Eu andei por uma terra desabitada

Terrivelmente uma tempestade chegou. Sentada em minha cama derramando minhas últimas lágrimas tomei a decisão de sair de casa e caminhar pela chuva. Não sei ao certo para onde irei o que farei e se meu mundo irá acabar no instante em que um raio tocar o chão e me tirar a vida. Andando por estas ruas desabitadas imagino o que fazer.

Eu conhecia o caminho como a palma da minha mão

Estou deixando meus pés me levarem a algum lugar, porque de cabeça não tenho a menor idéia para onde prosseguir. Só não posso continuar enfiada em meu quarto chorando por este amor sem nada fazer. Este será meu objetivo. Olhando estes enormes prédios que agora parecem peles envelhecidas percebo uma coincidência. Eu conheço este caminho, como a palma da minha mão eu o conheço. O fiz tantas e tantas vezes para encontrar minha felicidade, como não reconhecer por trás destes tantos borrões aquele enfeite pendurado na sacada cantarolando nossa canção do entardecer deitados na sua cama. Para seu apartamento meus pés levavam-me. Traidores e salvadores. Mesmo não querendo ver meu sofrimento quero de alguma forma curar esta cicatriz e ficar bem novamente.

Eu senti a terra sob meus pés

Na portaria do seu prédio estou. Ensopada, cansada, desnorteada. O porteiro me olhando como se eu fosse uma louca. Quero falar com o Gabriel, informo o senhor do outro lado da barreira de vidro. Por um momento pude perceber o receio em seus olhos antes de apertar o botão para interfonar no seu apartamento. Anda, digo para apressá-lo.

Aqui estou de volta, neste espaço tão acolhedor e tranqüilo. Sob meus pés a terra que semanas não tocava, não sentia, não via. Ao canto do parquinho das crianças o balança que várias e várias vezes estivemos trocando beijos apaixonados e juras de amor. Do outro lado os bancos que guardam nossos segredinhos íntimos. Em qualquer direção que eu olhar vou lembrar-me dos nossos momentos perfeitos. Mas para onde será que foi todo este amor? Como pude deixar cair nosso amor? A resposta não chegou a tempo. O porteiro acaba de me interromper informando que você pediu que eu subisse. De súbito uma brisa forte da tempestade lá fora me atinge e um borbulhar passa pelo meu estômago. Mau ou bom?

Eu sentei ao lado do rio e ele me completou

O barulho da chave na porta parecia uma bateria de instrumentos. Tive a sensação de cair ao chão e voltar ao céu quando o vejo surgir na porta. Belo, radiante, o perfeito de sempre. O cabelo caindo na testa do jeitinho que gosto, teu profundo e sereno olhar fixos nos meus e seus lábios entreabertos como se fosse dizer algo. Neste primeiro momento não sei o que fazer. Estou esperando você pelo menos me convidar para entrar, mas creio que esteja mais sem reação do que eu. – Bom... Posso entrar? Pergunto timidamente. Você permanece mudo, mas libera um pouco de espaço. Cada cômodo deste apartamento é reconhecível. Cada detalhe enterrado profundamente em minhas memórias como um tesouro. Sigo diretamente para o sofá, sento e pego um travesseiro. Sabe-se lá o que vai acontecer, uma proteção ou conforto é bom ter em mãos. Você senta-se a uns centímetros de mim ainda sem falar nada. Isso me fez lembrar quando fui ao sítio do meu falecido avô e sentei ao lado do rio que tinha atrás do celeiro. A sensação dos pés sendo arrastados suavemente pela correnteza do rio e a forma como tudo naquele lugar me completava. Assim estou me sentindo agora, sentada ao teu lado e como tudo aqui me faz sentir completa novamente. Estou te olhando tanto que deve estar preocupado se tem uma mancha de ketchup no canto da sua boca. Igual aquela vez no Mc, você ficou com a boca toda suja e eu tinha que limpar tudo. – Então Gabriel...

Coisa simples para onde você foi?

– Como tudo isso foi acabar assim? Olho para você tentando mostrar que esta pergunta não foi exatamente uma pergunta. Foi mais um desabafo, um murmúrio escapado dos meus pensamentos. Sem perceber, minhas mãos ficam a apertar o travesseiro. Que reação fora de hora. Respiro profundamente antes de retornar aos seus olhos e continuar a falar. – Não sei... Você responde. Parece estar procurando alguma coisa em suas memórias, o olhar perdido na janela sendo banhada pela chuva. – Eu também não sei... Estava indo tudo tão bem e do nada acabou. Não ouvi sequer um adeus naquela tarde. Você indo embora... Minha voz some. Minhas forças estão sobrecarregadas, estou lutando para que a primeira lágrima não caia. – Por favor, Luiza não chore. Sabe perfeitamente que odeio a ver chorar, ainda mais por mim. Durante estes dois anos de namoro fiz de tudo para que não a machucasse. Mas explicar o que houve para tudo terminar desta forma é difícil para mim... Sua voz some também. – Tão simples esta pergunta, para onde nosso amor foi? E tão difícil de entender o porquê dele ter ido. Nunca senti olhar tão fixamente teus olhos como agora. Parece que, se eu o desviar por um segundo o mundo pode acabar e eu não ter outra chance de dizer que o amo.

Eu estou ficando velho e preciso de algo em que confiar

Nosso amor é a única certeza que tenho de que a vida tem sentido. Se eu perder você  perderei a conexão da realidade, posso até ir parar num manicômio. Estranho, um arrepio tomou conta da minha espinha. Uma lembrança de uns dias atrás me faz cair na real de que estou cansada de sofrer, isso esta me envelhecendo. Se não for agora para te ter novamente chegarei ao último estágio da vida só.  

Então me fala quando você vai me deixar entrar

– Gabriel, estive vivenciando perdas a minha vida toda... Quando nos conhecemos deixei meu passado para trás e decidi dedicar meu futuro com felicidade e amor e tu mostrou-me que era possível realizar este sonho, você me ajudaria. A distância destas semanas envelheceu meu coração. Pode parecer loucura, mas acho que estou ficando com rugas. Inevitavelmente deixo escapar um riso. Você balbucia um pequeno sorriso de canto e transforma seu olhar. O que estaria pensando?

Eu estou ficando cansado e preciso de algum lugar para começar

- Anjo... O apelido que escolheu para mim no dia que me pediu em namoro. Que saudades de escutá-lo. Estou cansado de lutar contra o que esta dentro de mim, talvez a vida tenha me imposto muitos desafios e o de te amar foi um deles. Não sabia mais o que fazer, não estava sendo bom o suficiente para você e as promessas estavam ficando para trás. Todos os lugares que procurava paz lembravam-nos. Os melhores parques, as melhores casas abandonadas, qualquer que fosse o melhor canto para ficar tranqüilo estivemos. Esta faltando pouco para uma lágrima não cair de meus olhos, você me fez lembrar todas as lembranças felizes que vivemos e me fez ver que fomos mais felizes nesses 2 anos do que infelizes. A janela agora parecia uma ótima escolha para esconder meus pensamentos do seu sensorial olhar para detectar meus pensamentos. – Busquei outro lugar para começar, mas não posso começar sem você Anjo.

Eu encontrei por acaso uma árvore caída

Lá estava a nossa foto. Em cima da estante ao lado do vaso com flores feitas de papel que na aula de artes no ano passado fiz para você. Estou presente aqui ainda. Encostados numa grande e viva árvore. Você me abraçando por trás dando toda a proteção que havia prometido. Dando o beijo que nunca vou esquecer em meu rosto rosado pelo vento gelado do inverno. Clamávamos a eternidade aquele dia para que chegasse a nossas vidas, para que o momento não se fosse jamais. Antes que esta teimosa lágrima caísse de meus olhos, sua mão acariciou meu rosto. Fecho meus para evitar o mundo a fora, dentro de mim estou mais segura. Algo em meu rosto queimava, por trás de minhas pálpebras apenas a tua imagem me mirando, com o sorriso mais lindo do mundo esperando meu retorno.

Eu senti seus ramos olhando para mim

- Olhe para mim doce Anjo. Você pede. Meu coração estremece tanto que acho ser um terremoto cardíaco. Que bobagem, ele sabe que é você, ele quer você. Abro meus olhos e sua figura encontrasse a minha frente. Ajoelhado como um príncipe prestes a pedir sua donzela em casamento. A mão sobre a minha e o olhar mais seguro que já vi. – Eu te quero em minha vida mais que tudo neste mundo Luiza. Você é a única razão por estar em pé hoje, por você superei tudo e todos que iam contra nós. O que importa é o meu bem estar e eu só vou encontrar este anseio ao seu lado. Não quero jamais ficar longe de você. Pensei que o erro estava em minhas decisões, mas descobri que o erro estava dentro de mim, que nunca foi um erro escolher você para ser a minha mulher. Eu que estava confuso com o que queria para seguir adiante e só agora percebo que não posso ir para nenhum lugar sem você. Acho que você quer me matar sufocada né? Não posso respirar de tanta emoção. Mas você parece estar me olhando calmamente, será que não enxergar meu descontrole? Não. É claro que não vai perceber, estou fechada em mim ainda e o que ele vê é minha ausência presente. – Gabriel eu... Não sei o que dizer, fazer, mostrar. Tudo esta rodando em minha cabeça e parece que vou desmaiar. Preciso de você como a vida precisa de um existir. Sofri muito sem você do meu lado. Sinto estar perdendo o controle de minhas ações, de meus pensamentos. As lágrimas fervem em minha face nesse instante. E provavelmente minhas mãos permanecem caladas ainda porque as suas estão segurando firmemente. Que bom. Antes que eu possa voltar a falar alguma coisa sinto seus lábios macios aprofundarem-se nos meus. Um susto, um alívio. Envolvo-te num abraço bem firme e lambuzo teu rosto com as lágrimas. A fúria dentro de mim agora esta partindo.

Esse é o lugar que nós costumávamos amar?

Os dias que vieram foram o recomeçar das nossas vidas juntos. Nunca me senti tão leve como estou sentindo agora. Todos estão dizendo por aí que a luz voltou a brilhar para mim. E eu concordo plenamente. Retornamos para todos os lugares que costumávamos ir. E renovamos nossos votos de amor eterno e juramos nunca mais deixar o precipício esbarrar em nosso caminho.

Voltamos naquela mesma arvore da foto e Gabriel disse-me que iríamos a um lugar que eu sempre sonhei ir. E lá ganharia um presente. Perguntei mil vezes qual era o presente, fiz joguinhos, joguei verde e colhi verde, tudo para descobrir, mas infelizmente ele sabia esconder um segredo muito bem.

Esse é o lugar com o qual eu tenho sonhado

Finalmente o grande dia chegou e estou muito ansiosa pela grande surpresa. Faltam uns minutos para ele chegar aqui em casa e me levar para o tal lugar. Trim. Trim. O celular toca. – Mô? Já chegou? Aaah está bem. Já estou descendo. Te amo muito. Antes mesmo que passasse um minuto estava dentro do seu carro. Um beijo bem melado para iniciar o dia e a carícia no lado esquerdo do rosto que virou sinal da nossa jura de amor. – Então mocinho, para onde pretende me levar? – Calma senhorita lindona. Antes de tudo tenho que colocar esta venda em teus olhos para que não veja para onde estamos indo. Viro e ele coloca a bendita venda. Com meus ouvidos bem atentos percebo que o ruído perturbante da cidade grande vai sumindo aos poucos. E agora o canto dos passarinhos tomou conta da minha paz de espírito. Por conta da paz do lado de fora nem estou pensando mais na surpresa e de repente o carro para. – Você realmente quer ganhar esta surpresa? Você me pergunta ao pé da orelha. – Que pergunta Mô, é claro que eu quero. O sorriso não sai mais da minha boca.

E se você tiver um minuto por que nós não vamos

Ainda com as vendas nos olhos, deduzo estarmos caminhando a 10 minutos, não sei. Seus braços segurando os meus servem de guia. – Vai demorar muito ainda? A pergunta soa como um choramingar de bebe. Que ridículo. – Não meu Anjo, na verdade já chegamos. Rapidamente suas mãos tiram a venda e assim que abro os olhos a claridade ofusca tudo a minha volta. Uns segundos para recuperar a visão e lá estava. O lugar dos meus sonhos, o que eu sempre pedi para que você me trouxesse e nunca deu. – E-eu.. Não acredito, é a-aqui me-mesmo. Estou terrivelmente surpresa e o teu sorriso maravilhado parece estar orgulhoso do trabalho feito. Que meigo. – Sim, estamos aqui. O alto das árvores que falam. O lugar conhecido pelo sonoro cântico vindo das árvores banhadas pelos ventos. E o campo mais verde de toda cidade. As palavras não querem sair da minha boca. Observo cada detalhe desta maravilha da natureza esquecendo tudo a minha volta. – Vem comigo, vem conhecer a sua surpresa. Suas mãos agarram-se as minhas e levam-me para outro lugar.

Falar sobre isso num lugar que só nós conhecemos?

Lá estava. O ponto mais alto das árvores, onde nossos ouvidos agradeciam pelo maravilhoso som que eles detectavam. Aproximo-me de uma grande árvore, ela parece estar olhando para mim e dizendo oi. A sensação é de estar dentro de uma floresta encantada, só falta os elfos e fadas. Um banco ao lado, cores vivas em todas as partes. O Sol perto do seu partir, permite ao céu ganhar uma nova cor, mais alaranjado. Volto a olhar o banco para ver se você já esta sentado nele. Não. Mas há alguma coisa ali. Aproximo para identificar e percebo que é uma caixinha preta. Pego sem imaginar o que seja e quando a abro...

Isso poderia ser o final de tudo

 O inimaginável. O sonho escondido. O selo da felicidade. O Sol em seu formato miniatura. – Preparei tudo para este momento. A hora certa para você abrir a caixinha e a luz do Sol bater nele para dar o adequado brilho. Com estas orientações percebo a magia em nossa volta. A aliança brilhando como uma estrela, a paisagem ao longe como os contos de fadas. Olho para você e te vejo ajoelhado. – Luiza de Oliveira, você aceita se casar comigo? Você pega a aliança, prepara para colocá-la em meu dedo, mas primeiro quer ouvir a resposta. Sei que quer. – Eu aceito, é claro que eu sei meu amor! O sorriso no teu rosto foi de longe o maior e mais bem distribuído no teu rosto que eu já vi. Inevitavelmente dou meus saltinhos de alegrias, coisas bobas que faço quando estou muito feliz. Te abraço fortemente e selo nosso momento com um maravilhoso beijo.

- Eu te amo e esta é a única verdade que conheço.