Última Chance, Judd. escrita por FrannieF


Capítulo 5
Capítulo IV




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Capítulo IV: A primeira chance: uma visita ao passado.


Apesar de todos os problemas com a insônia, os constantes remédios e o fato de eu ser um garoto consideravelmente esquisito para a minha idade, a minha infância nunca fora algo fora do normal. Não tinha problemas com meus pais e agia da forma como se era esperada quando se tem irmãos: o mais velho, Leonard (que nós chamávamos de Lenny apenas para aporrinhá-lo o saco, já que ele simplesmente odiava o apelido), nunca fora muito apegado aos irmãos mais novos por motivos óbvios – a diferença de idade era um bocado grande; eu parecia viver grudado à Kara, talvez por ela ser somente um ano mais velha que eu, além de ser a única garota de todos os irmãos; e por fim, havia o caçula Chaz, o moleque mais sem noção que eu já conheci em toda a minha vida (o que fazia e ainda faz, por algum motivo bastante estranho, eu ter um certo senso de proteção para com ele).

Nós passamos praticamente toda a nossa infância em Chelmsford antes de nos mudarmos para Londres. Eu me recordo de ter ficado ligeiramente desapontado com a cidade grande, mas, após um período um tanto curto de tempo, aprendi a se viver ali. Odiava ir ao colégio. Os garotos mais velhos tinham essa mania realmente irritante de me chamar por apelidos pejorativos e então, quando eu simplesmente perdi a paciência um dia qualquer e revidei a um deles com uma bofetada no meio do rosto (depois fui saber que tinha lhe quebrado um dente e entortado seu nariz), a minha fama simplesmente mudou na escola. A maioria dos alunos sentia medo de mim, mas, honestamente, eu não ligava para aquilo. Melhor ser temido – de uma maneira engraçada – do que ter que fazer amizades desnecessárias, de qualquer modo.

Eu continuei a me excluir de todos os grupos de alunos e coisa parecida durante quase todo o meu Ensino Médio. Tal foi a minha surpresa, no entanto, num dia aleatório voltando para casa com a mochila jogada nos ombros e os fones de ouvidos ligados no volume máximo, quando um moleque de aparentes quinze anos simplesmente apareceu ao meu lado. Ele me acompanhou até chegar em casa e, depois de se despedir sem de fato dizer alguma coisa, continuou a caminhar sozinho até o final da rua, onde entrou pelo jardim descuidado de uma casa qualquer e desapareceu.

Assim nós continuamos durante três ou quatro semanas, apenas caminhando juntos sem trocar qualquer palavra, somente pelo prazer da companhia um do outro. Digo, o provável prazer dele, porque eu simplesmente não sentia nada. Na realidade, eu só estava realmente surpreso por alguém ter se aproximado de mim sem um par de olhos arregalados e cheios de medo e aquilo meio que foi bacana, na época.

Nós precisamos de mais duas semanas para falarmos alguma coisa um com o outro.

"Você tem um nome?", ele me cutucou o ombro certa vez, eu apenas observando os seus lábios se moverem sem som algum.

Com uma carranca no rosto, retirei um dos fones do ouvido e lhe ergui as sobrancelhas.

"Disse algo?"

"Perguntei o seu nome."

"Harry. O seu?"

"Dougie."

"Legal."

A segunda vez aconteceu quando eu tratava de jogar todos os meus cadernos e canetas para dentro da mochila surrada que uma vez (há muito tempo) fora de Leo. Com os fones devidamente enganchados nos ouvidos, havia me erguido de minha carteira e caminhado silenciosamente para fora da sala de aula enquanto os alunos restantes ainda faziam uma algazarra ali dentro, apenas pelo horário de aula ter terminado finalmente.

No meio do corredor principal do colégio, lotado de gente fresca e engomada, eu me dirigia para fora dali quando um grito me parou. Não só a mim, mas a todo o restante dos alunos no corredor também.

"Harry! Ei, Harry", e eu me virei apenas para dar de cara com um Dougie corado e arfante que corria à minha direção.

Ele parou à minha frente, apoiando as mãos nos joelhos para ganhar algum ar. Aparentemente, havia corrido um bocado.

Eu apenas estreitei os olhos na direção de Dougie, diante de todos, que ainda nos olhavam em certo choque simplesmente porque um calouro havia falado com o veterano mais temido de todos os tempos. E, ainda por cima, ele nem havia ganhado uma porrada na cara ou coisa parecida!

"Sim?"

"Pensei que não fosse me esperar", ele me deu uma palmada em um dos ombros de maneira amigável depois de recuperar o ar.

"Eu não ia", retorqui, voltando a encaixar melhor os fones nas orelhas.

"Mas, bem, agora eu estou aqui! Então vamos!", e, dando a conversa como encerrada, me arrastou para fora do colégio pelo cotovelo enquanto todos ainda nos olhavam em silêncio e no mais completo espanto. Somente quando nós alcançamos a rua em que morávamos, ele decidiu se pronunciar novamente. "É verdade que você matou um calouro uma vez apenas porque ele havia roubado o seu lugar na sala de aula?"

"Eu... O quê?"

"Bem, foi o que eu ouvi por aí..."

"Você sabe, eu sou um garoto de 17 anos, não um sociopata à procura de uma nova vítima. Depois de um tempo, as pessoas acabam exagerando nos boatos."

"Mas você não matou ninguém então?", de um certo modo, ele pareceu desapontado.

"Dougie, é claro que não!"

"OK, eu só estava querendo confirmar..."

"Agora você já sabe, não precisa ficar com medo de ser atacado à noite pelo seu quase-vizinho desequilibrado e assassino", brinquei e logo ouvi a Dougie rir ao meu lado.

Ao pararmos em frente da casa de meus pais, Dougie me parou por uma das mangas do uniforme escolar para me dizer, com um sorriso tímido no rosto.

"Ei. Você é até que bem legal, Judd."

E foi nesse exato momento que eu descobri que havia feito o meu primeiro amigo em Londres depois de quase três anos completos vivendo ali. Feliz ou infelizmente, a nossa amizade não chegou ao menos durar um ano.

Haviam se passado um pouco mais de sete meses desde a primeira vez que nós havíamos de fato conversado quando o pai de Dougie ganhou uma grande promoção no trabalho e, assim, teve que se mudar de Londres com a família. Obviamente, Dougie também se foi. A nossa despedida foi algo estranho. Nós estávamos nos jardins de trás da casa de meus pais, eu fumando um cigarro e ele sentado sobre o balanço de Kara pendurado na maior árvore dali enquanto se balançava tristemente para frente e para trás.

"Eu vou embora amanhã...", ele disse, em um fio de voz.

"Embora? Embora para onde?", joguei a fumaça do cigarro para o lado enquanto meus olhos procuravam preguiçosamente pela figura de Dougie.

"Papai ganhou uma promoção no trabalho. Nós vamos nos mudar para Galway."

"Galway? Galway? Mas isso nem fica na Inglaterra!"

"Bom, não", ele murmurou em um tom culpado. "Mas mamãe disse que a mudança vai fazer bem para todos nós."

"Eu tenho certeza de que isso não vai fazer bem para mim, pelo menos", aborrecido, atirei o final do cigarro para algum canto do jardim, nem mesmo me importando se mamãe me pegasse fazendo uma coisa daquelas, já que ela daria um baita de um sermão por causa disso.

Nós ficamos belos cinco minutos em silêncio, eu começando um novo cigarro enquanto ele continuava a se balançar para frente e para trás, cada vez mais vagaroso. De súbito, ele parou de se balançar para me olhar com uma expressão séria no rosto.

"Você alguma vez já se apaixonou por alguém?"

"Não, eu acho que não", respondi depois de algum tempo, voltando a olhá-lo por sobre a fumaça do cigarro com uma expressão estranha. "Porque, sei lá, eu não sei como iria me sentir se gostasse de alguém."

"Hum... Tem esse cara, sabe? Eu acho que gosto dele", foi a única resposta que Dougie me deu depois de desviar o olhar, envergonhado.

Mais um silêncio se instalou entre nós antes que eu, surpreso, dissesse algo.

"Porra! Você é veado?", e no exato momento em que eu disse aquilo, a minha vontade foi a de apanhar as palavras de volta para dentro da minha boca. Ele me lançou um olhar ferido e se ergueu do balanço em um salto.

"Não, Harry, eu não sou uma bicha enrustida ou algo do tipo. Eu apenas gosto de alguém que é do mesmo sexo que eu. Um pouquinho de consideração seria legal, sabe?"

"Eu... Hmm...", depois de me afastar do tronco da árvore a qual me mantinha recostado, prendi o cigarro entre a boca enquanto me aproximava de Dougie. Ele olhou para o lado mais uma vez. "Foi mal, eu não quis te ofender."

"Tudo bem", foi a resposta entrecortada dele.

Eu continuei parado ao seu lado até ele ter coragem novamente para me olhar nos olhos. Por algum motivo, ele parecia tão incômodo com a proximidade que mal conseguia se manter por perto sem ficar de bochechas vermelhas.

"Por que você está agindo tão estranho ultimamente?"

Dougie ensaiou abrir e fechar a boca várias vezes, mas simplesmente não disse nada. Ao juntar mais um pouco de coragem, se virou por completo para mim e, com o olhar preso ao meu, retirou gentilmente o cigarro ainda preso dos meus lábios. Ele observou o filete branco em mãos durante pouco tempo, o atirando para o lado logo em seguida. Com as sobrancelhas franzidas, entreabri a boca para poder xingá-lo por ter desperdiçado um dos meus cigarros, mas ele foi mais rápido, dizendo em uma entonação aborrecida:

"Isso é meio que nojento..."

E antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, a sua boca estava sendo comprimida contra a minha em um beijo desajeitado. Os seus braços instintivamente subiram até o meu pescoço enquanto ele tratava de matar por completo qualquer distância entre nós dois. Eu, por ainda não ter conseguido formar qualquer reação, apenas me mantive parado, quieto, e estranhamente surpreso por ser beijado por alguém como... Bem, Dougie.

"Que merda você está fazendo?", com um empurrão, Dougie cambaleou para trás antes de desenroscar os braços do meu pescoço e cair sentado na grama.

"Eu... Não... Faço a mínima ideia", ele balbuciou ainda sentado na grama, olhando perdido para os lados.

"Que merda, Dougie!", eu repeti, tão perdido quanto ele. Logo uma ideia me passou pela mente e eu, sem conseguir controlar a boca, simplesmente perguntei descrente. "Antes... O cara... Você estava falando de mim?"

"I-isso é co-complicado."

"Puta que o pariu! Você acha... Acha... Que pode sair por aí agarrando qualquer um como se isso não fosse uma droga de um problema? Você estava esperando o quê? Que eu me declarasse para você de volta para nós fazermos sexo piegas no porão de casa? Que a gente se envolvesse num relacionamento sério feito duas bichas apaixonadas? O quê, Dougie?"

Eu sinceramente não estava esperando que ele me respondesse de alguma maneira. Apenas pelo olhar enjoado que ele me lançou, no entanto, acho que simplesmente não precisei de resposta alguma.

"Eu não sou a merda de uma bicha", eu lhe disse, entre o nojo, a raiva, a confusão, o aborrecimento e mais uma pilha de sentimentos irreconhecíveis. "Eu não faço a mínima ideia de que porra você estava pensando quando decidiu fazer isso, mas eu te juro que se você tentar, ao menos tentar fazer isso de novo, eu te quebro a cara."

"Pare de ser um babaca, 'tá legal? Apenas por um segundo, pare de ser a merda de um babaca sem sentimentos!", ele me gritou, ainda sentado sobre a grama. "Eu não estou te pedindo nada, eu não quero NADA de você. Eu só pensei que talvez pudesse falar sobre isso com você antes de ir embora. Só isso."

"Oh, é! Claro! Simplesmente me beijar foi uma ótima forma de me contar isso! Porque tentar enfiar a língua na minha garganta e me matar engasgado é uma ótima maneira de dizer 'eu te amo'!"

"Você é mesmo uma porra de um babaca", murmurou Dougie, finalmente se erguendo da grama. Ele nem ao menos me lançou outro olhar ferido antes de simplesmente caminhar para longe de mim.

"E quer saber? Tenha uma boa viagem, Poynter! Até nunca mais!"

Sem mais nenhuma palavra, eu corri para dentro de casa, enfurecido e confuso, porque não sabia honestamente como lidar com a situação. Desde aquele dia, nunca mais havia falado ou visto Dougie, já que ele se mudara logo no dia seguinte para Galway (e obviamente não tentara manter nenhum tipo de contato comigo). Exatamente por isso que meu queixo quase ameaçara cair ao encontrá-lo quase dez anos depois no saguão da H&M à procura de seu novo emprego.

Quais são, honestamente, as chances de algo parecido com isso simplesmente acontecer?


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