Ela estava morta há muito tempo e, de certa forma, ela sempre soube disso. Ela era responsável pela sua morte. E isso não é uma metáfora ou algum tipo idiota de culpa. Fora ela quem pegara a pistola e atirara contra a própria cabeça. Ela não conseguira se manter respirando. A cada expiração ela liberava ódio e depressão. Mas depois vinha o pior, quando ela inspirava tudo novamente. Ela sentia-se suja por respirar; ela sentia-se suja por cada batida de seu coração; ela sentia-se suja pelo sangue que corria em suas veias; ela sentia-se suja por cada pensamento; ela sentia-se suja por viver. Ela se cortava, eliminando o sangue sujo e contaminado que corria em suas veias; ela mergulhava a cabeça em baixo d’água, até sentir que sua cabeça iria explodir, e então ela era suficientemente covarde para emergir novamente; e, no final, ela fora ainda mais covarde e pegara a pistola de seu pai. Ela não tinha muita noção de como usá-la, mas sabia o ponto em que precisava acertar para não acordar em um hospital.

Embora ela sempre imaginasse uma cena bonita e com lágrimas, ela não conseguira chorar; seus olhos estavam secos e inexpressivos. Não tinha por que chorar. Não tinha por quem chorar.

Ela não conseguia imaginar como sua mãe lidaria com tamanha sujeira. Ela sorriu com a imagem de sua mãe tentando limpar o sangue, que estava por todo o lado. Talvez ela derrubasse o quarto, como sempre desejou. E então, com o sorriso no rosto, ela atirou.

A cama com lençóis cor-de-rosa e babados agora tinha um tom dramático de vermelho. Os lençóis escolhidos por sua mãe. As paredes rosas tinham respingos de sangue; a tinta escolhida por sua mãe. A escrivaninha, o computador, sua mochila e trabalhos de escola, tudo manchado com seu sangue contaminado. O painel de fotos, com várias imagens que lhe traziam lembranças desagradáveis, o espelho ao qual ela não gostava de olhar... Tudo tinha um tom muito mais bonito e dramático agora. Um pequeno post-it amarelo se destacava no quarto cor-de-rosa. Estava grudado na porta, com alguns respingos de sangue e dizia:

Desculpe pela sujeira e pela confusão.