Advogado e Cliente escrita por Metal_Will


Capítulo 1
One Shot




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 Dia nublado. Símbolo de tristeza e desânimo. No entanto, para aquele homem, um tempo ensolarado ou nuvens dificultando a agradável luz do astro rei não significavam muita coisa. Aliás, praticamente nada significava alguma coisa para ele ultimamente. Estava preso, trancafiado em uma cela e privado de sua liberdade. No dia seguinte, seria julgado por tudo que fizera. Ansiedade? Não, isso sequer passava por sua cabeça. Nem mesmo sua condenação significava algo para ele. Estava ciente de tudo que teria que pagar e aceitava isso sem o mínimo questionamento.  Estava em um país onde não havia pena de morte, mas para muitos a morte talvez fosse um alívio: ele deveria pagar por todos os seus atos em vida. Mas mesmo ele sabia que ficar o resto de seus dias engaiolado não cobriria todos os sofrimentos que causara. Sofrimentos de que ele também tinha consciência plena de sua responsabilidade.  Conseguiu agir por muitos anos sem ser capturado, mas agora que fora pego, não havia mais o que esconder. Era apenas questão de continuar seguindo com o script. Foi pego, pagaria por seus crimes, mesmo que levasse a vida toda. Não gostava, nem desgostava da sua situação. Simplesmente, sua própria existência não significava muita coisa para ele.

- Carlos. Carlos? - diz a voz de uma pessoa do lado de fora da cela, era o delegado que raramente aparecia por ali a menos que fosse para declarar algum aviso 

– Seu advogado...está aí.  

Carlos se levanta vagarosamente e é escoltado por dois guardas até a área de visitas, uma sala escura e velha. Carlos Matarazzi era um homem magro,  relativamente alto,  sem nenhuma vida no olhar, embora de longe sugerisse uma boa aparência. Talvez esse último fato tenha facilitado suas ações criminosas. Esse homem, Carlos, era acusado por seis estupros seguidos de assassinatos. O tipo de pessoa que pode ser considerada um perigo para a sociedade. Ao ser finalmente capturado, não ofereceu resistência. Não tinha o que justificar, ele confessa todos os seus crimes passados na hora e o júri tinha 100% de chance de considerá-lo culpado. Mesmo assim, foi atribuído um advogado para ele, pessoa com quem iria encontrar naquele instante. O homem com a tarefa de defender Carlos se chamava José Figueiredo, mais conhecido como Doutor Figueiredo. Era um tanto gordo, com bigode e um olhar cansado, parecia ter por volta de seus cinquenta anos e muita experiência na área jurídica. Carlos sentou-se à sua frente. O delegado apresenta o advogado ao assassino, que não esboça reação alguma. Os guardas ficaram de prontidão na porta da sala de reuniões e, após os dois se olharem por um bom tempo, o advogado finalmente quebra o silêncio.

- Você sabe que sua situação não é nada simples – inicia Figueiredo – Seis estupros seguidos de assassinatos...todas garotas jovens entre seus 14 e 19 anos...corpos nus encontrados em terrenos abandonados em diferentes regiões do Estado. A polícia demorou muito para enquadrá-lo, considerando a falta de pistas e vestígios nos locais do crime. Mas, quando finalmente o capturamos, você alega a culpa em todos os crimes. Será difícil até diminuir sua pena se você mesmo confessar tudo.         

Carlos ouve, fica alguns instantes em silêncio, mas finalmente responde algo.

- Eles não precisam reduzir minha pena. Não há sequer necessidade de julgamento. Sou culpado. Mantive relações com todas aquelas garotas e matei todas logo depois. Essa é a verdade. Não há o que esconder.

 - Você não deixou nenhuma pista desde o começo. Não acha contraditório estar tão conformado assim?

 - Nunca é bom ser pego, não é? Mas apesar da incompetência da polícia e lentidão da perícia, um dia finalmente a verdade teve que vir à tona...acho que não há muito o que  fazer sobre isso...  

- Você entende a gravidade do que fez? Estupros e assassinatos...crimes hediondos. É muito diferente de ter roubado um doce de uma loja.

 - Entendo seu ponto de vista. E entendo perfeitamente a revolta de todos ligados a essas vítimas. Mas quando fazia aquilo, só conseguia me concentrar no meu prazer...era uma sensação indescritivelmente deliciosa

- Tem ideia do que está dizendo?

Carlos suspira e senta-se mais esparramado na cadeira.

- Doutor Figueiredo...o senhor deve sentir prazer sexual. A maioria das pessoas sente. No entanto, meu prazer transcendia muito mais do que simplesmente ter a relação...só me sentia plenamente satisfeito ao ver o corpo sangrando, o líquido vermelho que resultava num corpo sem vida. A única razão por tê-las matado foi isso...apenas pelo prazer que isso me dava. Nada mais.

- Todas as suas vítimas foram encontradas esfaqueadas. Então...você realmente tinha desejo pelo sangue delas?

- Exatamente. Sentir não apenas o calor do corpo, como também o gosto do sangue. Algo vampiresco, mas altamente excitante. Parece monstruoso, não? Talvez eu seja um monstro...por sentir um impulso sexual tão exótico

 - Se fosse responder agora...diria mesmo que é um monstro. Alguém como você não precisaria passar por isso...sua ficha diz que é formado em Letras e tem um mestrado em Literatura Inglesa em andamento. Pelo seu vocabulário, vejo que é um jovem realmente culto. Como pode estar nesse tipo de situação?  

- Mesmo que fosse um analfabeto...o que a formação tem a ver com sua natureza? O único motivo do assassinato daquelas garotas foi o prazer que sentia ao fazê-lo. Foi só isso.

- E, obrigatoriamente, eram todas jovens

-  Sim.  Escolhia aquelas que me fossem atraentes.  Só isso.  

Figueiredo observa o rapaz em silêncio por mais alguns instantes. Por fim, diz:

 - Creio que nessa situação, prisão perpétua é mais do que certa. Talvez apenas se afirmar insanidade.

 - Isso seria mentira

- Quer dizer que...  

- Sim. Tenho plena consciência de tudo que fiz. Estou disposto a pagar por todos os assassinatos sem nenhuma reclamação. Essa é a justiça.  O advogado balança a cabeça, entendo que seu cliente já havia se rendido. Ele estava ciente de tudo e aceitara a punição máxima que o tribunal certamente iria anunciar. No entanto, Figueiredo ainda tinha uma última questão.

- Se essa é a sua decisão...creio que não há nada que eu possa fazer...só tenho uma última pergunta. Carlos se coloca mais a frente para ouvi-lo. O advogado pigarreia e, após uma breve pausa, pergunta:

-Você...se arrepende do que fez?

- Sinceramente?

Figueiredo faz que sim com a cabeça. Carlos respira fundo e, por fim, responde.

- Não. Não tenho arrependimentos. Provavelmente continuaria fazendo isso se não fosse capturado. As pessoas podem me prender fisicamente, mas não podem controlar meus sentimentos. Se por algum milagre eu conseguisse sair daqui, gostaria de sentir o prazer daquela sensação mais uma vez. Ninguém no mundo pode mudar isso.  

Figueiredo não tinha mais o que fazer. Carlos permanece em silêncio e, de fato, sua própria expressão no rosto não demonstrava arrependimento. Sua única motivação era o prazer pelo prazer nada mais que isso. A reunião entre Carlos e Figueiredo se resumiu a esse diálogo. Um condenado que admite sua culpa, porém não demonstra arrependimento e um advogado que simplesmente não tinha meios de defender aquele criminoso. Não havia mesmo mais nada a fazer. Carlos é levado de volta a sua cela, onde aguardaria seu julgamento. Figueiredo arruma sua pasta e se prepara para atender mais um caso.  

- Deve ter sido difícil para você – diz o delegado, no momento que o advogado estava prestes a sair

– Estar cara a cara com aquele sujeito.

- Muito difícil. Fiz questão de aceitar esse caso, apenas para entender a mente dele...mas foi pior do que eu pensava.

-  Você deve ser a pessoa mais forte do mundo. No seu lugar, eu gostaria de matá-lo com minhas próprias mãos.

-  Não apenas você, meu amigo – responde Figueiredo – Foi o que pensei durante todo esse tempo de caso...mas que valor teria a vingança contra uma pessoa para quem a morte não significa nada?

- Mesmo assim...nunca conseguiria perdoá-lo. - O perdão é algo difícil...mas a vingança também não traria Fernanda de volta.  

O delegado não fala mais nada. Figueiredo também sai calado, segurando seus sentimentos e ainda com a imagem de Fernanda em sua mente. Fernanda Figueiredo. Morena, jovem e cheia de sonhos. 17 anos. Filha de José Figueiredo e última vítima de Carlos Matarazzi.


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Notas finais do capítulo

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