Teoria da Esperança escrita por erick-h


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Demorei um pouco para escrever essa fic, mas aproveitem, ela é, acima de tudo, sincera.



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Por que estou tão triste?”, eu me questionava, mas como sempre acontecia, não obtive aquela preciosa resposta. “Infeliz” resume bem a minha historia de vida, mas que culpa tenho de ser assim? Só peço que você não me julgue, afinal eu sou apenas um adolescente imaturo procurando um significado para a vida enquanto tento prestar o mínimo de atenção ao que o meu professor está dizendo nessa sala de aula abafada.

– Regis! – o professor chamou a minha atenção. – O que foi que eu acabei de ensinar no quadro?

Com palavras rápidas tentei explicar ao professor que eu realmente não sabia do que ele estava falando, mesmo entendendo muito bem o assunto eu simplesmente não estava com paciência para fazer aquilo, entretanto acho que não foi o correto a se fazer; por algum motivo inespecífico ele se irritou com a minha resposta e me enviou para “bater um papo” com a direção do colégio. Um aluno comum geralmente ficaria assustado com essas ações, mas eu não sou um aluno comum, eu não sou uma pessoa normal. Quando a vida não tem significado para você, coisas boas ou ruins em relação a ela não ficam com muito mais apelo.

E se a vida é tão sem significado assim, por que eu continuo suportando essa rotina sem sentido dia após dia? Por que eu não acabo logo com a minha vida? Essas são apenas uma das varias outras perguntas que tento decifrar, embora tenha quase certeza que a resposta dessas perguntas é a simples covardia humana.

Naquele mesmo dia, enquanto percorria a pé os dois quilômetros que separavam o colégio da minha casa, vi algo que me deixou surpreso, e eu ficar surpreso é mais surpreendente que a surpresa que me surpreendeu, talvez eu seja assim porque raramente algo é novo em minha vida. E o que me abismou foi que o que realmente me abalou não foi a situação em que a pessoa que eu vi se encontrava, mas sim a pessoa em si.

Um caminhão sem controle estava a quinhentos metros dela e ia a uma altíssima velocidade. Foi como se o tempo parasse, pensamentos irracionais tomavam conta da minha mente e ações irracionais lutavam pelo controle de meu corpo, mas mesmo em uma situação dessas, eu parei apenas para observá-la, e admirei pelo que se pareceram milênios. Embora tivesse uma expressão agressiva, ela aparentava ser bem frágil a sua maneira, seus olhos eram azuis, vazios e sem esperança como os meus, os cabelos eram curtos na altura dos ombros, de cor negra e extremamente lisos, com uma singela franja que cobria-lhe toda a testa.

Estranhamente comecei a entrar em pânico, pois a garota, embora estivesse vendo a sua eminente morte, em nada parecia apavorada, parecia que ela estava apenas esperando o seu destino chegar. Instintivamente corri a uma velocidade sobre humana para tirá-la da mira do caminhão, e por pouco, muito pouco, eu a salvei. O caminhão parou logo após, ao se chocar em uma árvore. Antes de reparar a intensa dor que me impedia de mover o meu pé esquerdo, percebi que a garota estava deitada sobre o meu peito, com pequenas lágrimas caindo de seus olhos fechados.

Rapidamente varias pessoas começaram a se aglomerar a nossa volta. Quando as sirenes de uma ambulância soaram ao longe, a garota recobrou a consciência, parecendo desejar que nada daquilo tivesse ocorrido, ele se levantou, mesmo com as pessoas a nossa volta dizendo para não nos movermos. Tentei fazer o mesmo que ela, mas eu tinha sofrido danos mais graves e não consegui fazê-lo. Ela começou a se afastar, mas antes que fosse tarde eu a segurei pela mão com algum esforço.

– Seu nome... – meus olhos continuavam vazios e sonolentos como sempre foram. – Diga-me seu nome.

– Helena... – ela sussurrou, pouco antes de partir.

Uma semana após o que a imprensa local chamou de meu “ato heróico adolescente”, tentei retornar ao colégio, embora agora eu tivesse uma grande dificuldade, pois do meu pé ao joelho esquerdo existia um incomodo gesso. A passos quase que extremamente lentos e dignos de pena, eu estava me aproximando da entrada da minha não tão boa entidade escolar, quando cheguei, o sinal para a entrada dos alunos já havia tocado, com dificuldade tentei elevar o ritmo dos meus passos, embora isso não tenha sido muito útil. Quando percebi, eu era uma das duas últimas pessoas a entrar, não fiquei realmente surpreso, mas apenas um pouco assustado pela pessoa que estava caminhando ao meu lado ser ela. Helena... Ela estava com um gesso no braço esquerdo e parecia quase tão debilitada quanto eu. Seus olhos continuavam tão mortos como na primeira vez que os vi.

Tentei pensar em algo para falar, mas nada veio a minha mente. Pensei que talvez eu pudesse fingir que era uma pessoa normal e perguntar por que ela foi embora naquele dia, falar que os policiais procuraram-na para prestar depoimento, talvez perguntar também por que ela estava com o uniforme do mesmo lugar onde eu estudava, pois eu nunca havia visto ela antes; mas logo desisti de tentar perguntar, essas questões apenas a irritariam, e eu sinceramente não estava com a mínima vontade de ouvir suas respostas. Não precisei raciocinar mais, pois ela interrompeu os meus pensamentos, ao falar de maneira agressiva:

– Eu te odeio. Por favor, morra. – Com essas palavras ela entrou no prédio, me deixando para trás com uma perna de vantagem.

Depois daquele estranho reencontro, procurei fazer o que sempre faço: apenas ignorar, eu era bom nisso. Entretanto... eu... eu não consegui ignorar dessa vez, não sei o motivo, mas eu não consegui. Surpreso, me vi procurando respostas para a reação agressiva dela; eu estava me importando. E isso é muito contraditório para alguém que não vê significado na vida.

Enfim tomei uma decisão, eu iria falar com ela novamente. Simples. No intervalo, fui à sala dela. Helena estava sentada na última carteira da fila distante da porta, seus olhos estavam fechados e as mãos descansavam sobre a carteira, ela estava fazendo na verdade a mesma coisa que eu faço sempre nos intervalos: nada. Aproximei-me dela e disse em uma voz sem sentimentos:

– Por que você me odeia?

Ela não demonstrou reação alguma, lentamente abriu os seus lindos olhos azuis e me avaliou com desdém.

– Eu tinha finalmente criado coragem – ela começou. – Quando tudo parecia ir dar certo, você me salvou, você fez todo o meu esforço e coragem serem em vão. Você me condenou novamente a essa maldição que é viver. Por isso eu te odeio. – ela disse aquilo sem hesitar ou vacilar em nenhuma palavra.

Alguém normal a chamaria de louca, mas eu não sou normal, eu entendia até que muito perfeitamente o que se passava pela cabeça dela. Ela era como eu, não tinha valores ou expectativas, ela assim como eu não via o significado de viver. Morrer atropelada por aquele caminhão seria a forma dela se libertar, ela tinha feito o que eu sou covarde demais para fazer. E eu estupidamente a “salvei”.

– Se você me odeia tanto assim, – eu disse – não deveria desejar a minha morte. Deveria desejar que eu continuasse vivo. Afinal, morrer é uma dádiva e a vida sim é a verdadeira maldição – após dizer isso, ela voltou a me ignorar. Como eu não estava com paciência e energia para ficar ali em pé sem fazer nada, resolvi voltar para a minha sala, onde fico sentado sem fazer nada.

No dia seguinte, eu fui à sala de Helena mais uma vez. Sem esperar que ela me notasse, perguntei como ela havia chegado à conclusão de que não existiam motivos para viver. Diante da minha pergunta, ela continuou com os olhos fechados e não emitiu nenhum som. Sem esperar uma resposta, eu comecei a dar as minhas próprias conclusões:

– Você já parou para pensar em como a sua vida é uma eterna rotina? Eu sim. Acordar todo o dia as quatro, banhar, se vestir, amarrar o tênis, caminhar dois quilômetros pra chegar aqui, ver as mesma pessoas, ir embora, fazer as tarefas e dormir; para acordar no outro dia e repetir essas mesmas coisas. Qual o significado ou valor disso? Obviamente eu não acredito na falsa ilusão que as pessoas chamam de Deus. Então por que estamos vivos? Qual é a resposta? E a mais simples e fácil resposta é: viver não tem um significado ou um motivo. Pra falar a verdade se você parar pra pensar um pouco, essa resposta é até muito lógica. Foi da mesma maneira com você?

– Sim... – ela sussurrou, hesitou por um momento e falou:

– Seu nome.

– Regis – eu respondi ao ir embora, com uma leve sensação de déjà vu.

No outro dia eu novamente fui visitá-la, e no outro, e no outro, e no outro, até quando isso se tornou mais uma rotina. Mesmo parecendo dois bonecos sem sentimentos, com o tempo começamos a nos tornar o que se pode chamar de amigos, eu acho, mesmo com Helena na maior parte do tempo tentando me ignorar. Na pura e única hipocrisia, começamos a tentar sorrir e se importar. Era estranho, porque embora aquilo tenha se tornado outra rotina sem significado aparente algum na minha vida, ela era... eu não sei explicar, era... era diferente. E ao contrario das outras, eu desesperadamente buscava um sentido para essa.

Mas por quê? Por que isso havia se tornado algo tão importante pra mim? Eu simplesmente não sei explicar. É como uma chama que queima no meu peito, uma chama estranha que me da certa esperança, que sempre queima mais intensamente quando estou perto de Helena. Era como se o calor em meu peito fosse em si um motivo para continuar vivendo.

Em uma das varias vezes em que eu conversava com ela, eu questionei:

– Helena, o que você sente quando esta perto de mim?

– Eu não sei dizer – ela sem sucesso tentou explicar, inexpressiva assim como eu.

– Tente.

– Eu... eu sinto... eu sinto calor, na verdade.

– Mas nós estamos embaixo de um ar-condicionado. Você não explicou... – antes que pudesse terminar, o sinal do término do intervalo soou. – Deixa pra lá – falei ao me levantar da carteira ao lado dela.

– Então me responde você, Regis. O que sente quando esta perto de mim?

Eu a ignorei e fui embora. Pode parecer rude, mas ela fazia isso comigo constantemente, então que mal teria se eu fizesse uma vez?

Mais tarde o sinal que finalizava o período de aulas daquele dia tocou. Depois de sair do prédio vi Helena a meio caminho do portão, a acompanhei com certa dificuldade, pois mesmo que fizesse dois meses que eu havia tirado o gesso de minha perna esquerda, ela sempre doía quando eu forçava. Chamei o seu nome tentando em vão parecer animado, perguntei onde a casa dela ficava.

– Um quilômetro naquela direção – ela disse apontando para a direção oposta a minha casa.

Perguntei se eu poderia acompanhá-la e ela respondeu com desprezo que eu poderia fazer o que eu quisesse.

O caminho para a casa dela era tranqüilo e pouco movimentado, o lugar perfeito para se ficar sozinho, uma coisa que eu particularmente adoro. Desejando que o silêncio se desfizesse, tentei começar um diálogo:

– Você acha a teoria do “mito da caverna” plausível?

– Mito da caverna? – ela estranhou. – Isso é uma teoria? Espera, é aquela que diz que na verdade todos nós estamos presos em uma prisão tão eficiente que nem percebemos que estamos presos?

– É por ai. Tem até um filme muito famoso que trabalha isso, não?

– Bem... Eu acho essa “teoria” plausível, mas não acredito nela. Mas não era isso que você queria conversar comigo, ou era, Regis?

Neguei com a cabeça, procurando uma forma de dizer a teoria maluca que há algum tempo vinha se formando na minha mente. Por fim. Resolvi começar a falar:

– Sabe, andei pensando ultimamente e uma idéia meio louca me veio à cabeça. Talvez, mas apenas talvez, no final das contas... sabe... é... valha... valha a pena viver... – quando eu disse isso, ela parou de andar e me olhou como provavelmente um católico olharia para o seguidor de alguma religião satânica. – Mas... – por aquele mesmo sentimento inominado de antes, me importei em tentar corrigir.

Porém fui interrompido pela voz, naquele momento calma, de Helena:

– Regis... Como você é sortudo, está se tornando uma pessoa normal e ignorante.

– Errado! – gritei surpreendendo até a mim mesmo por ter alterado a minha voz sempre calma.

Eu a segurei por seus ombros, a empurrei contra a parede e aproximei meu rosto do dela. Seus olhos estavam no habitual vazio de sempre, mas eu via um sentimento novo neles, um sentimento que ela claramente estava tentando esconder atrás de sua própria melancolia.

– Negue! – eu disse. – Negue que não sente um fogo de felicidade queimar em seu coração quando está perto de mim!

Ela desviou o olhar e estreitou os olhos antes de falar de forma aflita:

– É isso que chamam de... de... amor...?

Não esperei para responder, mal ouvi sua resposta e com uma clara e aparente ansiedade encostei meus lábios nos dela, o fogo no meu peito queimou como nunca havia queimado antes, com uma sensação quente e macia. Aos poucos ela foi correspondendo ao meu beijo, e assim eu tive mais esperança. Mas quando parei para olhá-la, ela estava com uma das últimas expressões que eu esperava ver, suas bochechas estavam exageradamente coradas e os olhos claramente expressivos e lacrimosos. Ela estava com vergonha? Sua expressão estava tão frágil... Foi então que recordei com arrependimento que apesar de tudo, Helena ainda era uma garota, era delicada e sensível ao seu modo e aquele deveria ser um momento especial para ela. Espera, não deveria ser especial para mim também? Meus sentimentos não importam pra mim mesmo? Minha cabeça está tão confusa que a qualquer momento pode para de funcionar. Ainda segurando em seus ombros, olhei para baixo e falei com arrependimento:

– Desculpe... Eu fui... eu fui rude com você...

Eu a soltei, me virei e comecei a caminhar na direção de casa, minha esperança havia desaparecido novamente. Percebi que na verdade a vida tinha um significado: sofrer.

Fiquei mais do que surpreso quando repentinamente Helena segurou uma das minhas mãos com as suas.

– Seu idiota – ela disse, tentado parecer irritada, mas a sua voz vinha como um suspiro para mim. – Regis seu idiota! Você foi infetado pela ignorância do mundo; mas por que teve que me levar junto? Por que você me mostrou que apesar de tudo, apenas para sentir esse sentimento que pulsa em meu peito, viver vale à pena? Que sentimento confuso é esse que muda todas as nossas opiniões? É aquele tal amor? – Ela fez uma pausa para respirar fundo. – Então deixe de ser idiota, e seja logo rude comigo novamente. – Uma discreta lágrima percorreu o seu rosto.

Que estranho, eu nunca pensei que viver e amar seriam tão bons, mas deixarei para pensar nisso em outro momento, porque agora eu só tenho olhos para...

– Helena...

Ela levantou o rosto ao meu chamado, com os olhos chorosos e outra expressão que nunca imaginara ver nela, um sorriso. Ela é tão linda... Acho que um pequeno sorriso também se fez em meu rosto.

A segurei com delicadeza no queixo, e lentamente dei-lhe outro beijo...


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Notas finais do capítulo

Estou esperando reviews, elas são muito importantes.