Tentação

      Eu prestava atenção apenas em uma coisa: O veado que eu estava caçando. O símbolo de Ártemis. Ele estava correndo em alta velocidade a alguns metros a minha frente. Meu arco prateado como a lua já estava apontando para ele. Só esperava pelo momento exato. Senti o instinto de caçadora correndo em minhas veias. Era a hora certa. Flexionei os meus braços e mirei na cabeça do animal.

     -Thalia? – Uma voz bem próxima de mim, que eu não ouvia havia um longo tempo, sussurrou. Meu coração disparou e o arco escorregou das minhas mãos trêmulas. Meus olhos se arregalaram e eu me virei. Quando vi aqueles olhos azuis que há muitos anos me faziam sorrir, agora me faziam querer chorar.

     -Luke? Você não vai me matar agora, vai? – Provavelmente, não foi a coisa mais esperta a dizer para ele, mas eu estava sem palavras.

     Sei que eu deveria sentir raiva dele e matá-lo na primeira oportunidade. Mas eu simplesmente... não consegui. Eu na verdade, estava feliz demais por vê-lo ali, vivo na minha frente.

     -Não. Eu vim para lhe pedir…desculpas – Ele disse, meio envergonhado. Eu pisquei. Há dois anos atrás, Luke quase me matou. Agora queria desculpar-se comigo. – Eu não queria, Thalia. Não queria ter magoado você… Eu… Eu não tive escolha.

     -Você não queria me…matar?

     -Não, Thalia! Nunca! – Ele se aproximou de mim, seu rosto mostrava arrependimento. - Os anos passaram mas eu nunca esqueci do quanto você… foi importante para mim. – Meu coração acelerou mais ainda.

     -É, mas… Mas você demorou para perceber. Agora é tarde demais, eu sou uma Caçadora. Você tem que…Você tem que ficar longe de mim… - Uma dor profunda atingiu meu peito enquanto eu dizia isso a ele. – Vá embora, Luke! Eu nao quero ver você aqui! – Menti. O empurrei para trás com a minha mão e virei de costas para ele. Mas ele me puxou pelo braço, de modo que eu pudesse ver o seu rosto. Ele olhou-me nos olhos e disse:

     -Thalia, eu vim aqui para lhe dizer que... Eu preciso de ajuda. Somente isso. Cronos quer se apossar do meu corpo. Quer me usar como um meio de vencer. Não deixe isso acontecer, Thalia, por favor! Venha comigo, vamos fugir e será como nos velhos tempos. Por favor! – Implorava ele. Ele segurou minhas mãos com força. Minha respiração começou a ficar irregular, eu estava quase cedendo. Ele ali… meu melhor amigo… bem na minha frente, me pedindo ajuda, e eu me recusando a ajudá-lo.

     -Eu…Luke, eu não posso. Tenho que manter distância dos homens, eu prometi a Ártemis. – Tentei ser firme, juntar-me a Luke como nos velhos tempos, realmente era uma oferta tentadora.

     -Mas você prometeu a mim… você me prometeu que seria para sempre. Para mim, ainda é para sempre. – Meu rosto ficou vermelho. Ele se aproximou. A paixão que eu sentia por ele há muito tempo, tomou conta de mim, incendiando meu coração e espalhando-se por meu corpo. Luke estava perto demais… Não pude resistir a tentação de…de… de beijá-lo.

     Coloquei as mãos em seu rosto e o puxei para mim. Nossos lábios, insaciados por muito tempo, finalmente se encontraram e se moviam em perfeita sincronia, com uma ansiedade descontrolada e violenta. Senti a eletricidade correndo pelo meu corpo, causada pelas minhas emoções intensas.

     Ele agarrou a minha cintura com força e eu abraçava seu pescoço com uma agressividade louca, proibindo-o de me soltar.

     Eu estava fora de mim. Apenas Luke ocupava minha mente e tomava meus pensamentos, trazendo-me uma felicidade que fazia eu me sentir viva, assim como o relâmpago ilumina a noite escura.

     Ele se afastou e estudou o meu rosto, exaltado. Recuperei o fôlego.  Meu coração batia muito, minha face estava quente, e meus olhos lacrimejavam.

     De repente, tudo fez sentido, tudo o que me deixava confusa em relação a Luke, ficou claro para mim. Percebi porque eu precisava dele, porque eu dei minha vida para salvá-lo, porque eu havia chorado quando descobri o que ele era, por que era difícil para mim matá-lo. Tudo se resumia em três palavras, que eu estava proibida de pronunciar.

     -Eu te amo… - Sussurrei. Então notei que havia uma lágrima escorrendo por meu rosto. – Eu te amo Luke… mas eu não posso, Luke, não posso! – Agora eu chorava desesperadamente. Percebi que havia quebrado meu juramento com Ártemis, mas eu jamais poderia deixar Luke partir outra vez.

     -Tudo bem… Eu entendo… Você não quer me ajudar, porque sou um traidor… - Sua face entristeceu. Eu queria dizer a ele que não era isso, mas eu não conseguia falar de tanto que chorava.

     Então ele me abraçou e eu entreguei-me em seus braços. Ele afagou minhas costas e acariciou meus cabelos, enquanto eu molhava sua camisa com lágrimas. Então, sussurrou em meu ouvido, com uma voz baixa e cheia de dor:

     -Thalia, aconteça o que acontecer… Não importa o que eu fizer… não se esqueça de que eu… eu te amo. E isso nunca, nunca vai mudar.

     Ele me afastou e colocou-nos cara a cara. Tocou meus lábios de leve e disse:

     -Adeus, não esqueça de mim.

     Com essas palavras ele partiu, deixando-me sozinha no meio da floresta, chorando, com o coração partido e a cabeça confusa. Fiquei observando-o desaparecer na escuridão noturna. Desabei no chão, não pude acreditar no que havia feito. Luke e eu... nós... nos beijamos.

     A culpa estava me consumindo. Eu quebrei um juramento divino! Não cumpri meus deveres com Ártemis. Olhei para a minha mão, o brilho do luar que deveria estar resplandecendo em minha pele, já estava enfraquecendo.

Eu precisava falar com Ártemis, tinha de dizer a ela que eu... Eu não quis... Bem, eu não sabia o que devia dizer a ela, porque eu tinha de admitir, eu amava Luke, não havia jeito de esconder isso. Corri pela floresta, tentando encontras as outras Caçadoras.

     Ouvi passos na grama. Mais de uma pessoa estava andando na floresta além de mim. Lembrei-me do veado que eu estava caçando. Talvez sejam as garotas perseguindo-o.

     Segui pela direção de onde o som havia vindo. Passei por algumas árvores e pequenos animais silvestres. De repente, comecei a ouvir vozes. Parei, pois eram vozes masculinas, com certeza, minhas companheiras não estavam por ali.

     Reconheci uma das vozes. Luke. Ele ainda estava na floresta. Aproximei-me e pude ver ele a uns 5 metros de mim, conversando com 4 meio-sangues da armada de Cronos. Fiquei atrás de uma árvore, ouvindo a conversa.

     -Luke, você é brilhante mesmo, temos de admitir. – Disse um dos semideuses, rindo.

     -É, você pensou em tudo. – Disse outro entre gargalhadas.

     -Do que vocês estão falando? E o que estão fazendo aqui? – Luke perguntou, confuso.

     -Percebemos quando você saiu. Então o seguimos até aqui. -Respondeu um.

     -Vocês... vocês viram?

     -Sim, o jeito que você enganou a garota... Foi incrível, deu até para acreditar no que você disse. E você a fez quebrar o juramento com Ártemis! Agora, ela vai voltar a envelhecer, vai poder completar dezesseis anos como na profecia. Pode deixar que nós cuidaremos de tudo agora. Já sabemos como raptá-la e levá-la até Cronos. Ele saberá o que fazer com ela.

     Meu coração quebrou-se ainda mais. Luke estava só... me usando.Nada do que ele dissera foi verdadeiro, ele me iludiu para me fazer passar para o lado sujo dele. O que eu estava pensando? Apaixonar-me por um garoto que quer destruir o Olimpo e me fez trair minha deusa... Tentei segurar os soluços, mas era tarde demais, lágrimas atravessavam meu rosto, tornando mais aguda a minha dor.

     -Bom... Eu não estava enganando ela... – Luke disse baixinho. A tristeza fugiu do meu coração e encheu-se de preocupação. O que os outros meio-sangues fariam com Luke, agora que sabiam que ele havia os traído? Enxuguei as lágrimas e continuei a ouvir a conversa.

     -Você gosta dela? – Perguntou um semideus, com um tom de voz de nojo.

     -Eu... Sim, muito. Por isso, não façam nada a ela. Deixem-na em paz. – Disse Luke, entre dentes.

     -Luke, de que lado você está? Dos estúpidos olimpianos que nunca se importaram conosco nem nunca vão se importar? Ou do lado de Cronos, que vai lhe ajudar e recompensar-nos se levarmos a garota até ele? – Luke não respondeu. E o outro continuou:

     -Ele está prestes a reerguer-se, e você vai ser sua fonte de poder, seu meio de vencer! – Luke hesitou, mas por fim respondeu:

     -Eu nunca disse que queria que ele se apossasse do meu corpo.

     -Tudo bem. Se você prefere a sua namoradinha filha de Zeus, a nosso Senhor do Tempo, acho melhor acabarmos com você aqui e agora. – O semideus chutou Luke no abdômen, ele caiu no chão, esforçando-se para respirar e não tentou se defender. O meio-sangue que estava em pé ao lado de Luke, segurou seus cabelos, forçando a cabeça para trás, enquanto o outro pegou a espada e estava prestes a matar meu melhor amigo, quando eu gritei:

     -Parem! – Saí de trás da árvore, para que eles me vissem. Todos pararam e viraram. Luke estava ofegando, aliviado. – Não matem ele. Levem a mim. Eu quero falar com Cronos pessoalmente.

     -Thalia, não! Você não sabe o que está fazen... - Ele não teve tempo de completar a frase, o garoto que segurava seus cabelos, socou a sua boca e Luke gemeu de dor, abaixando a cabeça.

     -Ótimo! Conseguimos o que queríamos, afinal. A filha de Zeus está pronta para lutar contra o Olimpo! – Anunciou o que parecia ser o chefe deles. Nesse momento, eu percebi o que estava me propondo a fazer: Iria destruir toda minha família, abandonar as Caçadoras e lutar contra os meus amigos. Tudo para manter Luke vivo. Mas agora era tarde demais para voltar atrás.

     -Thalia... não... você... você não precisa passar por isso... – Luke conseguiu gaguejar, com sangue escorrendo da sua boca. O semideus que havia socado Luke antes, deu um chute forte nas suas costelas e ele caiu de cara no chão, com um grito de agonia. Sem pensar, fui correndo até ele e ajoelhei-me ao seu lado.

     -Agora que vocês conseguiram o que queriam, deixem-no em paz! – Gritei. Ergui Luke do chão, limpei o sangue que havia em seu rosto com a manga da minha blusa e o abracei, protegendo-o. – Por favor... Não o matem... – Implorei com os olhos cheios d'água.

     -Sinto muito, filha de Zeus. Mas temos ordens de que qualquer traidor descoberto deve ser morto. – Respondeu-me um semideus. Ele empurrou-me para o lado com sua perna e ergueu a espada sobre a cabeça de Luke, indefeso. Meu coração desesperou-se e minha garganta começou a queimar. Não consegui pensar em nada para salvar meu amigo. Então, gritei:

     -NÃO! – Meu grito foi eletrizante, literalmente. Raios desceram do céu e atingiram em cheio os 4 meio-sangues na clareira, que caíram mortos, carbonizados, no chão. Os raios esgotaram minha energia, mas quando avistei Luke caído no chão, atirado longe uns 15 metros por causa da alta voltagem, corri até ele.

     Ele estava pálido e tremendo, os olhos arregalados, olhando debilmente para todos os lados. Levantei-o e chacoalhei-o mas ele não reagiu. Seus olhos continuavam vidrados, como se ele não tivesse consciente de que eu estava ali, ou como se não estivesse consciente de coisa alguma.

     -Luke... Luke acorde! Por favor! – Implorei, dando tapinhas no seu rosto. – Acorde Luke... Não me deixe aqui... – Agora minha voz estava falhando, e meu rosto estava molhado com lágrimas, eu havia deixado Luke naquele estado de choque horrível... – Luke... Por favor...

     Eu o sacudi um pouco, mas não aconteceu nada. Percebi que sua pele estava febril. Talvez... Talvez eu tivesse o matado. A ideia me fez chorar mais ainda e eu o abracei com força.

     -Não vá Luke... Não vá... - Continuei a suplicar. De repente, ele tomou fôlego e eu direcionei o seu rosto até o meu. – Luke! Ah, graças aos deuses.

     -Thalia... O que...?Como...? – Ele gaguejou. Os olhos arregalados.

     -Bem... Eu acho que eu os matei.

     -Você me salvou... Eu não merecia isso. Você deveria me deixar morrer... eu sou um traidor, Thalia, você não me ama, você me odeia, me odeia muito... você nunca vai me amar! Eu sou...

     -Pare! – Gritei. – O que está dizendo? Eu... eu te amo, Luke. – Seus olhos brilharam quando eu disse isso. - Você é... muito especial para mim... se não fosse, não o teria salvado.

     -Mas eu... eu vou tentar matá-la. Cronos vai obrigar-me a isso. Não vou suportar magoá-la outra vez. – Ele pôs a mão sobre o meu queixo e puxou-me para perto, tentando me beijar. Eu quase cedi, mas suspirei e ele se afastou. – Desculpe-me. Você deve manter distância de mim, não é? Eu... tenho que ir agora.

     -O que... o que Cronos vai fazer com você?

    -Vai fazer com que eu acabe com todos os olimpianos, destrua o Olimpo e depois... – Seu rosto ficou pálido, e sua voz falhou. – mate você... Ele vai me deixar fora de mim. E eu não posso fazer nada. Você vai sentir ódio de mim para sempre... – Ele abaixou a cabeça e começou a chorar em silêncio. Eu abracei seus ombros trêmulos.

     -Não vou, não. Prometi que seria para sempre, não é? Não vou esquecer disso. – Tirei o meu colar prateado com um pingente em forma de raio, beijei-o e coloquei no pescoço de Luke. - E você não vai esquecer de mim.

     Ele sorriu, com os olhos cheios de lágrimas e beijou minha testa, bem no símbolo da tiara de Ártemis. Levantou-se do chão e disse:

    -Adeus, Thalia. Desculpe-me... por tudo.

     Aquela foi a última vez que o vi sorrir. Depois ele se virou e seguiu pela trilha escura da floresta, percebi que eu estava chorando e meu coração doía tanto que me fazia querer morrer. Luke Castellan, meu único amor, se fora... Para sempre.