Kinkyuu! escrita por DecadentAristocracy


Capítulo 1
Sumimasen!




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Hoje eu me acordei e a primeira coisa que ouvi foi meu celular tocando freneticamente o sinal de SMS. Primeiramente foi aquele som distante, impertinente, que acabou me acordando e me deixando de mau humor. Depois, em menos de trinta segundos, ele tocou de novo. Sentei-me na minha cama, enrolado no edredom, e apalpei o criado-mudo em busca do meu celular.

Ouvi o alerta maldito mais uma vez. Vinha do outro lado. Rolei na cama para pegá-lo e, forçando os olhos, consegui ler ‘Oito mensagens recebidas — Kamijo’.

Oito mensagens? Nem sabia que Kamijo sabia mandar SMSs.

Mentira, ele sabia mandar sim. Mas não imaginava que ele poderia mandar quase três mensagens por minuto.

Abri minha caixa de mensagens de texto. Para minha surpresa, todas as oito mensagens — agora nove, contando a mais recente que meu celular anunciava no momento — continham a mesma mensagem.

Isso explicava a frequência com que meu celular estava tocando.

‘Hizaki, por favor, assim que ler essa mensagem venha até o meu apartamento. Urgente!’.

Mas que diabos poderia ser tão urgente?!

Selecionei nove das dez mensagens que agora ocupavam espaço na minha caixa de mensagens e as deletei, deixando apenas a mais recente. Respondi a ele que sairia de casa dentro de quinze minutos. Levantei-me, lavei o rosto e troquei de roupa sem conseguir pensar direito. Peguei meu casaco e saí correndo do meu apartamento quentinho e andei a passos largos pela rua gelada, às oito da manhã de um domingo.

Pelo menos meu celular parara de apitar com as mensagens frenéticas de Kamijo. Comprei um café na estação e peguei o metrô para o leste. Não havia acordado direito, e estava forçando os olhos para conseguir digitar uma mensagem para Kamijo, avisando que estava no metrô.

Em cinco minutos, desci na estação novamente e saí apressado em direção ao prédio onde Kamijo morava. Identifiquei-me na portaria e entrei no elevador, começando a preocupar-me conscientemente com o que poderia ser tão urgente para Kamijo.

Tudo bem que ele não precisava dormir, mas eu gostava de dormir. Principalmente no inverno. O que será que poderia ser tão urgente assim para ele não poder esperar um pouco?

Décimo segundo andar. Andei cegamente até a porta do seu apartamento e toquei a campainha.

Percebi que poderia ser um exagero da parte dele quando percebi que esperei três minutos para ele abrir a porta. Se fosse tão urgente quanto ele estava falando, eu não precisaria nem ter tocado a campainha — ele estaria esperando por mim na frente do elevador, com aquela cara de ‘Por que diabos você demorou tanto?!’.

Quando ele abriu a porta, eu me assustei.

Etto... Kamijo-san?

Ele estava enrolado em um edredom branco, grosso, com uma máscara — tipo essas que os dentistas usam — sobre o nariz e a boca. Seus olhos estavam inchados, como se tivesse chorado muito na noite passada, e seu cabelo...

Bom, o cabelo dele sempre está nesse estado deplorável, exceto quando temos shows.

— Hii-chan, entre — murmurou, puxando a porta.

Entrei, um pouco surpreso, olhando-o de canto de olho discretamente. Ele fechou a porta e puxou a máscara para baixo do queixo, mas não falou.

Etto... O que houve?

— Eu estou muito gripado — respondeu ele, de longe, dando a volta na sala para sentar-se no sofá.

Observei-o, curioso. Era isso a urgência dele?

— Ah, sim. Mas por que me chamou?

Ele olhou para mim, fungando um pouco. Pareceu ligeiramente irritado pela pergunta.

— Porque eu estou gripado — afirmou, como se aquilo fosse óbvio.

Sentei na poltrona em frente a ele, que se encolheu no sofá, puxando as cobertas para mais perto.

— Sim, estou vendo... O que quer que eu faça? — Perguntei, tentando ocultar o tom ranzinza em minha voz.

Kamijo parecia profundamente interessado na propaganda de sopa em pó que passava na TV.

— Não sei, não costumo ficar gripado com frequência — respondeu.

Balancei a cabeça, sentindo o sono me abandonar por inteiro e uma irritação inconveniente começar a se instalar em mim.

— Por curiosidade, Kamijo-san, quando foi a última vez que ficou gripado?

Ele franziu a testa, continuando a olhar para a TV.

— Gripado... Acho que há uns seis anos, ou mais.

Surpreendi-me, mas. Por um lado, até fazia sentido. Kamijo não ficava resfriado com frequência, mas  já acontecera. Porém, resfriados e gripes são bem diferentes.

Ele olhou para mim, parecendo profundamente irritado com a situação em que se encontrava.

— Hizaki, eu não consigo respirar — murmurou, irritado.

— Eu sei, quando eu pego resfriados eu fico assim também...

Eu não consigo dormir.

— Teru-chan vive gripado, Kamijo, e ele não faz tanto alarde quanto você.

Ele pareceu profundamente ofendido, ajeitando-se no sofá.

— Você e Teru são guitarristas — disse ele, como quem explica que um mais um são dois. — Vocês não precisam usar a voz, ao contrário de mim. Hoje eu acordei com tamanha dor de garganta que eu mal conseguia falar. Se eu fico gripado, não posso cantar, logo, nós não fazemos shows.

Agora foi a minha vez de me ajeitar na poltrona.

— Está insinuando que vai cancelar nossos shows? — Perguntei, estreitando os olhos.

— Estou, se você não fizer nada para me ajudar a respirar.

Virei os olhos para cima, suplicante.

— O quê eu posso fazer...?

— Hii-chan, você sabe o que é sentir muito frio e saber que o ar condicionado do seu apartamento está quase nos vinte e oito graus? Você sabe o que é não conseguir olhar para baixo porque parece que você vai cair de cara no chão? Você sabe o que é ter uma usina hidrelétrica no lugar do nariz?!

— Chega, Kamijo, já entendi — murmurei, irritado com o drama todo que ele fazia. — Eu vou comprar uns remédios para você, entendeu? Eu até pediria para você não sair de casa, mas sei que dificilmente vai conseguir levantar do sofá, então...

— Rios de coriza, maldição — resmungou, pegando um rolo de papel higiênico que descansava ao lado do sofá.

— É melhor botar essa máscara enquanto eu estiver no mesmo ambiente que você — alertei, indo em direção a porta.

— Como é que eu vou limpar o nariz, então?! — Perguntou, rosnando para mim.

— Enfie duas rolhas nas narinas, se for preciso. Já sei, vou comprar mais máscaras pra você — pronunciei indistintamente, pegando um papel na mesinha do telefone e anotando algumas coisas que julguei serem necessárias enquanto ele assoava o nariz. — Volto em dez minutos.

Ele jogou o rolo de papel higiênico no colo, derrotado, forçando a respiração pelo nariz avermelhado.

— Eu não vou levantar para abrir a porta — murmurou ele, com uma voz extremamente fanhosa.

— Ótimo. Onde está a chave? — Perguntei, vasculhando os bolsos do casaco preto pendurado ao lado da porta.

Ele começou a falar e espirrou, praguejando alguém até a nona geração enquanto enrolava papel mais que necessário na mão. Achei as chaves e saí do apartamento, descendo até o térreo e perguntando ao porteiro qual seria a farmácia mais próxima.

O céu estava cinzento e um vento teimoso insistia em levantar minha franja, sem falar que cortava meus lábios por causa do frio. A farmácia estava vazia, e comprei algumas coisas necessárias ali, como antitérmicos, spray desentupidor nasal, termômetro, spray para a garganta, máscaras cirúrgicas, chá de camomila, lenços umedecidos, lencinhos de papel, paracetamol, xaropes, etc.

Aproveitei a oportunidade e passei em um pequeno mercado para comprar os ingredientes para fazer uma sopa que minha mãe costumava fazer para mim quando ficava gripado.

E comprei também um urso panda com máscara cirúrgica e um termômetro, abraçado a uma almofadinha onde estava escrito ‘melhoras!’. Estava ansioso para entregá-lo a Kamijo e ver qual seria sua reação.

Voltei ao apartamento em quinze minutos e por um breve instante achei que Kamijo tivesse adormecido no sofá, mas sua cabeleira loira embaraçada moveu-se quando ouviu-me largar as sacolas para tirar os sapatos.

— Hii-chan, eu estou surdo — murmurou ele.

— Oh, é mesmo? Como foi que me ouviu chegando, então?

Lançou-me um olhar irritado por cima do ombro.

— O outro ouvido está bem.

Murmurei um ‘que bom’ e abri as sacolas, pegando o termômetro, lencinhos umedecidos e uma máscara. Aproximei-me dele, encolhido do mesmo jeito quando deixei o apartamento, e puxei o edredom quente.

— Mas que vergonha, um homem desse tamanho se rendendo por causa de uma gripezinha...

— Gripezinha, Hizaki! Se fosse você no meu lugar saberia pelo que estou passando.

— Claro, claro, bravo Kamijo — concordei, puxando a yukata que ele vestia para acomodar o termômetro em sua axila.

Eu não precisava do termômetro para notar que ele estava mesmo com febre.

— Aqui, limpe o nariz com isso. Vai assar seu nariz com o papel higiênico — entreguei-lhe os lencinhos umedecidos e catei as bolinhas de papel sujas. — Quando foi que percebeu que estava gripado?

— Ontem de noite. Comecei a espirrar várias vezes, mas achei que fosse por causa do ar condicionado.

Isso me fez lembrar de olhar para o ar condicionado da sala. Estava mesmo vinte e oito graus. Achei melhor não baixar a temperatura por enquanto, e tirei meu casaco. Fui para a cozinha e comecei a organizar as coisas para preparar a sopa.

— Apitou — disse Kamijo, de repente, na sala.

— Quanto está marcando? — Perguntei, colocando os remédios em ordem.

— 38,7°C.

— É, imaginei — murmurei, para mim, pegando o antitérmico e um copo com leite.

Ele parecia mais abatido quando eu voltei para a sala.

— Tome esse remédio. Está com dor de cabeça?

Ele franziu a testa, tomando o antitérmico. Assentiu discretamente depois.

— OK, espere um minuto.

— Meus olhos vão cair, Hii-chan...

— Não, não vão, Kamijo, pare com isso.

— Mas eles estão ardendo muito!

Suspirei, pegando uma máscara para mim e colocando-a. Aqueci a água para fazer o chá e calculei mais ou menos o horário para começar a fazer a sopa.

— Está com dor de garganta?

— Sim...

— Nariz congestionado?

— Sim...

Balancei a cabeça, levando os sprays e mais lencinhos para ele. Kamijo devolveu o termômetro para mim e começou a brincar de mudar os canais.

— Coloque esse no seu nariz, espere um pouco e assoe — expliquei, entregando o descongestionante nasal e os lencinhos.

— Mas e o meu ouvido? Está trancado, também — reclamou, um pouco manhoso.

— Boceje.

— Mas eu não estou com sono agora!

Uni as sobrancelhas, realmente me irritando.

— Não precisa ser agora.

Ele jogou a cabeça para trás, esperando o spray agir. Sentei-me ao seu lado, observando o que passava na TV enquanto esperava o efeito do antitérmico. Kamijo passou a assoar o nariz freneticamente depois de um tempo, e resmungar porque estava ficando surdo e eu não fazia nada a respeito.

— Não fungue desse jeito — repreendi.

— Ah, Hizaki...

— Coloque mais spray — interrompi, alcançando os lencinhos.

Passamos alguns minutos assim, até que eu levantei e preparei o chá. Ainda era cedo para a sopa, imaginei. Mandei Kamijo colocar o spray de garganta e dei um pouco de paracetamol a ele.

— Você precisa tomar banho — falei, indo ao banheiro.

Ele virou-se para mim no sofá.

— Eu estou fedendo?

— Você transpirou. Você está com febre. Ah, Kamijo, pare de fazer perguntas e faça o que eu estou mandando!

Abri o registro do chuveiro e mandei-o para baixo d’água. Ele reclamou da temperatura, dizendo que estava muito fria, e eu tive que ameaçá-lo para deixar como estava. Aproveitei a oportunidade para arrumar a cama dele e colocar as roupas que ele precisaria usar sobre a cama. Voltei à cozinha e comecei a preparar a sopa, cuidando o horário para o próximo remédio.

Estava distraído quando ouvi passos lentos e som de pingos d’água no assoalho. Corri da cozinha até o corredor.

— Kamijo! Não saia desse jeito do banheiro! Você está gripado, imbecil! — Berrei, empurrando-o de volta ao banheiro cerrado por vapor e atirei uma toalha para ele.

Pus as mãos na cabeça, voltando para a cozinha, agradecendo por Kamijo não ficar gripado com frequência.

Minutos depois ele voltou para a cozinha com outra yukata, pantufas e cabelo molhado, observando a panela que fervia a sopa.

— Isso vai ser meu almoço?

Nosso. Minha mãe costumava fazer essa sopa para mim quando eu ficava resfriado — expliquei.

Quando olhei de volta para Kamijo pareceu que seu cérebro havia parado de funcionar.

— Eu estou com sono — disse, numa voz arrastada.

— Que bom. Sente lá no sofá e veja como está sua febre — mandei, pegando as compressas de chá de camomila e colocando em um potinho.

— Eu quero chá também — pediu, fazendo o que eu estava mandando e indo para a sala.

— Não é para beber — resmunguei, agitado com a sopa.

Meio minuto depois ele estava de volta, com um lencinho de papel enfiado em cada narina. Ficou em volta de mim, parecendo não prestar atenção no que eu estava fazendo.

— Tire isso do seu nariz, está ridículo.

— Você disse que era para eu fazer isso. E mais, se eu tirar vai começar a escorrer coriza novamente — resmungou, parecendo subitamente mais desperto.

— EU não estava falando sério. E foi para isso que eu comprei aquele descongestionante nasal!

— Não precisa descongestionar essa bosta, já está escorrendo por livre e espontânea vontade!

— Você está conseguindo respirar pelo nariz? — Perguntei, fazendo minha melhor expressão de triunfo.

Ele me encarou, o semblante de quem havia achado a menor graça.

— Volta para a sala, Kamijo — sugeri, piscando o olho para ele com bom humor.

Ele foi, estranhamente submisso, resmungando algo sobre mim. Terminei de temperar a sopa e servi em duas tigelas fundas, levando para a sala em uma bandeja.

Kamijo agora estava deitado no sofá, olhando TV e apoiando a cabeça em uma das mãos. Arregalei os olhos, largando a bandeja sobre a mesinha ao lado do sofá.

— Você está nu sob a yukata?

Ele olhou para mim, indiferente.

— Sim.

— Onde está o seu respeito?!

— Ah, desculpe, não sabia que você havia finalmente virado mulher — respondeu, sarcástico.

— Vai se ferrar, Kamijo. Vista alguma coisa e sente direito antes que a sopa esfrie.

Na verdade, foi a minha sopa que esfriou primeiro. Tudo porque Kamijo não havia posto o termômetro e eu tive que providenciar tudo novamente. Ainda por cima, tive que convencê-lo de tomar a sopa, pensando em argumentos que pudessem fazê-lo mudar de ideia sobre não sentir o sabor mas pelo menos nutrir-se. Por fim, consegui tomar minha sopa e mover Kamijo do sofá para o quarto dele.

— 37,6°C. Precisa baixar um pouquinho mais. Vou trazer umas compressas de camomila para passar a ardência dos seus olhos, OK?

Recebi um espirro como resposta. Creio que quando cheguei à cozinha ele tenha me perguntado se aquilo realmente funcionava, mas estava preocupado vendo que horas ele deveria tomar o próximo antitérmico para responder.

Fui até o quarto levando as compressas frias, o kit e o pacote enfeitado onde o ursinho estava. Ele desviou o olhar da TV do quarto para mim quando viu o embrulho vermelho.

— Presente? — Perguntou, desconfiado. Eu sorri e deixei o embrulho sobre suas pernas, largando o kit sobre a cabeceira de sua cama e largando o pote com as compressas sobre o criado-mudo.

Kamijo desembrulhou o presente com curiosidade, abrindo-o por fim e observando o urso panda com surpresa.

— Que bonitinho! Obrigado.

Eu sorri discretamente, pensando enganadamente que ele fosse ficar irado com minha brincadeira.

Ele sentou-se, ajeitando o travesseiro nas suas costas e abraçando o ursinho. Agora sim, eu ri baixinho. Coloquei as compressas sobre os olhos dele e me afastei.

— Hii-chan, os lenços umedecidos estão aqui? — Perguntou, parecendo fazer um grande esforço para isso. Vi os lencinhos ao lado do sofá e disse-lhe que já os levaria. Lavei a louça e comecei a preparar um chá para nós dois.

— Aqui — entreguei-lhe o pacote, e ele tentou passar uma folha pelo nariz cegamente.

— O que quer fazer? — Perguntei.

— Minhas narinas estão assadas — respondeu, fanho.

Peguei o lencinho das mãos dele e passei pelo seu nariz, puxando mais duas folhas para umedecer bem o local. Ele abriu a boca para protestar.

— Eu não estou respirando.

— Respire pela boca — aconselhei.

— Minha garganta está seca.

— Ah, você é um chato!

Olhei para o kit de remédios que havia deixado sobre a cabeceira da cama dele e acabei percebendo que não havia nada útil ali. Kamijo segurou minha mão e com a outra tirou as compressas dos olhos, sentando-se na cama.

— O que é? — Perguntei, irritado.

Percebi que a boca dele estava rachada.

— Traga alguma coisa pra eu beber! — Disse, como se aquilo fosse óbvio.

— Eu estou ocupado!

Ele pegou os lenços umedecidos da minha mão e empurrou-me para fora da cama.

— Eu consigo enfiar esses no meu nariz, agora que posso enxergar.

Não é para enfiar no nariz...

— Vai lá, Hizaki.

— Não! Você está com febre! A sua boca está rachada — exclamei.

Ele olhou para mim com ceticismo.

— Não vou morrer enquanto espero você dar quatro passos até a cozinha e me trazer um copo de refrigerante, Hizaki.

Abri minha boca para protestar, mas desisti, indo até a cozinha e trazendo-lhe um pouco de água.

— Água? — Perguntou.

— Sim, não reclame.

— Reclamo, sim. Sabe que eu não estou sentindo gosto e...

— Exatamente, água não tem gosto!

Ele encarou-me sério.

Exatamente. Não tem nada pior para se beber quando gripado do que água. Parece que ela fica com gosto de gripe.

Agora foi a minha vez de encará-lo sério.

— Você está inventando tudo isso, seu mimado! — Acusei, estreitando os olhos.

— Não estou não! E não me chame de mimado, princesinha — resmungou, dessa vez com um sorriso de quem adora provocar os outros quando estão irritados.

Levantei-me no mesmo instante, pegando seu copo d’água e resistindo ao impulso de derramá-lo na sua cabeça. Voltei com duas xícaras de chá preto, para mim e para ele, e forcei-o a inclinar um pouco a cabeça para ficar com as compressas sobre os olhos. Aumentei o volume da televisão do seu quarto para que pudesse ouvir as notícias e sentei-me ao lado dele na cama.

Um tempo depois, percebi que ele estava tremendo.

— Ah, pelo amor, Kamijo, por que esta tremendo? — Perguntei, assustado.

— Meu cabelo está me deixando com frio.

— Por que você não o secou? Céus, Kamijo, por acaso acha que eu sou              quem? Sua mãe? Já estava preocupado com o almoço quando tive que te colocar embaixo do chuveiro, e desde então você não me deu uma folga sequer! Podia ter pelo menos secado o cabelo, não?

Ele ficou sério, puxando a yukata para cobrir o peito.

Suspirei, derrotado, trazendo a coberta que estava dobrada no sofá e cobrindo-o com ela, enquanto buscava uma toalha para secar os cabelos dele.

— Deu, pode tirar as compressas. E passe um lenço umedecido sobre os lábios para eles não ressecarem — mandei, verificando pela milésima vez a pequena farmácia sobre a cabeceira da cama.

— Não precisa, eu estou bem — disse ele, fazendo o que eu mandei, e sentando-se na cama.

— Então passe alguma base nos lábios, para depois não poder ficar reclamando que estão secos. Venha, apóie a cabeça aqui para eu poder secar seus cabelos.

Kamijo jogou as pernas para fora da cama, abraçado no edredom, e vasculhou alguma gaveta. Passou uma base nos lábios e então virou-se para ver onde eu pedira para ele deitar. Apoiou a cabeça sobre a toalha em minha coxa e ficou assistindo à TV enquanto eu esfregava os cabelos dele.

— Não é por querer que eu estou sendo chato, Hii-chan. Me desculpe — disse ele, de repente.

Emiti um som de compreensão, olhando para o relógio.

— É que eu realmente odeio ficar gripado, e não estou acostumado a isso. E você foi a primeira pessoa que me veio a cabeça quando acordei naquele estado...

Ele piscou lentamente e pegou o ursinho que eu havia lhe dado de presente, abraçando-o.

Me senti muito mal por não ter falado nada. Pigarreei e respirei fundo.

Etto... Me desculpe também se eu fui um pouco grosseiro com você. É que eu... Não estou acostumado a ter que ficar cuidando de ninguém.

Ele assentiu lentamente.

— Acho que estamos bem, então — concordou, sentando-se novamente.

— Seu cabelo ainda não está seco.

— Não precisa, estou bem assim — sorriu, ajeitando os fios com os dedos e puxando os travesseiros de forma a ficar confortável ali. Puxou um lencinho de papel e assoou o nariz.

Ficamos algum tempo em silêncio, depois de eu ter feito novamente um interrogatório sobre febre/dor de cabeça/congestão nasal/dor de garganta, e nós dois nos encolhemos sobre a cama, Kamijo quase dormindo e eu tentando manter-me acordado para ouvir uma reportagem.

Nee, Hii-chan... Obrigado — disse, virando a cabeça para mim.

— Ah... De nada — sorri de volta, sem esconder o quanto estava cansado. — Espero que esteja mesmo se sentindo melhor.

Ele olhou para o canto, pensativo, e sorriu.

— Seus esforços não foram em vão, bravo guerreiro.

Observei-o. Pelo jeito, estava certo. Seus olhos estavam menos inchados e um pouco menos vermelhos que hoje de manhã, e o mesmo eu podia afirmar sobre o nariz. Sua voz estava de volta e, pelo que parecia, a febre tinha ido embora.

— Agora descanse, você merece — disse ele, oferecendo parte do edredom para mim.

— Você também não dormiu noite passada — eu respondi, tentando parecer firme. Ele me observou daquele jeito como quem diz ‘não adianta mentir, eu te conheço bem’.

E confesso que não percebi quando peguei no sono. Minha última lembrança foi ter guardado o termômetro sobre a cabeceira e recolhido as xícaras e chá para a cozinha e a toalha de volta ao banheiro. Não sei como, quando percebi, encontrava-me esticado na cama de Kamijo, dividindo o cobertor, e com uma terrível coceira no nariz.

O sol já havia sumido quando eu acordei. O apartamento estava mergulhado num breu e as luzes ta TV lançavam formas indistintas nas paredes. Kamijo continuava ferrado no sono, os lábios secos e a respiração levemente ruidosa.

Acordei-o cuidadosamente para fazê-lo beber água, mas parece que ele não havia percebido que havia acordado e voltara a dormir imediatamente. Olhei bem para a cama, e depois olhei para o relógio. Cocei o olho, desanimado.

Nee, Kamijo-san, será que eu posso dormir no seu apartamento? — Sussurrei.

Ele gemeu baixinho, algo que parecia ser uma afirmação.

Etto... Vou pegar uma das suas calças de pijama e vestir, OK?

Kamijo moveu-se sob as cobertas, e eu espreitei até o armário para pegar uma das enormes calças dele e vesti-la antes de ficar com frio. Tirei o blusão, também, e deitei-me na cama de camiseta e calças de pijama largas. Aí sim que eu não me lembro de mais nada.

E quando eu acordei, dessa vez quase de manhã, Kamijo estava praticamente deitado por cima de mim, com um braço nas minhas costas e uma das pernas atirada por cima das minhas. Tentei me mover, sem sucesso, e senti uma pontada na cabeça ao fazê-lo.

— Ah, não.

Fechei os olhos, enfiando o rosto de volta no travesseiro. Sim, eu estava sentindo coceira nos ouvidos e agora meu nariz estava ardendo. Havia pegado um resfriado.

— Ah, não — gemi baixinho contra o travesseiro.

Respirei fundo enquanto ainda podia e puxei as cobertas para minhas pernas descobertas. Eu também detestava ficar gripado, mas, ainda assim... Talvez dessa vez eu possa me divertir um pouco e pedir a Kamijo para que cuide de mim.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado ヾ(@^▽^@)ノ

Reviews? (*゜▽゜ノノ゛☆