Lágrimas de Uma Sucessora do Estilo Shinmei escrita por Lexas


Capítulo 4
Capítulo 4




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- Olá, Tsuruko.

- Eu não esperava vê-la por aqui. Mal falou comigo quando eu fui visitar Motoko, se bem me lembro.

- Eu não esperava ter notícias suas, também. Na verdade, achei que demoraria mais para nos encontrarmos novamente.

- Fiquei sabendo que Seta tem andado por aqueles lados... e então, o que decidiram? Resolveram se casar de uma vez por todas?

- O que eu ou Seta decidimos diz respeito apenas a nós, e a mais ninguém.

- Não seja grosseira, Haruka. Isso são modos de se tratar uma velha amiga?

- Velhas amigas não interferem na vidas dos outros... tampouco quebram laços forjados com sangue - Haruka encarava duramente aquela que um dia lutou ao seu lado - você se lembra disso, não se lembra? Aqueles dias, oriundos de um passado quase esquecido... lembra-se, Tsuruko?

- Como posso esquecer? Eu, Seta... a velha turma... só não entendo o que você faz aqui, amiga.

- Você se livrou da responsabilidade de ser a sucessora de seu estilo por causa de um "detalhe".

- Sim, um mero detalhe. Apenas isso. Nada mais do que um mero detalhe.

- Chama uma união de mero detalhe? Você parecia bem feliz por ter se casado, sabia? O que houve com a melhor guerreira de sua geração? - Haruka apontava a espada Hina para Tsuruko. Mesmo após anos, Tsuruko ficava impressionada com o fato de Haruka conseguir empunhar a espada Hina sem ser dominada pela mesma.

- Ela teve que se aposentar... mas ser a melhor guerreira de sua geração nunca foi seu objetivo, e sim a conseqüência de seus atos. E se é assim, eu jogo na sua cara o fato de ter quebrado o juramento. E essa espada, o que me diz dela?

- Faço parte da familia Urashima. É verdade que no passado nossas famílias travaram uma guerra sem precedentes que abalou a cidade, mas isso é passado. Saber como controlar essa arma é algo estupidamente fácil para mim.

- E por que deixou que o garoto a trouxesse?

- Para ele aprender um pouco mais sobre sua família... e para lembrá-la do juramento, Tsuruko. O juramento que você quebrou.

- Do jeito que você fala, até parece que não se divertiu muito com o que fazia...

- Nunca disse isso, mas... Tsuruko... acabou! Éramos jovens, achávamos que podíamos mudar o mundo com nossas habilidades... realmente foi divertido, sabe. Enfrentando organizações criminosas, invasores alienígenas, seguidores de sociedades secretas, remanescentes de civilizações extintas... mas entenda, um dia tudo acaba. Ou melhor, muda. Nada continua do jeito que é para sempre. Estávamos todos na faculdade nesse período... era divertido partirmos para missões nos intervalos das aulas, nas férias... éramos verdadeiros exploradores, sempre em busca de aventuras... mas um dia tudo acaba, ou se adapta para os novos tempos. Hoje Seta é professor, nossa falecida amiga nos deixou uma doce lembrança, eu cuido dos negócios da família, você se casou... nossas decisões. Os caminhos que nós escolhemos seguir. Éramos como uma família, isso é verdade. Mas sempre achei que, por mais distantes que pudéssemos estar, sempre seríamos amigos. Mesmo que passássemos anos sem nos ver. Mas certas coisas são inevitáveis, acabamos por nos distanciar ainda mais com o passar dos anos. Fazer o quê, não é mesmo?

- O tempo é o melhor pregador de peças que existe. Graças à ele, amigos tornam-se inimigos, inimigos tornam-se amantes, nações aliadas se tornam amigas, laços de família são rompidos e dinastias são derrubadas - ela suspirava - tudo isso por causa da insegurança das pessoas, da falta de convicção em seus próprios desejos e objetivos. Como minha irmã.

- Quando ela esteve em minha pensão eu a hospedei sem maiores complicações. Não apenas pelo nome dela, mas por que reconhecia nela algo que eu só vi em você. Mas eu vejo que isso mudou, de alguma forma. Sua irmã não é mais a mesma moça de antes. Posso me arriscar a dizer que ela está bem diferente, bem mais... madura. Algo que seu estilo nunca poderia lhe ensinar, mas a convivência mútua com as diferentes situações da vida, sim. Assim como eu. E você. Eu era uma garota retraída, você tinha seu jeito de "guerreira preocupada com sua missão e sem tempo pra mais nada", e no meio disso tudo, tínhamos o brincalhão do Seta, sempre sorrindo, mesmo contra todas as probabilidades. A menina retraída aprendeu a admirar o mundo, a guerreira descobriu que havia muito mais na vida do que o fio de sua lâmina e o brincalhão... bem, ele continuou como sempre foi . Todos nós amadurecemos... todos. A pequena Sarah é uma prova de que tudo mudou, de que nada dura para sempre. Claro, passamos por muito para aprender, para entender essas palavras. Não aconteceu da noite para o dia, foi algo que foi acontecendo aos poucos com cada um de nós, não é mesmo? As vezes precisamos quebrar a cara para entender... precisamos passar por muitos problemas para nos formar, para nos tornar o que somos hoje. Não me arrependo do caminho que escolhi, e sei que você também não. Por que acha que sua irmã não terá capacidade para escolher seu próprio caminho e lutar por ele?
- Pelo o que a minha boa memória me permite recordar, mesmo depois de anos você sempre foi de falar pouco. Muitas palavras nunca foram seu forte, sabia? Você está falando demais para o meu gosto, em alguns segundos falou mais do que em anos de convivência conosco.
- E você sempre foi boa em mudar de assunto quando não conseguia apoio em suas tradições para responder.

– Hunf – ela olhava de soslaio para a irmã - Motoko tem um problema sério de falta de confiança. Ela não confia totalmente no que pensa ou no que planeja, ocasionalmente a verá mudando de rumo, o que pode ser bom por um lado, mas bastante ruim por outro. Ela corre o sério risco de errar infinitamente por falta de fé em seus próprios objetivos. Na verdade, até agora ela não demonstrou essa tal diferença que você citou. Essa luta apenas serviu para provar isso, ela estava continuamente indecisa sobre ganhar ou vencer, compreende? Ela não tem certeza sobre o caminho que deve seguir, já veio para a luta com o pensamento de que irá perder.

- Mesmo que isso seja verdade, ainda assim você não tem o direito de decidir por sua irmã. E pelo que me consta, você foi contra seus pais, que achavam que uma guerreira tão habilidosa tinha a obrigação de suceder seu estilo. Quem foi mesmo que mandou todos eles para o inferno?

- Se Motoko tivesse tal ímpeto, eu nem a obrigaria a lutar comigo... mas ela não tem. Minha irmã tem fraquezas, e sérias. Pelo bem dela, eu as corrigirei.

- E você acha que é a única que pode fazer isso, que diferente de você, sua irmã não tem o direito de cometer erros e aprender, só pode aprender com alguém que já passou por tudo isso? Francamente, Tsuruko... só por que não tomamos as melhores decisões, não significa que não as tomamos - ela aponta perigosamente a espada Hina para a mulher que já fora sua irmã de armas - não irei permitir que decida o futuro dessa garota apenas por um capricho seu!

- É o que veremos, então. Mas você não tem nada a ver com isso, apenas tento ajudar Motoko a decidir o que quer da vida.

- Acha que sua irmã não tem capacidade de traçar seu próprio caminho?

- Acho.

- Então é melhor você pensar novamente... e olhar para trás.

Ela estava prestes a dizer que não cairia em um truque tão ridículo, quando ouve um passo e, virando-se, contempla sua irmã.

Motoko.

Arfando.

Era surpreendente. A mesma se apoiava na espada, como se reunisse forças de algum lugar desconhecido para ir até o fim.

Mas a verdade, a mais pura verdade, era que não conseguia.

O último golpe da irmã minou suas forças, e ela mal conseguia se manter de pé, quanto mais lutar.

Mas ainda assim, era o que queria, o que almejava.

Tinha que lutar, não podia desistir.

Tinha escutado parte da conversa entre ambas... nunca imaginou que Haruka-san fosse amiga de sua irmã. Nunca.

Mas não era isso que a incomodava, e sim as últimas palavras de sua irmã.

Ela... ela estava mesmo indecisa? Ela não era capaz de seguir um caminho traçado por ela mesma?

O que foi, então, que andou fazendo esses anos todos?

De certo modo, não foi um acordo que ela fez com sua irmã, que lhe dara um prazo para se aprimorar, enquanto aprendia sobre os costumes dos habitantes de Tokyo?

Não fora, desde o principio, os desígnios de sua irmã mais velha que ela seguiu?

O tempo em que estudou em Tokyo, os amigos que fez, as lutas que teve - quase todas contra Urashima, pensava - o que aprendeu... as bebedeiras de Kitsune, as maluquices de Su, a comida maravilhosa de Shinobu, o temperamento explosivo de Naru, o pervertido do Urashima...

Não, não Urashima.

Keitarô.

Seu alvo favorito. Aquele que a ajudou a desenvolver seu estilo de modo que atingisse a segunda talhadura.

Mas o que ele era para ela? Apenas isso, um saco de pancadas? Um alvo?

Nem sempre foi assim. Certas coisas nunca mudavam, ele sempre seria um imbecil... mas o imbecil a cada dia vestia uma embalagem melhor, e a convivência com ele exaltava cada vez mais suas verdadeiras qualidades, as quais sempre estiveram diante dela, mas a mesma não fora capaz de perceber.

Mas... no que estava pensando? Estava diante de um momento importante! O resultado da luta iria decidir o seu futuro!

Não podia ficar se remoendo, indecisa. Tinha que decidir algo.

Mesmo que não fosse o que ela realmente queria.

Seus olhos percorrem em um instante todo o jardim destruído. Ao longe Haruka-san, a sua frente sua irmã... um pouco mais distante, Naru atrás de uma pedra, com medo da destruição... e ele, há poucos metros de Haruka-san, desmaiado.

Esgotado.

Fez isso por ela. Lutou por ela.

Mas era muita inocência achar que ela era a única, sabia que era da personalidade dele ser gentil com todas as pessoas.

Mas, mesmo assim, tal coisa não deixava de cativá-la.

O sorriso dele... o doce sorriso, o qual cobria sua face nos dias mais tristes...

O calor de seu corpo, o qual a aquecera na noite mais fria...

Sua capacidade nata de nunca ficar irritado com alguém, pelo contrário, de se dar por completo para apoiar os outros. Não resolver seus problemas, mas dar seu apoio.

Apesar de ferida, ela erguia seu rosto e dava um sorriso para a irmã. De certo modo, agradecia pela situação na qual ela a colocou, e também a odiava pelo mesmo motivo.

Keitarô...

Será que ela teria mesmo que se conformar com isso? Ela o amaria com todas as suas forças... se dedicaria a ele por completo, em todos os momentos, até o fim. Por que, pela primeira vez, conseguia olhá-lo totalmente sem o modo antigo de vê-lo. Olhava o homem ali caído de uma forma nova, a qual ela se negara durante muito, mas muito tempo.

Como isso foi acontecer? Melhor dizendo, quando foi acontecer?

Há pouco aquele idiota chegou na pensão, virando de cabeça pra baixo a vida de todas ali.

Especialmente a dela.

Algo aconteceu durante esse processo todo... algo diferente, entre ela sair da pensão Hinata e enfrentar sua irmã.

Algo chamado... Keitarô Urashima.

O rosto dele... era até agradável vê-lo dessa forma, sua pele macia. Quem o viesse do jeito que estava neste exato momento, não acreditaria que ele era tão desastrado.

Aquele rosto angelical escondia sua verdadeira personalidade.

Besteira! Aquela era sua personalidade, e poucas pessoas eram capazes de percebê-la. Tampouco enxergar suas reais qualidades.

Hunf... como estava sentimental. E tudo estava ali, diante dela. Bastava apenas perder.

Isso. Perder a luta... e ficar junto dele... perto dele... ao lado dele... com ele...

Mas não era isso que ele queria. O mesmo sentia um certo grau de atração para com cada uma das garotas da pensão. Atração, não amor. Tampouco paixão. Apenas isso, atração.

Ela olha mais adiante. Sua amiga, Naru. Era para ela que o coração dele batia, hoje e sempre. Por anos e anos, o mesmo perseguiu uma promessa, a de tornar a garota prometida sua esposa.

Mas, por um momento... por um breve instante, nem que fosse algo ilusório, ela gostaria de ser tal garota. Talvez Naru nem fosse tal garota, talvez tudo até então não tenha passado de uma grande confusão, como tem sido a vida de todos ali...

Mas era por ela que o coração dele batia.

Como a vida era injusta. Mais do que nunca, teria que lutar. E o pior, a luta não era pelo seu interesse. Iria lutar contra o que ela mais queria.

Urashima.

Não, Keitarô.

A luta perdera seu sentido. Não era mais um combate pela sucessão do estilo ou para ambos se casarem... mas sim uma luta para garantir o direito de ambos decidirem suas vidas, de serem donos de seus destinos.

E garantir que ninguém tornasse a interferir na vida de ambos.

Mas a verdade, a grande verdade, era que tal coisa era praticamente impossível. Por mais que se esforçasse, ainda era uma caçadora de demônios iniciante. Uma amadora. Há pouco completara seu treinamento. Enfrentar uma grande caçadora, ainda mais nos termos da mesma... e em terreno aberto...

Definitivamente, era uma luta perdida. Por mais que quisesse, não conseguiria. Sua irmã era a melhor guerreira de sua geração, superava guerreiras de gerações anteriores, pouco podia fazer contra ela.

Ela olhou mais uma vez para Keitarô, observando-o. Por alguns minutos ela o fita, desejando, pedindo ao mesmo parte de sua personalidade.

Queria tirar, ou melhor, queria que o mesmo lhe emprestasse, mesmo que por um curto espaço de tempo, suas melhores caracteristicas. Persistência, teimosia, obstinação... maturidade, inocência e, acima de tudo, sua incrível capacidade de nunca achar que é o fim, que por pior que as coisas possam estar, sempre há uma saída, uma alternativa. De achar que a situação nunca está tão ruim que não se possa sorrir, olhar adiante e admirar o nascer de um novo dia.

Ela se perguntava quando passou a perceber tudo isso em Keitarô, tampouco se foram essas caracteristicas que a fizeram vê-lo com outros olhos.

Não sabia dizer, mas sabia que ele como um todo era um ser fascinante. Alguém que merecia ser admirado e, acima de tudo, respeitado.

Uma pessoa pela qual ela lutaria.

- Tem certeza? - Haruka a olha friamente quando vê Motoko esticando a mão para a mesma - É isso o que quer?

- Sim - ela respondia, enquanto algumas lágrimas escapavam pelo seu rosto, até que ela pega a espada que Haruka lançou para a mesma, a lendária Espada Hina, a mesma que transformou Kyoto em um mar de fogo e quase levou a extinção seu estilo - é isso mesmo o que eu quero - a mesma terminava de falar, olhando de forma bastante melancólica para a lâmina, enquanto uma tristeza enorme a tomava. Pela primeira vez, tinha total convicção de suas decisões, não duvidou em momento algum do que fez.

Mesmo sabendo que isso iria lhe rasgar a alma e machucá-la por toda a eternidade.


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