Como Errar escrita por Goahak


Capítulo 3
O diagnóstico do azar




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Bip. Bip. Bip. O monitor cardíaco apitava freneticamente.

O azar realmente é algo interessante, se é que ele existe. Vejamos, se você considera uma série de acontecimentos catastróficos e eventos desastrosos como azar, então você deveria rever seus conceitos. O azar nada mais é que... bem, vamos começar pela teoria. Segundo a lei de Murphy, que certamente é a mais conhecida nesse aspecto, diz que, se algo pode dar errado, dará. Entre outras está a lei de Hofstadter: “É sempre necessário mais tempo que o previsto, mesmo quando se leva em conta a lei de Hofstadter.” E o princípio de Peter: "Num sistema hierárquico, todo o funcionário tende a ser promovido até ao seu nível de incompetência." Mas isso já não vem mais ao caso. O problema, de fato, é que todos eles falharam. – Não as regras, elas funcionam perfeitamente bem, e se você quiser testar alguma, por favor, sinta-se a vontade. – Todos os criadores dessas regras falharam. Então se você seguir um raciocínio, vai chegar à conclusão de que, se eles não tivessem falhado, não fariam essas regras, ou seja, maldito dia em que Edward A. Murphy falhou em sua experiência. Enfim, o azar nada mais é que uma conseqüência de determinada ação. Na maioria das vezes, qualquer uma que seja. Então se é você quem faz sua própria sorte, o azar também, é todo seu.

Bip. Bip. Bip.

A perna de Thomas doía insuportavelmente. Quando finalmente ele abriu os olhos, surpreendeu-se. Encontrava-se deitado numa cama de hospital e provavelmente sua perna direita estava quebrada, talvez algumas costelas também. Cheio de machucados, gazes e totalmente anestesiado. Lembrava que tinha sido atropelado, várias pessoas se aglomeraram por envolta de seu corpo, caído no meio da rua. O dono do carro estava desesperado, ficava gritando: “Não foi minha culpa! Ele se enfiou na frente, eu, eu, não foi minha culpa!” Outras pessoas gritavam para alguém chamar uma ambulância. Quando a ambulância chegou, dois homens vestidos de branco o carregaram de maca até o interior do veículo. Logo lhe aplicaram uma injeção e ele dormiu.

O motivo pelo qual ele se surpreendeu era que, Robert Cooper estava sentado em um sofá do lado da cama, dormindo. Thomas não sabia se devia acordá-lo ou não, então limpou a garganta. O Sr. Cooper acordou.

- Você está bem? – perguntou.

- Eu acho que não. – respondeu Thomas, ainda intrigado continuou. – Por que o senhor está aqui?

- Eu estava indo atrás de você para pedir que pensasse melhor. Não queria que você tivesse se demitido Thomas, você é um dos nossos melhores colunistas. – quando o Sr. Cooper disse isso, parecia haver um anzol preso em seu pescoço. – Então, você virou a esquina, eu ouvi alguns gritos, corri até lá e, bem, vi que você foi atropelado.

Aquilo soou tão estranho para Thomas. Era como se alguém tivesse lhe dito que o amarelo, na verdade, fosse vermelho.

- Ah, Sr. Cooper, do que o senhor está falando?

- Como assim? – Robert Cooper franziu a testa.

- Eu não lembro de ter pedido demissão.

- Você não lembra? – Robert Cooper gritou. – Como não? Você pediu demissão e saiu correndo do prédio, por isso foi atropelado.

- É sério? Eu lembro de ter sido atropelado, mas, antes disso não me lembro de nada. Pra ser sincero, a última coisa que eu lembro, é de ter tomado um bom chá ouvindo Dire Straits.

- Eu vou chamar um médico.

Robert Cooper saiu da sala apressado. Thomas não conseguia entender o que estava acontecendo. Talvez fosse um sonho. Não, não era. Poderia estar dopado com alguma droga que lhe aplicaram. Não, também não. Não sabia o que estava acontecendo. Logo o Sr. Cooper e um médico entraram na sala, o médico estava olhando sua ficha e o Sr. Cooper estava com uma cara assustada.

- Oh, vejo que acordou, senhor.... – olhou em suas anotações. – Johnson. – o médico deu um enorme sorriso. – Como se sente?

- Minha perna esta doendo.

- Ah, sim. Você fraturou o fêmur e duas costelas. Você se machucou muito, essa dor é totalmente normal. Agora Sr. Johnson, eu queria realizar alguns testes com o senhor.

Depois de realizar todos os testes que o doutor impôs, veio o triste diagnóstico:

- Sinto lhe dizer, Sr. Johnson, que você perdeu toda sua memória recente. – o doutor suspirou e ergueu as sobrancelhas. – Sua recuperação vai ser longa e difícil, além da fisioterapia que você terá que fazer, por ter quebrado o fêmur e danificado alguns nervos.

- Perdi a memória? – Thomas estava boquiaberto.

- Exato, você perdeu a memória recente.

-Defina recente.

- Vamos supor, uma semana, mais ou menos. Mas pode ser que você tenha perdido algumas informações mais antigas também. Qual é a última coisa que você se lembra?

- De estar tomando chá ouvindo Dire Straits.

- Hum, isso é um bom sinal. Significa que o seu lobo temporal não está totalmente danificado. Você terá uma recuperação difícil, mas promissora. – o doutor reviu sua fichinha de anotações. – Fique mais uns três dias aqui, só por garantia. Depois está liberado, ok? – o doutor deu mais um largo sorriso.

Thomas assentiu.

Os dias passaram rápido, Thomas passou o tempo brincando com sua cama reclinável e vendo as manchetes do jornal, logo ganhou alta. O Sr. Cooper se ofereceu para levá-lo até em casa, no seu próprio Rover 200 que ainda estava estacionado na frente do prédio do K Day. Quando chegaram, Thomas saiu com dificuldades do carro, usando suas muletas. Agradeceu o Sr. Cooper e entrou pela porta. Iria sofrer para se virar sozinho com essas muletas, mas daria um jeito.

O Sr. Cooper tinha ficado realmente contente em convencê-lo a ficar no K Day, apesar de ser estranho para Thomas. Parecia que estavam brincando com ele, uma grande pegadinha. Foi fazer um chá. Não conseguiu. Então foi pôr um disco para tocar, queria relaxar um pouco, acabou optando por Blues, no final - John Mayall & the Bluesbreakers, que contava com Eric Clapton na guitarra. Sentou no sofá e relaxou, dormiu ali mesmo.

O vento uivava lá fora, uma tempestade se aproximava. Enquanto ela não chegava, Lênin deliciava-se na cesta de lixo de Edward Müller. Seria uma longa noite para o pobre gato.

Depois de terminar o lanche, Lênin caminhava saltitante até sua antiga casa, apesar de seu dono não estar mais lá, nem em nenhum outro lugar. Tinha passado certa dificuldade nesses últimos quatro dias. Fora sempre acostumado com carinho, leite quente e um bom e fresco atum, mas agora isso tudo tinha sumido. Era impossível dizer o que ele estava achando disso tudo, mas certamente não era algo positivo, comer lixo deixa qualquer um de mau-humor. Muitas mudanças em um curto intervalo de tempo para um gato velho: primeiro a morte de seu dono, depois apareceu aquele bulldog na casa da Srta. Watergate, aterrorizando todos os animais da vizinhança (algumas pessoas também) e até o leite que ele roubava de Edward Müller, não estava mais lá. O pobre felino estava conturbado.

Estava, além de conturbado, passando pela frente da casa da Srta. Watergate no momento. Ironicamente, Kirk, o bulldog, estava solto esta noite, e por uma razão totalmente comum e instintiva, quis matar o gato assim que o viu. Se existisse algum observador no momento em que os dois se depararam iria rolar de rir, apesar de ficar com dó do caçador de ratos.

 Lênin deu um pulo enorme, e correu assim que suas patas voltaram a tocar o solo. Kirk, instintivamente seguiu o gato. Os dois correram até o fim da esquina onde o gato achou uma árvore na qual subiu imediatamente. Kirk, por sua vez, ficou ali latindo. Uma luz se ascendeu na frente dos dois e um homem saiu da casa de onde ela vinha.

Como já foi dito antes, a vizinhança era silenciosa, um ou dois cachorros latindo à noite. Porém, um bulldog latindo durante dez minutos seguidos, não era nada silencioso.

Thomas estava com muita raiva, queria dormir e foi acordado por um maldito cão. Ligou a luz da sala e abriu a porta para ver o que diabos estava acontecendo. Um bulldog? Lênin? - Pensou. Um bulldog? - Pensou de novo.

 Kirk achou algo novo para estraçalhar: uma muleta. Disparou em direção de Thomas, que ficou muito assustado. Lênin aproveitou a chance e fugiu. O bulldog travava uma batalha individual com a muleta esquerda de Thomas, que batia no cachorro com a direita. Aquilo estava acabando com Thomas, seu corpo trepidava violentamente a cada investida, as do cão e as suas. Começou a gritar por ajuda, logo chegou Edward correndo desesperado com uma pistola nas mãos. Assim que viu a cena, deu um tiro para cima. Thomas levou um susto que o fez afrouxar a mão que segurava a muleta esquerda, e ela acabou caindo. Kirk saiu correndo assustado levando a muleta entre os dentes. Thomas obviamente caiu.

Se formos analisar essa série de acontecimentos, com base na teoria formulada no início desse capitulo, teremos as seguintes hipóteses: a) Foi uma catástrofe somada a uma total falta de sorte. b) Foi simplesmente uma total coincidência, ou destino. c) Os bulldogs têm uma obsessão por muletas e por isso esse acidente ocorreu. d) O problema foi Edward Müller chegar e atirar. Se ele não tivesse feito isso, Thomas não iria se assustar e cair.

Derrubando a hipótese “d)” não saberíamos o que iria acontecer se Edward não tivesse chegado e atirado. Derrubando a hipótese “b)” o autor dessa narrativa não acredita em destino. Ficamos entre a “a)” e a “c)”, decidam-se vocês.

 Edward ajudou Thomas a se levantar e perguntou por que Kirk estava ali.

- Kirk? – perguntou Thomas, confuso.

- Sim, o bulldog da Srta. Watergate. Deus! O que aconteceu com você Tom?

- Fui atropelado. E desde quando a Srta. Watergate tem um bulldog?

- Atropelado? – Edward abriu a boca e olhou distante por um tempo. – Como assim, desde quando? Tom, você está muito mal, precisa se cuidar mais. Deixe eu te ajudar.

Os dois entraram, Edward o ajeitou cuidadosamente. Alguns vizinhos curiosos estavam se amontoando na frente da casa de Thomas queriam saber de onde tinha vindo o tiro e por quê.

- Eu já volto, vou recuperar sua muleta. – disse Edward. – Tente não se mover muito.

- Ok, obrigado Edward!

- Imagine Tom.

Edward saiu espantando os vizinhos curiosos, dizendo que não havia acontecido nada e que não era pra se preocuparem. Fizeram isso.

Thomas ficou ali, solitário. Esperando pelo seu velho vizinho, fazia tempo que os dois se conheciam, mas nunca tinham tido uma boa conversa. Edward chegou um ano depois que Thomas tinha se mudado pra sua atual casa. Era um cara legal afinal, Edward Müller.

Logo começou uma terrível tempestade. Relâmpagos iluminavam a noite, Thomas ficou com pena de Edward, iria ficar totalmente encharcado. Logo ele chegou totalmente encharcado, como Thomas havia previsto. Sujou o tapete de Thomas e lhe entregou a muleta totalmente danificada.

- É um cão difícil de lidar. – disse Edward num suspiro, estava exausto e molhado.

- Eu sei bem como é, muito obrigado Ed. Não sei como te agradecer. – não sabia mesmo.

- Ah, deixa pra lá. Agora, vou tomar um banho antes que acabe pegando uma pneumonia. Até mais Tom!

- Até mais e obrigado de novo.

Thomas fechou a porta e foi para a cama. Pensou no que Edward havia dito: “Como assim, desde quando?”. Será que a Srta. Watergate tinha comprado Kirk e Thomas tinha o perdido da memória? Isso tudo era muito ruim, sentiu uma agonia dominar seu corpo, finalmente relaxou e dormiu.


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