado no chão. Os muros, pelo que consegui ver, estavam repletos de mensagens satânicas. Era o cenário perfeito!

   Um garotinho apareceu, ainda dormindo, no centro do pentagrama e uma lua pôde ser vista no céu sem estrelas. Tomei a forma de uma bela mulher, com olhos extremamente pretos e sem brilho, que tomavam conta de todo o globo ocular, um cabelo liso e negro até a cintura e curvas que levariam à loucura qualquer homem. Sorri, tinha escolhido bem, sempre surpreendendo a mim mesmo. O garoto começou a despertar e incorporei a personagem, fazendo imediatamente a estrela de cinco pontas entrar em chamas e desapareci em meio às sombras.

   - Acorde querido – Assumi uma voz doce e carinhosa – Será a ultima vez que fará isso – Minha voz ficou subitamente feroz.

   O garoto ficou de pé em um pulo, já sabendo o que o pentagrama em chamas e o local representavam, assim como minha mudança de voz. Ele começou a chorar e a procurar onde eu estava. Ri, o pequeno sabia seu destino, sabia o que estava acontecendo.

   - Por favor, meu Deus, me tire daqui – Eu o ouvi murmurar e comecei a formar vultos em sua volta, aterrorizando-o, mas sem aparecer.

   - Não há nenhum Deus aqui – Fiz minha voz ecoar por todo o beco. Sua expressão me fez ter vontade de gargalhar. Era tão divertido!

   Ele começou a soluçar e aquilo me fez sentir um profundo prazer, tinha um sorriso de ponta a ponta nos lábios. Resolvi deixar as coisas um pouco mais interessantes. Demorou um pouco para o menino perceber, só se deu conta quando o gosto salgado em sua boca se tornou amargo, sangue. Ele tocou assustado em suas lágrimas e fechou os olhos, tentando fazê-las pararem de cair, sem sucesso, o que só aumentou os constantes soluços e o medo que sentia.

   Permiti-me gargalhar, aparecendo subitamente em sua frente, fazendo-o direcionar sua atenção a mim. Senti que ele queria gritar, porém o medo o impedia. Isso não era bom.

   - Querido, não tenha medo – Sorri.

   Olhe me olhou assustado e o ouvi rezar, aquilo me deixou irritado, então o filho da puta era religioso? Dava-me nojo. Olhei para ele com desprezo e fiz com que as chamas invadissem seu corpo, ele gritou, mas não era o suficiente para mim. O menino reiniciou a oração, agora em voz alta. Ele estava me desafiando? Dane-se o personagem!

   Assumi a forma de uma caveira em chamas, meu corpo coberto por um manto preto e com asas monstruosas, pretas e rasgadas, em minhas costas. De minhas mãos saíram diversas facas, que golpeavam sem dó o garoto em minha frente. Ele não tinha forças para gritar, a raiva tomou conta de mim, odiava isso.

   - GRITE! – Ordenei, com ódio.

   Ele começou a parar de chorar, se afogando em suas próprias lágrimas. Materializei uma foice já suja de sangue e a ergui, o garoto tentou gritar, mas já era tarde demais, sua cabeça já estava no chão, a boca aberta em um eterno grito de horror.

   Fora do “pesadelo” ele dormia tranqüilamente, morreu da forma que todos os mortais acham adequado, indolor. Se eles soubessem... Que morram no Inferno!

   - Cadê seu Deus agora? – Dei um sorriso irônico e deixei para trás mais um trabalho, levando mais uma alma para coleção.