Sob a Luz do Luar escrita por Maria Rodrigues


Capítulo 1
Sob a Luz do Luar




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Ambos choravam. As lágrimas que desciam corriqueiras por suas bochechas apenas faziam arder as feridas abertas. E essas eram recentes demais para fazerem sentido.

Se suas mãos não se tocavam, era por que não sabiam como o fazer. Se os olhos nunca se encontravam, era por medo de fazê-lo. Mas os sentimentos não poderiam ser ignorados, por que se transformariam segundo após segundo em lembranças.

E lembranças os deixariam loucos. Por que elas despedaçavam, e pareciam material corrosivo indo de encontro com seu interior. Era desesperador, e esse medo parecia alimentar suas memórias dolorosas.

Então os sentimentos, ao serem ignorados, machucavam. Era dilacerante. Insuportável.

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Sentado em seu sofá, sentia como se tudo ao seu redor fosse frágil sob o breu de luzes apagadas. Uma vez que estava sozinho não seria necessário acendê-las. Gostava do modo como as sombras tomavam formas irregulares e impossíveis sob o alcaçuz do aposento. As mesmas sombras pareciam devorá-lo junto a seus devaneios. Era sombrio demais mesmo para alguém como ele – alguém com seu interior já deteriorado.

Tinha apenas um desejo: o de desaparecer sem deixar vestígios de sua vida pecadora. Gostaria que aqueles demônios situados nas sombras criadas pela fraca, mas existente, luz da Lua cheia fossem capazes de apagar seu passado. Por que mesmo que parecesse que seu coração não batesse mais e que seu sangue não corresse mais, ele ainda estava vivo.

A cortina caiu. A janela, antes coberta pelo pano gasto e empoleirado, agora tinha o aspecto de um quadro. Era possível para o homem olhar o movimento da rua, assim como seus habitantes. E mesmo assim lhe parecia impossível interagir com eles.

Suas mãos pálidas e fracas se moveram de encontro ao telefone situado perto de onde se encontrava. Contornou os dedos finos pela boca do aparelho desgastado. Esperou tocar uma, duas, três vezes. E mesmo que tivesse a impressão de que algo logo pularia de sua boca, sabia que as palavras proferidas seriam escassas e insuficientes. A cada vez que o apito fino soava, mais suor descia por sua bochecha magra.

Captou por um vislumbre do olhar a paisagem que a janela lhe proporcionava. Era estupenda, incrível. Irreal. Cachos de fios loiros e extensos corriam pelo rosto jovial e alegre de uma pequena garota. Não era pelo fato da beleza exuberante da menina. O motivo nem mesmo seria pelo porte refinado com que a garota andava, escoltada pelos pais.

A razão era implícita aos olhos de qualquer outro observador. Mas aquele em questão podia ver dentro da garota. E ele sentia como se o sorriso singelo da garota fosse capaz de perfurar sua armadura fria. Por que aquilo, diferente dele, era verdadeiro. E aquela garota que sorria sob a luz do luar, diferentemente dele, não era covarde de expor seus sentimentos.

Desligou o telefone, sem nem mesmo notar que sua chamada havia sido atendida. Subitamente, sentiu uma vontade exagerada de sair de casa. Sentiu uma urgência extrema de começar, finalmente, a viver.


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