The Last Song escrita por crowhime


Capítulo 2
A canção do desespero


Notas iniciais do capítulo

Aqui está o segundo e último capítulo. Não teve revisão, só para avisar... ,_, Mas espero que gostem!Boa leitura.



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Sakura só desceu do quarto na hora do jantar, já banhada e trajando um vestido diferente, dessa vez em tom rosa claro, acentuando-lhe a delicadeza, com direito a um bolero branco de mangas longas por cima das alças largas, combinando com as rendas alvas costuradas na barra da peça única. Após adentrar o local das refeições, podia-se ver que a extensa mesa coberta por uma toalha branca rendada já estava posta, com variados tipos de pratos sobre a mesma. As cadeiras de mogno estavam alinhadas perfeitamente contra o móvel, dando a impressão de brilhar mediante a iluminação provinda do lustre que pendia do teto e impedia que as trevas vindas das janelas baixas também pintadas de branco – em contraste com as paredes de tom pastel - que estavam com as cortinas finas abertas dominassem o lugar. A garota sentou-se ao lado do inglês que estava, por sua vez, na ponta da mesa, com a criada atrás de si.

– Se sente melhor? – Indagou assim que viu a menor se acomodar.

– Sim – sorriu de maneira tímida, retribuindo o olhar que lhe foi direcionado. – Só precisava descansar mesmo. Desculpe-me por incomodá-lo.

– Sem problemas – maneou uma das mãos elegantemente, esboçando um meio sorriso. – Fico feliz que esteja melhor, tente se cuidar mais.

A nipônica concordou, não conseguindo evitar que um suave rubor tomasse cona mais uma vez de suas bochechas, contudo, dessa vez Arthur não percebera, pois a comida estava sendo colocada em seus devidos pratos pela serviçal – uma das únicas da casa, já que o inglês preferia evitar amontoados pessoas. Começaram a comer calmamente a refeição preparada pelas mãos da cozinheira experiente, deliciando-se com as habilidades dela; isso até a campainha soar pelo ambiente, fazendo com que se entreolhassem. A empregada foi atender a porta mediante as ordens, mas logo retornou, cochichando no ouvido do britânico que o assunto era com ele.

– Vou ver o que é. Volto já, Sakura.

Após a dama conceder-lhe permissão, Arthur levantou-se e retirou-se do ambiente, tomando o caminho até a porta de entrada, desencostando-a e vendo um rapaz ligeiramente mais baixo que si com cabelos igualmente loiros e olhos claros. Ele trajava uma espécie de uniforme que estava um pouco surrado, fazendo com que Arthur franzisse uma das sobrancelhas e arqueasse a outra.

Não tardou para que fossem ouvidos gritos e exclamações, o que causou súbita preocupação na japonesa que, até então, aguardava pacientemente para terminar a janta junto ao inglês. Levantou-se e rumou até a entrada, com a criada a seus pés, ambas surpreendendo-se com a cena: o cavalheiro britânico balançava o outro rapaz pelas vestes, arfando e a face queimando em fúria enquanto bradava sons incompreensíveis no meio da tensão do momento. Sakura se aproximou de modo que conseguisse apoiar as mãos nos ombros dele e afastá-lo do garoto. Quando isto aconteceu, Arthur rosnou e livrou-se das mãos delicadas de modo brusco, dando as costas e caminhando para longe dali.

A garota realmente não entendia o que se passava, até tentando chamar o loiro, mas não foi ouvida. Virou-se então para o rapaz que tentava ajeitar as vestes e agora trazia o cenho franzido.

– Com licença... O que houve?

O loiro bufou.

– Só vim dar um aviso e depois que ele ouviu partiu para cima de mim! Maldito.

Sakura estremeceu, Arthur era um pouco estourado... Mas não pensou nisso, esqueceu-se de pedir desculpas por ele, soltando a respiração de maneira lenta; sem saber o motivo, aquela simples palavra – aviso – ecoou em sua cabeça, dando-lhe um sentimento de preocupação, fazendo com que seu coração pesasse. Teve dificuldade de fazer sua voz sair.

– Qual aviso...?

– Ah... – os olhos claros miraram o céu por um momento, franzindo o cenho. – Parece que um amigo dele morreu. Encontraram uma carta com este endereço junto ao corpo, então mandaram comunicar...

A voz do rapaz desapareceu. Um amigo morrer? Arthur não tinha outro amigo além de Kiku, não um amigo tão próximo que estava na guerra, ao menos. Os olhos ambarinos perderam o foco, enquanto seus pés moveram-se maquinalmente para dentro da casa, deixando com a empregada a tarefa de recompensar o rapaz – único motivo que ele permanecera ali. Sentia-se zonza com a notícia, apoiando-se na base do corrimão de madeira da escada que dava para o segundo andar. Ali se sentou no primeiro degrau, escondendo o rosto nas mãos. Como? Seria uma batalha? Ou a infecção que ele dissera ter tido não havia realmente melhorado e fez com que falecesse? Sentindo-se sozinha e desamparada, escondeu o rosto nas mãos e chorou ali, silenciosamente.

x

Na casa, era apenas audível o som dos ponteiros do grande relógio disposto na sala. O pêndulo movia-se ritmicamente para a direita e esquerda, acompanhando o tic-tac proveniente dos ponteiros. Quanto tempo teria passado? Sakura ergueu a face, piscando os olhos avermelhados de maneira lenta, como se pudesse ficar cega depois de tanto choro dolorido ao menor movimento mais brusco que fizesse. Enxugou o rastro deixado pelas lágrimas em sua pele, levantando-se com alguma dificuldade, precisando do apoio da escada mais uma vez. Como estaria Arthur? Precisava vê-lo... Tinha sido egoísta, ele também estava sofrendo, e não o deixara compartilhar da sua dor.

Os passos se deram vacilantes, arrastando-se pelo chão com fragilidade, como se a qualquer momento os joelhos fossem ceder. As pernas doíam ao andar de tanto tempo que ficara sentada, sem se mover; o corpo inteiro latejava ao menor movimento, mas não se preocupou em olhar a marcação do servo do tempo. Demorou mais que o normal para chegar até a porta da sala em que Arthur sempre tocava piano, podendo ouvir sons do instrumento à medida que se aproximava. Era diferente do que estava acostumado, não era suave e acolhedor... E sim melancólico, pesado e triste. Quase macabro. Apoiou-se na maçaneta e bateu na madeira duas vezes, chamando o nome do inglês, mas sem obter resposta.

– Arthur...?

Chamou mais uma vez, agora mais alto, tentando se sobrepor à música. A garganta arranhar, umidecendo em seguida os lábios com a língua. Não obteve resposta, então girou a maçaneta, feliz por descobrir não estar trancada, colocando-se para dentro do recinto.

A garota se assustou ao perceber que até mesmo o local parecia mudar conforme a melodia que o britânico extraía das teclas de marfim. Sentiu um arrepio, não eram os raios mornos do sol que adentravam o local pela janela que ficava a lateral do piano e sim os raios prateados da lua que batiam contra os olhos do inglês, fazendo com que as marcas nas faces dele brilhassem, dando a impressão de que chorava, por mais que os olhos estivessem secos no presente momento. Parecia haver uma neblina no local, mas era impressão dos seus olhos turvos; o único que acompanhava os dedos ágeis do pianista era o vento assobiando macabro lá fora.

Arthur parecia alheio, a expressão vazia. Não se virou para ela com um sorriso quando entrou - o que seria o natural – assustando-a um pouco. Aproximou-se silenciosamente, engolindo a vontade de desabar mais uma vez. Oh...! Admirava... Amava tanto Arthur. Achava-o tão forte! Doía-lhe vê-lo daquele modo, mas agora tinha de apoiá-lo.

– Arthur...

– Irônico, não? – Sorriu de canto com um quê de tristeza. – Precisou disso tudo para me chamar só pelo nome.

Fechou os olhos, diminuindo a velocidade das mãos, sentindo que ela parava atrás de si. O loiro não viu, mas a mulher engoliu a seco, apertando as mãos contra o corpo, hesitando no impulso que tinha de abraçá-lo.

– Por que ele tinha de ir primeiro...? Não é justo isso. Eu quem deveria ir à frente.

– Não fale isso! – Exasperou-se, conseguindo controlar o tom de voz, mas colocando um pé a frente do corpo. As palavras começaram a falhar. – Nós ainda... Podemos ficar juntos. Assim... Não ficaremos sozinhos.

Sorriu fraco, tentando confiar naquilo. Tinha dito quando menor que desejava morar para sempre com seu irmão e Arthur e, ainda agora, esse desejo não mudara. Estava sendo egoísta? Sim, sabia que sim. Absorta em seus pensamentos assustou-se quando viu que ele se inclinara de modo a observá-la.

– Você promete?

Prendeu a respiração naqueles instantes, tinha receio do que ouviria, mas uma fagulha de felicidade se acendeu em meio à escuridão proposta pela dor da ocasião, soltando o ar com lentidão. Não se segurou mais e envolveu o rapaz pelo pescoço com gentileza, sentindo que o abraço era retribuído com força. Ele também se sentia só... Mas, ao pensar que ele não deixava as lágrimas correrem com naturalidade por ter medo de parecer fraco, não conseguiu evitar. Sentiu como ele agarrou-se desesperado a si. Chorou. Chorou por Kiku, por si, por ele. E já não sabia o que fazer para parar de chorar. Se pudesse ao menos fazer com que doesse menos dele, faria. Não importando o que custasse.

x

As pálpebras abriram-se lentamente, mas precisou apertá-las mais uma vez com força para se acostumar com a claridade que lhe feria os olhos. Os raios de início da manhã entravam através do vidro, varrendo os vestígios da noite que, por sinal, tinha despido as árvores quase que por completo, fazendo que o chão ficasse praticamente oculto pelas folhas de variadas cores. Seria um cenário bonito, mas neste momento parecia solitário e mórbido. Sakura desapoiou a face dos braços que estavam sobre o banco do piano, olhando em volta com a letargia característica do despertar. Sentia tanto a garganta quanto os lábios secos, fazendo com que sibilasse “Arthur” sem extrair nenhum som. Nada dele. Será que tinha sonhado? Não... Seu corpo ainda pesava e os olhos ardiam de seu choro intenso da noite anterior.

Precisou de um esforço absurdo para se levantar, era como se um mundo tivesse caído sobre si. Como uma notícia podia abalar tanto duas vidas...? Estava satisfeita, pois, apesar do irmão longe, acreditava que ele ficaria bem. Ia escrever perguntando o que ele achava de Arthur em sua próxima carta, mas não teve tempo para isso. Gemeu de dor ao ficar de pé, sua mente vazia, optando por tentar não pensar em mais nada. Tantas imagens, mas não se fixava em nenhuma. Era como pensar em tudo e nada ao mesmo tempo!

Nem tentaria pensar. Estava preocupada com Arthur. Iria procurá-lo – era o melhor que fazia.

Como não o encontrara no primeiro andar, subiu ao segundo, resolvendo olhar primeiro no quarto dele. Sabia que ele nunca trancava as portas para caso precisasse de algo – tão gentil da sua parte! – então apenas a entreabriu, com medo de acordá-lo caso dormisse. Assustou-se com o que viu.

Arthur. Caído. No chão.

Trêmulo e gemendo de dor, parecia se contorcer, com dificuldades de respirar. O suor estava escorrendo frio por sua face e o coração palpitava descontrolado em seu peito, causando inúmeras pontadas de dor. Sufoco, letargia. Nada viu, nada sentiu.

Foi a primeira e última vez que ela gritou.

A empregada ouviu o som desesperado ressoar até a cozinha, assustando-se e logo indo ao encalce do barulho. Encontrou a nipônica ao lado do patrão, massageando-lhe as costas enquanto tentava erguê-lo. Estava rodeada por vários cacos de vidro que, ao longe, pareciam diamantes. “Um médico”, a mais jovem balbuciou, dividida entre chamar o nome do inglês para reanimá-lo.

“Arthur, Arthur... Arthur.”

Uma vez mais, as lágrimas correram. Correram junto a um sorriso. Um sorriso desesperador. Tinha medo do que se seguiria.

Assim que o médico chegou, Sakura foi obrigada a abandonar o quarto, mas mesmo que lhe pedissem para descansar, não conseguia. Estava cansada, mas a adrenalina, a expectativa a mantinha acordada, caminhando desesperadamente de um lado ao outro. Sobressaltava-se ao menor barulho, virando-se inúmeras vezes, de súbito, em busca da porta, decepcionando-se em quase todas elas. Quase.

– E então? O que houve? Como ele está?

Já tinha controlado as lágrimas, mas não o corpo. As mãos pressionavam uma a outra de puro nervosismo.

– Sinto ter de dar-lhe esta notícia, Srta. Honda, mas ele não resistiu à dose do remédio que tomara. Posso presumir apenas que ele errou a dose, pois ele já tomava o medicamento antes... No caso dele, que já tinha o coração fraco, foi fatal. Sinto muito.

As palavras ecoaram na cabeça da garota. E não ouviu mais nada. Elas se repetiam e repetiam, deixando seu corpo paralisado.

x

Na semana seguinte, foi um alvoroço.

Sakura já não saía do quarto, todos ficavam com pena e a deixavam em paz. “Coitadinha”, diziam, “perdeu o irmão e o guardião”. Ela estava sozinha agora. Completamente só, mesmo rodeada de conhecidos. Se sentir solitário em uma multidão é mais fácil do que parece.

Quando foi levar comida para a japonesa no final da tarde, não a encontrou em lugar nenhum. Ficou apreensiva... Já ia anoitecer! Onde ela estaria?

Ninguém imaginava que ela se encontrava muito longe dali, tinha escapado pela manhã. Sem se importar com nada, caminhava pelas ruas de uma Inglaterra destruída pela guerra, as casas do bairro abandonadas e várias destruídas. O silêncio era mortal, quebrado apenas pela voz baixa e delicada que cantarolava não a canção que lhe aquecia o coração, mas aquela que se cravou em sua alma tocada pelos dedos firmes de Arthur. Era como um réquiem, o réquiem da destruição que se alastrava pelo continente. O sorriso estava congelado em seus lábios, lágrimas já não corriam mais, a fonte havia secado.

O que restava? O que restava a si? Lembranças. Lembranças amargas, doces e tristes. A guerra aniquilou com tudo. Ela roubara vidas, vidas pequenas e agonizantes de quem tinha muito a cantar e sorrir. Restava agora apenas o silêncio amargo dos que ficaram. E aquele pequeno brinquedo que Arthur, tão solitário sofrendo em silêncio, a deixara. Não precisava de um testamente para saber que ele falava consigo, o inglês quereria sua presença... Ele a amava, de fato, como viera a descobrir tarde demais através das cartas trocadas com seu irmão. Ah...! Conheciam-se há tanto. Deduzia cada linha e não estava de todo errada. Mas ficara enlouquecida. Se tivessem mais tempo... Se nada daquilo tivesse acontecido!

Era perigoso – sabia que era – mas não a importava. Seguia as imagens daqueles que lhe eram mais queridos, sem ter conhecimento da verdade, deixando-se levar por seus pés até sua antiga casa. Aquele era seu lar, por mais destruído e abandonado que agora estivesse. Ali possuía lembranças de Kiku e Arthur que partiram antes do conflito. Quanto tempo mais duraria? Já não reconhecia nada, nem mesmo sua própria voz, rouca e afogada no seu próprio ser. Sentou-se em frente a uma fotografia que tinha o vidro partido, seria como uma premonição do que estava por vir. Nenhum lugar era suficiente seguro quando se havia um conflito de tal proporção.

Ali era sua casa. A canção escapava por entre os vidros quebrados, chamando a atenção de alguma eventual alma que ali estivesse. Não deu outra, a porta se entreabriu com um estrondo, mas a única coisa que os militares tiveram tempo de ver foi o sorriso insano de uma pequena garota. A última coisa que ela sentiu foi o frio do metal roçando em seu queixo e dedos finos e frágeis, os olhos sem nada realmente enxergar.

Um disparo e tudo se desfez em vermelho.

Entre aqueles que sobraram, manchando-se de sangue, apenas uma lágrima foi derramada.


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Notas finais do capítulo

Não me matem, ok? Ha ha ha....Bem, é isso! Espero que todos tenham gostado, no final, hahah!Reviews~?