Como Errar escrita por Goahak


Capítulo 1
Conhecendo Thomas A. Johnson




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            Este livro vai contar a história da vida, ou melhor, da quase vida, ou melhor ainda, da miserável existência de Thomas Alexander Johnson. Não que alguém se importe, o que é muito provável. O senhor Johnson, era metódico e julgava as pessoas com uma precisão inquestionável, e com uma freqüência absurdamente grande. Por total coincidência era julgado por muitas pessoas como sádico e irônico. A vida poderia muito bem defini-lo como um erro, um espermatozóide sortudo. Porém ela estava ocupada demais para isso naquele momento, pois estava dando um chute na bunda do Sr. Johnson e mandando ele ir cuidar de seus próprios problemas, porque ela, a vida, já tinha muitos.

            Thomas era aquele tipo de pessoa que nenhuma outra quer ter como vizinho. Não que ele tivesse um filho pequeno ou um cachorro asmático, realmente ele não tinha. Ele era apenas.. indesejável. Indesejável como um obeso gripado enconchando você numa fila de banco às três horas da tarde no verão.

            Você deve estar pensando agora: “Nossa, como uma pessoa consegue ser tão indesejável?” se você não está pensando isso, pode pular para o próximo parágrafo. Na realidade, ele não era tão indesejável. As pessoas o achavam indesejável, porque ele dizia a indesejada verdade.

            Thomas não era exatamente um religioso, ele não ligava muito pra isso. Ele achava que se alguém era culpado, esse alguém era Deus. Ninguém pediu pra ser criado. É claro que não existia ninguém para pedir, mas mesmo assim, ele não ligava. Ele nunca disse isso a ninguém, tinha medo que Deus descobrisse isso, aí sim ele estaria enrascado. Como Thomas não era muito religioso, não sabia que Deus na verdade é onisciente, portanto, já sabia da opinião de Thomas há algum tempo. Porém isso não importava, porque assim como Thomas, Deus não ligava muito pra esses problemas chatos da humanidade. Jogar tênis com as estrelas era bem melhor, como é bom ser onipresente!

            O emprego de Thomas era frustrante, monótono e mal-remunerado. Thomas simplesmente o odiava! Ele era colunista de um pequeno jornal local, chamado “The Knowledge Daily”, carinhosamente apelidado de: “The K Day”. Seu trabalho era frustrante, porque por mais que Thomas o fizesse perfeitamente, seu chefe – um homem realmente mesquinho chamado Robert Cooper, que segundo o julgamento de Thomas, apenas não teve amor materno suficiente quando pequeno, ou talvez apoio paterno, não sabia dizer ao certo. O problema era que o Sr. Cooper queria que tudo estivesse em perfeita ordem e harmonia e caso não estivesse, era melhor você não ser o responsável pelo erro. – sempre achava algo de errado, ou apenas não aprovava que era o que acontecia a maioria das vezes, Thomas era bom no que fazia. Já tinha até ganhado alguns prêmios. Seu trabalho era monótono, porque as noticias eram sempre, sem exceções alguma, idênticas! Sempre eram sobre algum acidente, assassinato, desastre natural ou qualquer outro tipo de tragédia. Quando raramente não se tratava de algo assim, a notícia era ou sobre algum novo parque que tinha acabado de chegar à cidade, ou sobre algum cidadão de destaque que havia ganhado um prêmio no exterior. Thomas simplesmente odiava isso.

            Depois do trabalho, Thomas voltava para casa, no seu surrado Rover 200. Era um carro realmente desprezível. No caminho, ele sempre parava para comprar novos saquinhos de chá. Ah sim! Ele adorava chá. E como não poderia adorar? Afinal, vivia na Inglaterra, e todo inglês que se preze, adora chá! Ele tomava uma xícara quando acordava, outra antes do almoço, uma às três da tarde, outra às sete e finalmente mais uma antes de dormir. Ele gostava mesmo de tomar chá.

            Eram poucas as coisas de que Thomas gostava. Muito poucas. Uma delas era ler. Ele ficava horas e horas lendo, às vezes na biblioteca municipal, às vezes em alguma livraria e às vezes em casa mesmo, sempre acompanhado de um chá quentinho. Ele começou lendo poesia, Shakespeare, Oscar Wilde, Francis Bacon. Achou um saco. Na verdade ele lia apenas livros sobre objetos ou história, ou sobre a história dos objetos. Raramente ele se dedicava a ler algum tutorial de como montar um barco, ou o que fazer caso você se perdesse nas highlands escocesas. Thomas se interessava por esse tipo de livros porque era extremamente curioso, mesmo quando o assunto não lhe dizia nada a respeito. Perdeu as contas de quantas vezes largou mão do que estava fazendo para escutar as histórias que as pessoas ao redor dele estavam contando. Ele sabia que elas seriam frustrantes, monótonas e ele não ganharia nada com elas, como sempre. Mas ele tinha que ouvi-las. Talvez por esse motivo ele julgasse tão bem as pessoas, e talvez por esse motivo elas o odiassem.

            Quando chegava em casa, Thomas pegava a chaleira e começava a esquentar a água para seu chá das sete. Depois de fazer isso, ia até a sala escolher um disco para colocar no som. Os discos sempre estavam em ordem. Alfabética na maioria das vezes. Quando Thomas não tinha um livro para ler, eles ficavam classificados pelo ano de gravação e autor. Ia passando os discos rapidamente, murmurando as letras que vinham em seqüência, quando se interessava por algum, o analisava lembrando das músicas. Cantarolava um pouco, e o devolvia para a fileira. Fazia isso até achar o disco que queria escutar naquele dia. Ele era um grande fã de música. Pink Floyd, The Beatles, Animals, entre outros eram suas bandas favoritas.

            Depois de selecionar e pôr o disco para tocar, Thomas voltava à cozinha para terminar de preparar o chá. Ia até a sala, pegava um livro, se aconchegava no sofá e ficava ali por algum tempo. Ouvindo música, tomando chá e lendo. Quando acabavam as músicas, Thomas desligava o som, tomava uma boa e demorada ducha e ia pra cama, pra só acordar no outro dia, tomando um chá.

            A vizinhança era razoavelmente silenciosa. Um ou outro cachorro latindo durante a madrugada. A única coisa que incomodava Thomas era o gato do seu vizinho, mas pensando bem.. não. Não era o gato. Era o próprio vizinho, o Sr. Monovich.

            O Sr. Monovich era um ex-soldado russo que tinha participado indiretamente da segunda guerra mundial. Era meio caduco e sempre estava atrás do seu gato de nome Lênin. Mal clareava o dia e o Sr. Monovich já estava aos gritos:

- Lêêêêênin? Venha cá meu velho amigo! Não me diga que você foi até a casa dos Müller de novo, hein? Lênin? Psssshhh, psssshhh, psssshhh. Venha cá. – gritava desesperado, acordando toda a vizinhança. E continuava: - O que eu disse sobre ir até a casa dos Müller, hein Lênin?

            Logo aparecia um grande homem loiro com um gato malhado nos braços. Era Edward Müller trazendo, mais uma vez Lênin. Assim que o Sr. Monovich o via, começava disfarçadamente a entrar em casa. Mas era lerdo demais.

- Sr. Monovich? – perguntaria Müller ao velho.

O velho o olharia de soslaio, e falaria educadamente:

- Ah sim! Edward, bom dia!

- Bom dia Sr. Monovich, eu trouxe o Lênin. Novamente. – suspiraria, cansado da rotina diária.

- Ah, eu estava procurando ele. Então quer dizer que ele estava nas suas terras de novo, é? – Apesar disso acontecer todos os dias, o Sr. Monovich sempre apresentava um tipo diferente de surpresa.

- Sim, Sr. Monovich. Ele estava. Como todos os outros dias do ano. – Edward Müller não parecia irritado com isso. Era um bom homem, ele só estava exausto de todos os dias ter um gato tentando abrir o seu leite, e ter de levá-lo até a esquina para o Sr. Monovich.

- Ah muito obrigado por trazer ele de volta, prometo que não vai mais acontecer! – insistiria o Sr. Monovich.

- Aposto que não. Até amanhã, Sr. Monovich. – Müller daria uma risadinha forçada e seguiria o seu caminho. Sarcasmo realmente não era o seu forte.

Assim que Edward Müller se virava, o Sr. Monovich começava a brigar com o seu gato:

- Lênin, seu saco de pulgas! Você nunca vai parar de invadir as terras dos alemães? Já disse a você que foi seu sucessor que fez isso! – ele entrava em casa e dava atum ao gato.

            Resumindo, era mais ou menos isso que acontecia todas as manhãs na rua onde Thomas vivia, e era isso que o incomodava. Porém ele não culpava o Sr. Monovich por ser assim. Pobre velhinho, foi injustiçado e não reconhecido como um dos heróis da segunda guerra mundial, ao invés disso apenas ganhou uma pífia remuneração do governo por participar “indiretamente da guerra”, ou algo assim. Quando na verdade, ele tinha matado um par de nazistas totalmente sozinho, pois seus camaradas haviam morrido, apenas um sobreviveu. O Sr. Monovich o arrastou para o canto de um muro, e quando a tropa nazista se aproximou ele jogou uma granada e depois os metralhou. Seu parceiro incapacitado que teve a perna destroçada por um morteiro ganhou o crédito.

A versão do camarada incapacitado era um pouco diferente. Segundo ele o Sr. Monovich saiu de trás da parede onde eles estavam escondidos, entregando a localização do pelotão todo. Os nazistas mataram todos com um morteiro e ele perdeu uma perna. Depois da explosão o Sr. Monovich desmaiou, e seu camarada matou todos os nazistas salvando os dois.

Thomas não sabia na qual acreditar, mas pelo pouco que conhecia o Sr. Monovich achava que a segunda era mais provável, ele era realmente louco. Mesmo assim, preferia acreditar no seu conturbado vizinho.

Thomas nunca fora casado, e tinha namorado bem pouco, quase nada. Nunca teve um relacionamento sério. Apenas casos. E seus casos geralmente eram por acaso. Certa vez, foi a uma festa. Estavam comemorando – naturalmente – o prêmio que Martin H. James havia ganhado no exterior. O prêmio era sobre seu livro: “A difícil jornada do sucesso”, que era praticamente uma autobiografia, contando como ele conseguiu sair da porcaria da cidade dele e se tornado um grande ícone britânico. Por algum motivo desconhecido, resolveram dar-lhe uma festa em homenagem ao prêmio. - Thomas já tinha lido o livro. Comprou-o na semana de lançamento das livrarias. Estava ansioso para ler, já que Martin havia sido seu colega na escola. Depois de lê-lo e analisá-lo, o jogou em cima do balcão onde guardava as chaves. Nunca mais o viu.- Apesar de não ter sido convidado ao evento, Thomas foi do mesmo jeito. Na verdade foi forçado a ir, por Robert Cooper, seu chefe. Ele iria fazer a cobertura completa da homenagem e cerimônia para o “K Day”. Depois de entrevistar Martin e fazer um esboço do que seria publicado no jornal, resolveu curtir a festa. Há tempos não dançava ou bebia. Porém exagerou. No dia seguinte acordou com uma dor de cabeça, escutou um ruído lá fora, algo como: “Lênin?”, quando se virou para o lado na cama, levou o susto da sua vida! Uma mulher que ele nunca havia visto estava ali deitada, imóvel, descabelada e nua. Não lembrava nem quando nem como a trouxe, mas presumia que fosse ontem depois da festa. Agora queria descobrir como acordá-la sem assustá-la. Pensou em várias maneiras, achou melhor vestir um roupão. Procurou as roupas dela, achou algumas peças no quarto, outras na sala e incrivelmente uma calcinha dentro do aquário. “O que fazer?” pensou. Pegou a redinha do aquário e começou a tentar tirar a calcinha de lá. Estava entre as pedras e tinha um cascudo dentro dela. Quando estava quase conseguindo, ouviu:

- Mas que porcaria você está fazendo?

No exato momento em que ele ouviu isso puxou a redinha para fora d’água rapidamente. A calcinha molhada voou pela sala de estar até cair em cima da televisão e o cascudo havia sumido. O terror e incompreensão dos fatos que ocorreram depois disso, são intensos. A mulher começou a gritar, sem saber para onde correr e ela ainda estava nua. Thomas saiu em disparada na direção da porta de entrada, quando abriu, Lênin entrou na casa seguido pelo Sr. Monovich despejando pragas em russo. O gato logo achou o cascudo e começou a devorá-lo ali mesmo. O Sr. Monovich até então não tinha visto a loira pelada gritante no fim da sala de estar. Thomas por sua vez, foi até o banheiro e se trancou. Ficou lá por mais ou menos dez minutos até tudo acabar. Durante os primeiros cinco minutos que ficou trancafiado, pelo que conseguiu entender aconteceu o seguinte: o gato foi até a cozinha, o Sr. Monovich o seguiu, quando chegaram lá deram de cara com a loira pelada, que começou a gritar mais. O gato deu uma guinada de dor, provavelmente alguém havia pisado no seu rabo. Quando o Sr. Monovich se deu conta de que estava na cozinha do seu vizinho com uma loira pelada perto da pia e uma calcinha pendurada na televisão o que passou pela sua cabeça deve ter sido mais ou menos isso: “Imagine só o que deve ter na casa dos Müller”. Depois do grito do gato, Thomas não conseguiu mais identificar o que aconteceu, mas quando ele finalmente saiu do banheiro a casa estava deserta. Havia sangue no chão, provavelmente do cascudo. A cozinha surpreendentemente estava molhada, os discos estavam um pouco fora de ordem. O quarto estava completamente bagunçado e havia uma vidraça quebrada. Havia também um batom na pia do banheiro. O resto aparentemente estava normal, apenas a calcinha continuava pendurada na TV. Depois desse evento Thomas nunca mais foi em festas e o Sr. Monovich o evitava mais que seu outro vizinho, Edward Müller.

            Também não gostava de animais. Só de peixes, eles não destruíam nada nem faziam barulho e quando morriam você não ficava triste, ou nem percebia. Uma vez comprou um cachorro, depois de o animal destruir meia mobília da casa de Thomas, ele o jogou numa rodovia a uns trinta quilômetros de sua casa. Depois de uma semana, ficou com a consciência pesada. Com uma chance incrivelmente pequena de encontrar o cão lá, voltou ao lugar onde o tinha deixado. Como a chance era pequena é óbvio que o cão ainda estava lá. Thomas sempre duvidava dessa sorte - ou seria azar – que ele tinha. Sempre que algo era quase impossível de acontecer, acontecia. Como na vez em que ele mentiu ao Sr. Cooper que estava doente e viajou para o Canadá. Queria conhecer aquele país, parecia legal. Assim que desceu do avião no aeroporto internacional de Vancouver, deu de cara com sua colega, Hayley Montgomery. O que ela poderia estar fazendo em Vancouver? O que aconteceu é que ela era a fotografa do “K Day” e foi tirar algumas fotos do Stanley Park, para a sugestão turística semanal do jornal. Foi a primeira sugestão internacional do jornal, um investimento que o Sr. Cooper se arriscou a fazer. Logo o Sr. Cooper foi informado que Thomas havia mentido e na verdade estava viajando pelo Canadá. Thomas quase foi demitido. Qual a possibilidade de isso acontecer? Thomas não quis calcular, mas queria saber. Era muita sacanagem. Enfim, quando ele voltou o cachorro ainda estava lá. Um alivio enorme surgiu dentro de Thomas. O cachorro veio correndo em direção ao carro abanando o rabo, parecia ser a criatura mais feliz do mundo. Assim que Thomas abriu a porta do carro o cachorro se jogou para dentro, lambia o rosto de Thomas e latia de felicidade sem parar. Depois de uns cinco quilômetros o cachorro começou a morder o assento do carro, Thomas o deixou novamente, mas dessa vez não voltou para buscá-lo.

            Talvez fosse essa insensibilidade que fazia com que as pessoas o odiassem. Mas ele duvidava. Era a junção de todas as coisas que fazia com o seu jeito de ser, só podia ser isso. É, definitivamente era isso. Mas ele não iria mudar por isso, sentia-se aliviado por apenas ligar para seus problemas e suas coisas. Mas isso estava prestes a mudar.


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