Hetaoni: The Very Last Moment escrita por Kyra_Spring


Capítulo 5
V - Itália




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V – Itália

Era surpreendente perceber que, mesmo depois de tudo, eu ainda não havia entrado em colapso.

Quantas vezes já os havia visto morrer? De quantas formas? Em quantos lugares? Quantas vezes, ao tentar salvar um deles, acabava provocando a morte do outro?

Quantas vezes eles se sacrificaram por mim?

Eu já havia ultrapassado há muito tempo o limite do que poderia suportar. E agora, sentia que não poderia fazer nada outra vez. Se mais alguém morresse na minha frente, eu entraria em curto-circuito e enlouqueceria de vez. Mas a loucura era um luxo ao qual eu não tinha mais direito. Eu teria que voltar, e tentar de novo, e falhar de novo.

Mas eu já estava tão cansado... tão ferido...

Eu estava tão errado assim em querer parar com aquilo? Em querer... descansar?

Era nisso que eu pensava naquela sala. Sete de nós contando comigo estavam ali, e três esperavam do lado de fora. E, na nossa frente, o monstro. Ele não derrotaria sete de nós de uma vez só, não é? Tentava me convencer disso, a princípio, mas via nossos esforços sendo repelidos como se não fossem nada.

Prússia. Caído, a perna torcida num ângulo grotesco, os dentes cerrados de raiva e dor. O monstro, enorme, muito maior do que antes, estava indo outra vez na direção dele. Inglaterra também não estava bem, eu podia ver o corte horrível em sua testa, mas mesmo assim ele correu na direção de Prússia para tirá-lo dali.

América. Inconsequente como sempre, também se levantou e começou a atirar, praguejando contra a criatura. Como se balas resolvessem alguma coisa. Tudo o que ele conseguiu fazer foi desviar a atenção do monstro para si próprio. E, de novo, como se não fosse nada, o monstro apenas agarrou-o, perfurando seu ombro com suas garras, e jogando-o longe com força.

Foi naquela hora que eu entendi no que estava errando.

O ciclo sempre parava em mim. E terminaria em mim, de novo. Uma das lembranças das tantas vezes em que eu havia passado por ali. Um acordo, feito com a criatura. Eu nunca havia tido a chance de usar aquele último recurso, mas agora, todos ainda estavam vivos! Sim, eu podia salvá-los, finalmente!

Sim... eu poderia descansar. Finalmente.

Os seis ali – Alemanha, Prússia, Inglaterra, Japão e França – estavam feridos e se moviam com dificuldade. Se eu não fizesse algo logo, seriam presas fáceis outra vez. A certeza do que tinha que ser feito me impelia e me assustava na mesma proporção. Eu era um covarde completo, sempre fui. E era por pura covardia que naquele momento, eu ficava de pé e me colocava na frente deles.

Pura covardia. Puro medo de ficar sozinho de novo. De sentir dor. De chorar.

A raiva também me empurrava. Fechei os punhos, sentindo que, se tivesse a chance, socaria aquele monstro por tudo o que me fez passar. Era tolice pensar nisso, principalmente sabendo como aquilo ia terminar. E, mesmo que eu quisesse correr ou tremer, não me mexi. Apenas abri os braços e fechei os olhos, berrando:

- É A MIM QUE VOCÊ QUER!

Ano toki saikou no riaru ga mukou kara ai ni kita no wa (Naquela época, a maior realidade veio até nós do além)
Bokura no sonzai wa konna ni mo tanjun da to warai ni kita n da
(Puramente para rir da primitividade da nossa existência)
Mimi o fusaide mo ryoute o surinukeru shinjitsu ni madou yo
(Mesmo se eu tampar meus ouvidos, eu sou abandonado, confuso pela verdade que escorrega das minhas mãos)
Hosoi karada no doko ni chikara o irete tateba ii
(Onde em meu corpo frágil eu devo colocar a força para ficar de pé?)

-o-o-o-

Inglaterra

Entre todos os absurdos daquela história, aquele com certeza era o maior.

Minhas costas doíam pelo último ataque, e eu não conseguia me levantar. Mas, quando vi Itália se levantando e se colocando entre nós e o monstro, percebi que tinha que fazer alguma coisa. Aquele definitivamente não era o papel dele. Por um instante, consegui visualizar sua expressão facial, completamente irada. Irada também estava a sua voz, quando dizia que era ele o alvo, e não nós. Não entendi aquilo. Do que diabos ele estava falando, afinal?

Mas tudo isso foi varrido da minha mente no instante seguinte, quando o monstro avançou em sua direção. Os passos da criatura eram lentos, como se tivessem certeza de que a sua presa estava dominada e não iria fugir. Mas por que o idiota ainda estava ali parado? Será que ele havia entrado em choque ou algo assim?

- SHIT! – tentei fazê-lo acordar – ITÁLIA, CORRA!

Mas ele não se moveu. Pude ver as costas dele, os braços abertos, os punhos cerrados. Naquela hora, eu entendi. Ele estava nos salvando. Mesmo que aquilo certamente o matasse.

- NÃO! – ele respondeu, a voz com uma firmeza inesperada – Se eu me mover, América vai...

Ele nunca terminou aquela frase.

Aquela cena parecia se desenrolar em câmera lenta. Alemanha tentou alcançá-lo, mas muito antes disso, o monstro atacou Itália. E todos nós só pudemos assistir, enquanto uma garra atravessava o peito dele de um extremo ao outro e o erguia alguns centímetros do chão.

Foi como se, naquele momento, o mundo tivesse parado de girar. Por um segundo, não consegui respirar, enquanto aquele filme terrível em câmera lenta continuava a passar. Uma mancha de sangue surgiu e foi aumentando em suas costas. E Alemanha... mesmo ferido, ele continuou correndo na direção dele, gritando seu nome com a voz tingida de desespero. E eu só podia assistir, sem saber o que fazer.

E, nessa hora, Itália caiu de joelhos sobre o seu próprio sangue.

-o-o-o-

Itália

Ficar de olhos fechados tornou tudo um pouco mais fácil.

Eu não precisei ver o monstro se aproximando, nem o momento em que ele trespassou meu peito com suas garras. Da mesma forma, não precisei encarar os outros naquele momento. Eu não suportaria os olhares de reprovação e medo deles. Esses olhares me fariam hesitar, e eu não podia me dar a esse luxo. E, de qualquer forma, eu não era valente a ponto de ser capaz de encarar a minha própria morte de olhos abertos.

Mas fechar os olhos não diminuiu a dor. E ela era enlouquecedora.

Foi como se meu corpo quisesse se desfazer em pedaços. Parecia que, através da minha dor, eu estava sendo punido por todas as dores que os outros haviam sentido em todas as vezes que passamos por ali. Se fosse isso mesmo, então estava tudo bem. Significava que eu realmente havia conseguido trocar de lugar com eles.

E então, ele me soltou no chão. Eu não conseguia me mexer. Mas, quando caí e abri os olhos, percebi que o monstro desaparecia. Também percebi os outros ao redor me encarando. Os olhares deles estavam cheios de tristeza e de choque. Não... isso não estava certo. Havíamos vencido, não é? Devíamos estar felizes, não é? Então, tentei sorrir, na esperança de que eles me acompanhassem, e disse:

- Consegui... – eu mal ouvia a minha própria voz – Protegi todos... fiz tudo sem erros...

- Idiota! – aquela voz... Alemanha? Não era aquele tom com o qual eu estava acostumada. Era um tom sufocado e cheio de dor – Por que fez isso, Itália?

Me virei para encará-lo. Até pensei em mentir, mas... não, eles precisavam saber a verdade.

- Vocês não sabem, mas... essa não é a primeira vez que viemos para cá.

Mais alguém se aproximou, alguém vestido de branco. Japão. Naquele momento, ouvi o som de tecido se rasgando, e algo envolvendo meu peito. Aquilo chegava a ser irônico. Da última vez, os papéis daquela cena estavam invertidos...

- Da primeira vez eu não fui útil. E todos... – meu sorriso foi morrendo, e eu não consegui continuar aquela frase, nem me lembrar de novo de cada morte – E eu poderia finalmente ter vocês de volta... graças a Deus... mas me desculpem, agora é a minha vez de ir...

- Pare de brincadeiras! – o tom de voz de Alemanha subiu – "Não é a primeira vez"? Do que está falando?

Eu estava cansado, tão cansado... tão cansado que mal sentia dor. O rosto deles sumia num borrão difuso. Mas tinha que continuar, eles tinham que saber de toda a história. Então, continuei:

- Eu voltei no tempo – ouvi murmúrios de espanto – E consegui escapar daqui... mas fui o único, eu não queria isso... então tive que libertar... vocês...

Flashes dos ciclos anteriores passaram pela minha mente. As mortes. A dor. As promessas. Tudo.

- Idiota! – ouvi a voz de França, raivosa – Você tinha que sair conosco, não nos libertar!

- Aguente firme, Itália – outra voz, dessa vez de Japão. Ele continuava tentando conter o sangramento, mas acho que, nessa hora, ele já sabia que não havia mais nada a ser feito.

Um momento de silêncio. Eu mal conseguia ficar acordado. Mas queria aproveitar os últimos instantes com eles.

E eu precisava dizer a eles...

Dizer que estava tudo bem...

Dizer que eu estava... feliz...

Dizer que eles podiam me deixar ir, agora. Que estava na hora de ir. Que eu queria descansar.

- Ei... Alemanha...

- Espere – ele gaguejou, a voz trêmula – Já sei! Vou fazer um lugar para você! O melhor lugar para você descansar! Aguente um pouco!

- Sério? – sorri outra vez. Era uma gentileza muito bem-vinda – Então, você vai fazer muitas camas... onde todos possam descansar... e eu vou dormir... entre você e Japão...

- Sim... – ele também tentou sorrir, sem sucesso.

- E uma mesa beeeeem grande... e um lugar onde todos possam cozinhar...

- Definitivamente!

...não... aquilo também não estava certo... ele precisava me deixar ir...

- Alemanha... – eu queria não ter chorado naquele último momento, mas acabei deixando uma lágrima cair sem meu controle – Eu queria... escapar... com vocês...

...e acabei não conseguindo dizer tudo o que queria.

Mas, enquanto pouco a pouco tudo desaparecia, eu sabia que tudo havia valido a pena.

Eles conseguiriam partir. E ficariam bem.

E, depois... em algum paraíso destinado a nós... eu os veria de lá. E os esperaria.

Mas, agora, não importava. E só me restava me aninhar nos braços de Alemanha e deixar o calor deles me embalasse e me arrastasse gentilmente para o fim.

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Kono hoshi no musuu no chiri no hitotsu da to ima no boku ni wa rikai dekinai
(Eu sou apenas um dos incontáveis grãos de poeira nesse planeta; agora isso não faz sentido para mim)
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Osore o shiranai senshi no you ni furumau shika nai
(Minha única direção é me disfarçar de um soldado que não conhece o medo)
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-o-o-o-

Alemanha

Demorou um tempo até que eu percebesse que Itália havia partido.

Japão percebeu antes de mim. De repente, ele parou de amarrar as ataduras, e seus olhos habitualmente neutros cresceram e ficaram repletos de alguma emoção profunda e dolorosa. Suas mãos penderam, inertes, quando ele percebeu que não havia mais nada que pudesse fazer.

Mas... isso era inaceitável... simplesmente inaceitável... ele não podia morrer ali...

- Itália – era isso, ele estava só dormindo, e acordaria se eu chamasse. E foi o que eu fiz, e comecei a chamar e a chamar, cada vez mais alto. Uma hora, ele teria que ouvir.

E os chamados se tornaram exclamações, que se converteram em gritos, que se tingiram com lágrimas, que queimavam de dor. Eu não conseguia lidar com a perspectiva de perdê-lo daquela forma, na minha frente, sem que eu pudesse fazer nada. Pouco a pouco, uma série de coisas foram tomando conta da minha mente – o fato de que aquela cena terrível era real, e que nós... que eu fui fraco e lento demais...

NÃO! Não era real! Não podia... ser real... eu não suportaria...

Continuei chamando, berrando o seu nome cada vez mais alto. O corpo dele começou a ficar frio. Em algum ponto distante da minha mente, percebi os murmúrios dos outros. Uma voz se destacou sobre as demais, enquanto eu sentia duas mãos segurando meus ombros.

- Acalme-se, West... argh, França, me ajude aqui! – era Prússia, tentando me fazer parar. Mas eu não queria. Precisava continuar chamando-o. Precisava... precisava...

Outra mão, que também tentava me conter, sem firmeza. E outra voz... uma voz estrangulada e confusa...

- Itália está... – França... sim, o irmão mais velho dele... – Não... impossível... por quê?

Era a pergunta que eu me fazia, enquanto a realidade pouco a pouco me consumia.

Meu melhor amigo estava morto, nos meus braços.

E eu não pude salvá-lo.

-o-o-o-

Japão

Aquela foi a primeira vez que vi Alemanha desmoronar daquela forma. E eu não o culpava.

Ele continuava chamando, os gritos misturados a um choro rouco e sufocado. Prússia permanecia ao lado dele, os olhos marejados e a expressão de alguém que estava lutando para não desabar também. E eu? Eu simplesmente não tinha reação nenhuma. Na minha frente, aquela cena – um homem em pedaços, trazendo nos braços o corpo dilacerado de um amigo – imprimia-se em minha mente como uma marca de ferro em brasa. Queria desviar os olhos, mas não conseguia. Queria... fazer alguma coisa... qualquer coisa...

Senti as lágrimas queimando em meus olhos, e minhas mãos trêmulas ainda seguravam inutilmente os pedaços de tecido que eu usava como ataduras. Eles estavam tão próximos... e eu nem conseguia estender a mão, ou dizer nada... ele era meu amigo também, não era? Então, porque eu não podia fazer nada? Por que eu não pude fazer nada? Por quê?

Foi então que senti uma mão sobre o meu ombro. Levou um segundo até que eu me virasse, e outro segundo até perceber quem me chamava.

- Japão, vamos embora daqui. Isso não vai ser bom para... Japão? – Inglaterra me encarava. Eu nunca o havia visto tão pálido quanto naquele momento.

- ...gomen. – mal reconheci a minha própria voz – Faz tanto tempo desde... a última vez que perdi um amigo... que eu nem sei como reagir...

Ele não disse nada, apenas continuou me observando. Não consegui continuar encarando-o, e sem o meu controle as palavras e as lágrimas começavam a surgir, enquanto eu mantinha os olhos fixos nas manchas de sangue das minhas mãos:

- Eu sinto tristeza... e raiva... e vazio... e impotência... e não sei como deveria me sentir, mas não consigo... parar de chorar...

Era tudo o que eu era capaz de explicar. Todo o turbilhão de coisas que eu sentia.

E, mais uma vez, Inglaterra não disse nada, apenas me estendeu a mão. Eu não podia suportar aquilo sozinho. Por isso, peguei a mão que ele me estendia, e deixei que ele me puxasse para um abraço. Deixei que ele me amparasse... e me deixei desmoronar, por fim.

Bokura no muishiki wa katte ni togisumasarete yuku you da (Nosso subconsciente parece estar sendo afiado com seu próprio consentimento)
Beddo no shita no rinkaku no nai kehai ni kono me ga hiraku toki wa
(Enquanto meus olhos se abrem, sentindo uma presença que não deixa impressões na cama abaixo de mim)
Kokoro nado nakute nani mo ka mo kowashite shimau hageshisa dake
(Não tendo nada como um coração, apenas uma violência que destrói tudo)
Shizuka ni kiete yuku kisetsu mo erabenai to iu no nara
(Se você estiver me dizendo que eu não posso nem mesmo escolher a estação na qual [eu irei] desaparecer em silêncio)

-o-o-o-

China

Enquanto esperávamos no corredor, ouvíamos sons abafados vindos da sala. Rússia, Canadá e eu esperávamos, apreensivos (havíamos sido obrigados pelos outros a ficar de guarda do lado de fora), e os sons que ouvíamos não diminuíam nossa ansiedade em nada. Evitávamos falar, e olhávamos na direção da porta.

Por fim, alguém saiu. E, para meu choque, vi Japão coberto de sangue, sendo amparado por América e Inglaterra. Meu coração pulou uma batida, mas percebi, depois do primeiro susto, que ele não parecia ferido, pelo menos não naquela magnitude. Os outros dois, por sua vez, estavam cobertos de escoriações, e andavam devagar, mas também pareciam relativamente bem. Então de quem era aquele sangue? Rússia e eu nos encaramos, a apreensão no rosto dele.

- Então...? - Canadá colocou em palavras a pergunta que nós três nos fazíamos. A resposta, porém, era tão dolorosa quanto inacreditável. Japão levantou o rosto, os olhos vermelhos, e sussurrou:

- Itália está... está... – mas não conseguiu terminar. As lágrimas que corriam pelo seu rosto pareciam querer afogá-lo. América, então, puxou-o para se apoiar em seu ombro, e meneou a cabeça como se dissesse "por favor, não digam nada".

Foi como se o peso do mundo caísse sobre mim, me jogando de joelhos no chão. Aquilo não estava certo, nações não deviam morrer! Especialmente uma como Itália, gentil, bem-humorado e adorável em sua tolice. Não era justo... não depois de tudo... na certa, os gritos abafados que ouvíamos eram de Alemanha, que com certeza era quem mais estava sofrendo. Ele... e Japão, que nesse momento estava sentado no corredor ao lado de América; este, por sua vez, tinha os olhos fixos em um ponto qualquer da parede, sem realmente o ver – a própria face da derrota.

- Droga... – murmurei, socando o chão – Se eu tivesse... chegado aqui mais cedo...

- Não! – América respondeu, num tom tão culpado que por si só me fazia sentir mal – Fui eu quem disse para nos dividirmos.

Ficamos em silêncio. A culpa era de todos nós... ou de ninguém. E, de qualquer forma, não iria nos levar a lugar nenhum e muito menos trazer Itália de volta. E isso era o mais doloroso. No fundo, eu sabia que só podia rezar para que tanto ele quanto aqueles mais próximos a ele encontrassem a paz.

...ou, pelo menos, era o que eu pensava. Até os acontecimentos seguintes me fazerem mudar de idéia.

-o-o-o-

América

Só nessa hora percebi que Canadá carregava um livro velho nos braços. A capa de couro estava surrada e suja, e por alguma razão ele parecia muito familiar. De repente, comecei a ter a sensação de que estava esquecendo alguma coisa muito importante, e essa sensação só foi ficando mais e mais forte, até que por fim decidi perguntar:

- O que é isso?

- Achei na biblioteca – ele respondeu – Parece ser um... diário.

Todos nos encaramos. Um diário? Talvez aquela fosse uma pista! Alguém que esteve lá antes de nós, e que soubesse o que era aquela coisa e qual era o propósito de tudo aquilo. Lamentei por não termos encontrado aquilo antes, talvez tivéssemos conseguido salvar Itália... Rússia pediu o livro e o abriu. Percebi que suas sobrancelhas se ergueram assim que ele olhou para a primeira página.

- Achamos algo nesse livro – ele disse, virando-o para nós – Vejam o usuário.

Nos aproximamos. Eu não acreditei quando vi aquele nome, escrito numa letra fina e pequena. Inglaterra também ergueu as sobrancelhas, e pegou o livro, folheando-o. o rosto dele se converteu numa careta de confusão e incredulidade, enquanto ele dizia:

- Itália Veneziano? – continuou folheando – Não, isso não quer dizer que ele seja o dono do diário. É como se fosse uma... inscrição para um contrato? – sua voz ia baixando, como se ele estivesse falando consigo mesmo para tentar organizar aquelas informações. De repente, ele parou em uma página e arregalou os olhos – Ahn? Aqui diz que ele fez uma espécie de... acordo com o monstro? What the hell is that?

- Um acordo? – Canadá se aproximou – Como assim?

Aquilo era demais para eu processar. Então... Itália falava a verdade... Eu não conseguia reagir àquele último absurdo. Como ele havia voltado no tempo, então? Por quê? Que droga de acordo era aquele? O que ele pretendia? Me perdi em pensamentos por um instante, mas um chamado de despertou a atenção.

- Vamos encontrar um lugar para descansar – era a voz de França. Ele amparava Prússia, que mancava, e ao seu lado estava Alemanha, um expressão totalmente perdida e vazia como a de alguém que havia perdido a razão de viver – Todos estão feridos e exaustos. Tem um quarto razoável lá embaixo, podemos ficar lá por enquanto e decidir o que fazer daqui para frente.

Todos concordamos. E começamos a nos afastar. Mas, enquanto íamos embora, tentando manter ainda um pouco de sanidade naquela loucura toda, uma idéia começou a me ocorrer. E era ao mesmo tempo tão louca e maravilhosa quanto assustadora e perigosa. Mas era uma forma de ao menos tentar ter uma segunda chance;

Aquela história não precisava terminar assim. E eu apostaria minha vida nisso mais uma vez.

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Boku no kawari ga inai nara futsuu ni nagareteta ano nichijou o
(Se não há ninguém que possa me substituir, então aqueles dias que passavam tão normalmente, eu irei)
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Kono te de owarasetaku naru nani mo warui koto ja nai
(Não há nada de errado em querer colocar um fim nisso com minhas próprias mãos)
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-o-o-o-

Canadá

Passamos muito tempo no silêncio mais absoluto e sepulcral.

Os que estavam na sala atacada, agora, estavam sentados no chão, com exceção de Prússia, deitado na única cama disponível. China havia feito curativos em todos, e naquele momento ele estava de pé, ao lado da porta. Rússia estava sentado ao lado dos outros, olhando fixamente para o chão. E eu estava lendo o diário, e tentando tirar algum sentido daquelas palavras, muitas vezes escritas numa letra trêmula e forçada. As páginas estavam sujas, algumas letras estavam borradas, e havia respingos de sangue em algumas páginas.

- O que vocês fizeram... com o corpo dele? – murmurou China, hesitando. Alemanha e Japão não responderam: o segundo parecia ter enfim caído no sono, a cabeça apoiada no ombro de América, e o primeiro olhava para o nada com uma expressão morta. Quem respondeu foi Prússia, a voz baixa:

- Não pudemos fazer muito. Colocamos ele sobre uma cama no quarto ao lado... – e, então, sua voz se tornou irritada e amarga – Não é justo, não podemos nem dar a ele uma droga de funeral digno!

- Eu não entendo... – França murmurava, ainda incrédulo – Por que ele... fez isso?

Eu precisava contar a eles a verdade. Os motivos dele... a dor dele...

- Pessoal? – esperei, de alguma forma, ser ignorado como sempre, mas todos se viraram na minha direção – Itália sabia o que estava acontecendo, porque ele mesmo havia planejado isso tudo!

- Do que diabos você está falando? – perguntou Prússia – Como assim, "planejado"?

- Isso – mostrei o diário – Pelo que eu entendi disso aqui, ele tem passado por esse pesadelo uma vez após a outra. Entramos na casa, o monstro nos mata, ele volta no tempo para nos trazer de volta, esquecemos tudo e entramos de novo. Não sei ao certo quantas vezes isso aconteceu, mas sei que, em algum momento, todos nós morremos, e ele ficou aqui. Céus... – minha voz baixou – Como ele suportou tanto?

- Isso... – murmurou França – Ele falou algo assim, antes de morrer... "Protegi todos... fiz tudo sem erros"... Quer dizer que...

- Ele fez um acordo com o monstro, na primeira vez que isso aconteceu – Inglaterra respondeu a pergunta que o outro não conseguiu terminar – Ele deixaria o monstro pegá-lo primeiro, se ele nos poupasse – parou um instante – O idiota se sacrificou por todos nós de caso pensado... dammit...

Todos se entreolharam, pasmos. Aquilo já era demais para eles.

Foi então que percebi que Alemanha havia se levantado, e que Japão havia erguido a cabeça na direção dele. Os dois se entreolharam, e apenas deram um aceno de cabeça. Ao lado do segundo, América exibia uma expressão mais decidida e feroz do que nunca. E, aos poucos, as expressões dos outros também foram mudando.

E, então, entendi a conclusão à qual todos chegaram.

- Vocês se lembram daquele compartimento sob o terceiro andar? – assentimos afirmativamente com a cabeça – Posso transformá-lo num abrigo para nós. Pelo que entendi, qualquer alteração que fizermos aqui deve ser mantida, então acho que posso fazer isso.

- Eu te ajudo – disse Rússia, sério.

- Eu também – acrescentou China.

- Vou procurar suprimentos pela casa – ofereceu-se França.

- Canadá, como Itália fazia para voltar no tempo? – perguntou Japão – O diário diz alguma coisa?

- Tem um relógio aqui, ele atrasava os ponteiros dele – respondi – Um relógio grande, antigo. Não deve ser difícil de achar.

- Yosh... América, Inglaterra, se importam em vir comigo?

- Alright, pal – América sorriu – Canadá, pode cuidar de Prússia, por favor?

- Eu estou bem, gottverdammitt! – o próprio protestou – Não preciso de babá!

Eu não sabia o que dizer. Eles estavam mesmo dispostos àquilo?

Se bem que... eu não podia dizer que não estava, também.

-o-o-o-

Rússia

E, durante as muitas horas seguintes, nós trabalhamos arduamente e em silêncio.

Em nenhum momento, nenhum de nós colocou em palavras aquela decisão. Mas, aos poucos, enquanto levávamos móveis e caixas ao cômodo escondido e o preparávamos de forma que ele se parecesse com um abrigo, sentíamos a responsabilidade daquela escolha. Às vezes, eu olhava de relance para Alemanha. Ele era o mais incansável entre nós, e em seus olhos ardia uma chama que eu nunca havia visto ali. Nós nos revezávamos nas demais tarefas, buscando pela casa qualquer tipo de suprimento que pudesse ser útil e procurando o relógio.

Por fim, Inglaterra apareceu na porta do abrigo, dizendo:

- Achamos. Estava escondido na adega sob a cozinha.

- Ótimo – ouvimos França murmurar – Alemanha, o que acha de irmos agora?

- Vão reunindo os outros, eu os alcanço daqui a pouco – ele respondeu, impessoal, concentrado em sua tarefa – Só preciso terminar isso aqui.

- Se não se importa, vou ter de carregá-lo – eu disse a Prússia, que naquele momento dedicava-se à tarefa de rasgar lençóis para fazer ataduras (uma exigência dele mesmo, que se queixava por não poder fazer nada por causa da perna quebrada). Ele me encarou, raivoso, e retrucou:

- Mas que droga, vocês são especialistas em fazer com que eu me sinta inútil!

- Não é isso – acabei rindo, enquanto colocava-o em minhas costas – Pense que você está apenas temporariamente limitado e que, por isso, pode aceitar minha ajuda, da?

Ele não respondeu. Então, ele, eu, China e Canadá começamos a ir em direção à adega. Estávamos ainda em silêncio, mas eu podia sentir a expectativa no ar. Não era algo para ficarmos felizes, mas... nos sentíamos esperançosos. A perspectiva de ter uma segunda chance era reconfortante, mas assustadora.

- Sabe... eu não sei o que faria, se estivesse no lugar de Itália – murmurou Prússia, sua voz soando inesperadamente envergonhada – Não suportaria a idéia de os outros morrerem e eu ficar para trás.

- Nem eu, aru – disse China – Se pensarmos bem, num caso desses morrer é até mais fácil.

- É, mas dessa vez isso não vai acontecer – eu disse – Tenho certeza.

Fizemos o resto do percurso em silêncio. Quando chegamos, Inglaterra, Japão e América já nos aguardavam em frente a um grande relógio de pêndulo. França chegou logo depois. O último foi Alemanha. Por um instante, não fizemos ou dissemos nada. O primeiro a quebrar o silêncio foi Japão, num tom mais sério e decidido do que nunca.

- Eu só vou perguntar uma vez – seus olhos negros passaram por todos nós – Temos uma escolha aqui: sair da casa e deixar tudo isso para trás, ou tentar voltar e consertar tudo. Isso quer dizer que, se voltarmos, teremos que passar por esse inferno de novo, e que poderemos morrer mais uma vez. Eu já tomei a minha decisão, mas preciso saber se todos estão prontos para isso também.

- Você sabe qual é a minha resposta – eu respondi – É claro que eu quero voltar.

- Itália voltou por nós mais de uma vez – acrescentou França – Eu não me perdoaria se não retribuísse o favor.

- Além do mais, eu não recusaria nenhuma chance de revanche contra aquela coisa feia – o tom de Inglaterra era feroz – Não vou descansar até chutar a bunda dele por tudo o que fez conosco!

Aquela era a resposta que Japão precisava. Ainda éramos todos nações, afinal. Nações fortes e orgulhosas que não recusariam uma boa luta, e nem recusariam a chance de consertar seus erros. América deu um passo à frente, também, e colocou-se do lado do relógio. Seu olhar estava sério, algo raro para ele.

- Acha que vamos conseguir dessa vez? – murmurou Alemanha – Acha que vamos... salvá-lo?

- Não apenas a ele – respondeu Japão – Todos. Vamos sair daqui e não deixar ninguém para trás. Eu prometo.

O outro passou o olhar por todos os demais. E todos responderam, com um aceno de cabeça, que aquela promessa era feita por eles também. Japão e América olharam para o relógio por um último instante.

Não falharíamos dessa vez. Ninguém precisaria se sacrificar por ninguém.

E, quando saíssemos e víssemos a luz do sol, nos lembraríamos disso.

- É possível que esqueçamos tudo – disse América – Mas de uma coisa eu não vou me esquecer: não vou parar de tentar até que todos estejam salvos.

Suas mãos tocaram os ponteiros. E, antes de girá-los, ele disse, decidido:

- Nós vamos sair daqui. Juntos.

Então, ele os girou. E tudo desapareceu.

E a última coisa que vi, antes de a memória se dissipar e todas as horas terríveis dentro daquela casa sumirem, foi a reunião de todos ao redor de uma grande mesa. A Conferência Mundial. Todos discutindo, falando alto, debatendo. E, em um dos lugares, Itália, rindo.

Tínhamos a nossa segunda chance. E iríamos aproveitá-la da melhor forma possível.

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Notas finais do capítulo

Nota da autora: aiai, e com isso terminamos o projeto The Very Last Moment... esse capítulo foi um pouco estranho, tive que inventar ou forçar a barra em muita coisa. Se eu tiver entrado em contradição com os vídeos, por favor, me desculpem. Mas... eu precisava dar um final esperançoso à fic, uma segunda chance à eles...Me desculpem por não ter respondido as reviews no começo, mas agradeço de coração à AnaMachado, que comentou todos os capítulos (e que receberá uma resposta decente por todos os comments, prometo xD). Pessoalmente, adorei esse projeto. Primeiro, porque adoro fazer meus personagens sofrerem (xD), e segundo porque gosto dessa forma mais séria e sombria de abordar uma história geralmente engraçada e doida como Hetalia. E, no final das contas, usar a letra de Uninstall nesse capítulo não foi tão intencional assim. Quer dizer, eu queria fazer isso, mas só fui perceber que dava para encaixar a letra como numa songfic quando estava digitando, já. E é uma letra muito forte, muito intensa... Bem, espero do fundo do coração que vocês tenham gostado. Obrigada à Hamiko0, pela fic maravilhosa sem a qual esse projeto não existiria, obrigada a todos que leram, beijos a todos e até a próxima! ;D



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