Entre a Lâmina e o pincel

A família d'Auvergene é uma família nobre, porem simples. A criança da casa, uma linda menina de nome Cossette, dona de uma beleza digna de anjos. Uma perfeita boneca de porcelana viva. O orgulho de seus pais. Um presente divino.

Cossette é alegre, gentil, carinhosa... Qualidades essas que fez homens de toda a Europa virem pedir a mão da pequena em casamento e a família sempre recusar, por não achar adequado uma criança tão nova e pura cair nas mãos de homens que exporiam aquela beleza rara para o mundo por pura luxúria.

Marcelo Orlando, renomado pintor de quadros, foi convidado pela família d'Auvergene para que pintasse retratos de sua pequena Cossette. Marcelo aceitou o trabalho.

Cossette posava para ele, sempre sorrindo, usando vestidos típicos de uma princesa, tal como ela era. Marcelo passou tanto tempo com Cossette que acabou por se apaixonar por ela. Ele tomou coragem e pediu a mão da pequena em casamento. Os pais aceitaram, pois sabiam que ele não seria capaz de expor sua jóia ao mundo por pura futilidade. Cossette ficou radiante de felicidade, pois também amava Marcelo.

O tempo foi passando e Cossette crescia. Pequenas mudanças aconteciam, mas foram visíveis o suficiente para fazer Marcelo enlouquecer.

Como ele poderia continuar a pintar sua bonequinha amada e perfeita, se ela estava crescendo e se tornando uma mulher?

"Não. Isso não deve acontecer. Ela tem que ser assim, ter sua rara beleza e seu sorriso delicado para sempre!"

Foi assim que Marcelo pensou. Na calada da noite, ele pegou uma espada, invadiu a mansão d'Auvergene e, numa crise de fúria e loucura, atacou os residentes da mansão. Os empregados... Os pais de Cossette... Estavam todos mortos... Só faltava ela. Sua princesinha encantada.

Cossette estava em seu quarto, espremida contra a parede, chorando desesperada por ouvir os gritos de dor das pessoas de sua mansão sendo brutalmente assassinadas.

Marcelo adentrou no quarto, procurou Cossette. E lá estava ela, linda como sempre. Mais bela do que nunca, pois estava chorando. A pequena olhou nos olhos transbordantes de ódio de Marcelo, seu futuro marido.

-Marcelo... Por quê? - Cossette soluçou as palavras.

-Porque? Por que eu te amo Cossette!

Marcelo ergueu a espada, enquanto a outra mão marcava a pele alva do braço de Cossette.

-Marcelo, eu te amo!

Ele ouviu as últimas dóceis e tristes palavras da pequena d'Auvergene, fazendo seus olhos faíscarem em vermelho, olhando tão profundamente naqueles olhos azuis, tão brilhantes de lágrimas de pavor.

Cravou a espada no peito de sua amada. O sangue pintou as paredes de uma cor carmim vívido. Era um quadro de terror digno de um pintor renomado, como era Marcelo. Ele fugiu e deixou sua obra-prima de horror para trás.

Hoje Cossette tem sua alma aprisionada em um cálice, aguardando solitária e ansiosamente pela pessoa que a libertará de seu sofrimento.