Sho tinha-se instalado confortavelmente mesmo sem ter permissão, ao lado de Kyoko, o que irritou Ren já que ele tencionava ter aquele momento a sós com ela. Agora ele iria propor…

- Já que nos encontramos aqui podíamos comer e ir juntos para a reunião. – sugeriu Sho.

Era isso mesmo, pensou Ren imaginando que a sua paciência estava a ser testada sem sequer ter acordado completamente.

- Bem… - Kyoko suspirou profundamente e decidiu que, se dissesse que não, Ren iria pensar que ela continuava a ser a mesma miúda rancorosa de há dois anos atrás – Está bem. Porque não?

Ren queria gritar “O quê!?” mas não o fez. Em vez disso, sorriu e disse. – Sim, porque não?

Enquanto a comida ia sendo levada e trazida, os olhares que Ren e Sho trocavam intensificavam-se. Kyoko, que estava no meio dos dois, desistiu de tentar aliviar o ambiente e começou a escrever a canção quando a conversa “Eu agora conheço-a melhor do que tu” de Sho começou.

Ao olhar para trás, Ren achava que, o que tinha feito naquele momento não tinha sido o mais correto mas…ele estava mesmo a pedi-las. Por isso, pôs o cotovelo em cima da mesa, sugestivamente e, com um sorriso malévolo, tirou a sua metade do colar que trazia dentro da camisa e apontou-a em direção a Sho.

A reação dele foi mais do que compensadora. Com a boca aberta, ele olhava constantemente para o colar de Ren e para o colar de Kyoko.

- Forever Together? – murmurou Sho juntando as palavras dos dois corações. Mesmo antes de Kyoko levantar a cabeça do papel onde escrevia alegremente, Ren endireitou-se e guardou o colar no mesmo lugar – Foste tu que lhe deste, Tsuruga? Aposto que usaste um esquema qualquer como “Vamos ficar juntos para sempre como kouhai e sempai”, certo?

- Do que é que estão a falar? – perguntou Kyoko um bocado confusa e irritada por Sho a ter interrompido. A gravadora tinha-lhe pedido para escrever duas músicas novas e aquela ainda era a primeira…e agora ainda tinha o novo filme. Ela olhou para Sho e percebeu que ele estava a falar do colar e respondeu sem pensar – Ele não usou esquema nenhum. – absorta na música, novamente, Kyoko não devia ter continuado a falar – Na altura namorávamos secretamente.

Agora não era só Sho que estava de boca aberta. Ren e a Akemi – que tinha acabado de entrar com mais comida – imitaram o Sho perfeitamente mas Kyoko continuava a escrever, abanando ligeiramente a cabeça conforme ia imaginando a música para a letra.

Akemi recompôs-se imediatamente pelo bem do seu emprego. Afinal, se fosse despedida ia ter que seguir a vontade do seu pai e, isso, era inaceitável.

- Isso não era só uma montagem? – perguntou Sho referindo-se à fotografia que tinha sido levada a tribunal, com o par ao seu lado a dar um beijo. Já que Sho não tinha assistido à sessão no tribunal e só as informações necessárias tinham sido libertadas para a imprensa, ele não sabia o que realmente tinha acontecido – Disseram que era só uma montagem!

Com um suspiro satisfeito, Kyoko fechou o bloco e murmurou “Agora só falta uma” para si mesma. Depois olhou em volta e viu as expressões e Akemi que tentava manter-se imparcial.

- O que é que se passa? – perguntou Kyoko fazendo com que Ren levasse uma mão à cara e abanasse a cabeça imediatamente.

- Tu beijaste o Tsuruga!? – perguntou Sho com uma veia salientada na testa.

-Só uma vez… – Kyoko ia adicionar “desde que ele chegou” mas Ren conseguiu tapar-lhe a boca a tempo.

- Estás bem!? – gritou Ren – Toma atenção ao que estás a dizer, por favor! E a quem está na sala!

Kyoko olhou outra vez e viu Akemi em frente deles com um sorriso nervoso.

- Oh, desculpa, Shimizu-san. – pediu Kyoko depois de afastar a mão de Ren – Deve ser desconfortável ouvir isto de outras pessoas.

- Não, por favor, estejam à vontade. – disse Akemi fazendo uma vénia – Posso trazer-vos mais alguma coisa?

- Sim, a conta, por favor. – respondeu Ren estafado – Se não sairmos já, vamos chegar atrasados.

- Somos as estrelas principais. – lembrou Sho pondo as mãos atrás da cabeça – O que é que tem se chegarmos um bocado atrasados?

- O Ren nunca chega atrasado! – disse Kyoko depois de dar um estalo na cabeça de Sho – NUNCA!

- Está bem. Está bem! – Sho conformou-se e levantou-se enquanto Ren tirava dinheiro da carteira. Toda a gente achava que o ator Ren Tsuruga era um máximo e “tão” famoso mas ele continuava a trazer o próprio dinheiro consigo e nenhum guarda à vista. Depois de ter tido conhecimento da sua vida anterior como Kuon, Sho não tinha duvidas que ele conseguiria defender-se se o tentassem roubar mas, mesmo assim…ele era apenas uma celebridade enfadonha com uma queda para a perfeição.

Mais nada.

…

A viajem de carro tinha sido constrangedor…para Sho que ia no banco de trás.

Kyoko e Ren iam a falar seriamente sobre o filme e as personagens que iam interpretar. Como ainda não tinham os guiões, especulavam e esquematizavam maneiras para entrarem na personagem e começarem a memorizar as falas, logo depois de recebe-los.

Sho achava que era aquela a diferença entre cantores e atores. As ligações que se faziam entre atores durante os trabalhos – fossem de ódio, amizade ou amor – era de alguma maneira, mais profunda do que dois cantores a criarem uma música juntos.

Kyoko tinha sido uma atriz para começar e, Sho achava que, mesmo que agora fosse cantora, nunca seria mais do que uma atriz com uma boa voz na mente dela.

- A princesa vai ser mais difícil de representar. – comentou Ren – O rei deve ser uma daquelas personagens que estica o braço e tem as raparigas que quiser.

Kyoko riu-se. – Exatamente como tu.

- Estava a pensar juntarmo-nos em minha casa para criarmos as personagens, como já fizemos antes. – disse Ren – Mas a tua mãe podia descobrir e…

- Eu sei. – disse Kyoko – Porque é que não assaltamos a casa do Brian por uma noite?

Criar a personagem com Ren tinha-se tornado um hábito para ela e, Kyoko gostava de pensar que também se tinha tornado um hábito para ele. Apesar de achar difícil que um ator como Ren precisasse de ajuda para entrar num personagem.

- Ainda não estamos atrasados. – disse Kyoko ao ver a cara preocupada de Ren quando chegou lá e quase já não haviam lugares para estacionar – Ainda temos dez minutos.

Mas os três agentes das respetivas estrelas já estavam a entrar em pânico à entrada do estúdio. A agente de Sho quase suspirou de alivio quando viu que ele estava com Ren.

- O que é que estás a fazer!? – perguntou Yashiro quando Ren se aproximou. Tinha que admitir que estava contente por ele ter trazido a Kyoko mas, mesmo assim… – Quase chegavas atrasado!

- Sim, e tu também, Sho! – disse Shoko, imitando Yashiro, mesmo sabendo que não valia de nada estar-lhe a dar aquele sermão – Tens que tomar cuidado!

Tora limitou-se a sorrir e a encolher os ombros. – Se chagasses um bocado atrasada eu encobria-te. Não te preocupes.

Enquanto Kyoko e Ren se vergavam para se desculparem aos agentes, Sho passou por Shoko sem dizer nada e entrou na sala cheia de atores, agentes e técnicos de vários tipos.

- Tenho uma das músicas. – disse Kyoko depois de se levantar, esticando o papel para Tora que sorriu imediatamente.

- Mas que bem. – comentou Tora e depois falou mais alto para Ren ouvir bem – Finalmente temos uma balada depois de dois anos sem nenhuma!

Ren revirou os olhos e depois endireitou-se também. – O diretor já chegou?

- Não. – respondeu Yashiro – Mas os outros atores já chegaram. Querem ir conviver? Provavelmente vão passar aqui o dia inteiro.

Nem foi preciso perguntar duas vezes.

Kyoko irrompeu pela sala a dentro e, com dois olhares rápidos, encontrou as amigas e foi até ela, distribuindo abraços e beijos.

Aquilo era demasiado fácil, pensou Ren. Ainda na noite passada tinha chegado e ela estava chateada com ele e agora já estava tudo bem? Era impossível.

- Às vezes as mulheres têm medo de perder a pessoa que amam, outra vez. – habituada a ler os pensamentos de Sho, Shoko respondeu aos de Ren – Às vezes têm tanto medo que preferem não falar do que o levou a partir, para longe dela. Por isso agem como se nada tivesse acontecido e deixam andar.

Mas isso era mau. Ren sabia-o mesmo sem Shoko o dizer. Com respeito, Ren fez uma vénia e surpreendeu Shoko.

- Muito obrigado, Aki-san. – agradeceu Ren endireitando-se depois – Prometo que vou resolver isso. Obrigado pelo conselho.

Colocando um sorriso na cara, Ren entrou e começou a cumprimentar pessoas.

- Tem um rapaz tão bom. – comentou Shoko para Yashiro, sorrindo tristemente ao lembrar-se que Sho nunca tinha-lhe agradecido daquela maneira – Espero que ele continue a ter sucesso.

- Agradecemos. – disse Yashiro falando também por Ren – Mas aposto que vocês também vão ser muito bem…

- O diretor vem aí. – avisou Tora  antes de entrar – É melhor entrar-mos.

…

Hayashi não era um homem muito bonito, não era um homem muito simpático mas era bastante criativo e perfecionista. Isso eram coisas que as pessoas que trabalhavam com ele deviam saber mas, sobretudo…

Hayashi não era um homem muito paciente. Por isso, quando se via rodeado por vários atores jovens era, na maior parte das vezes, com prazer que tinha Ren entre eles para os acalmar e manter o silêncio.

No entanto, aquela não era uma dessas vezes e os dentes de Hayashi estava, a começar a ranger. Para além de todos os outros murmurinhos, o que o incomodava mais eram aqueles dois.

Kyoko e Ren tinham-se sentado lado a lado e estavam a conversar e a rir com Chiori e Kanae que se encontravam na fila da frente e ocasionalmente viravam-se para trás.

- Sou invisível!? – gritou Hayashi, instalando o silêncio na sala – Ou será que vim parar a uma escola primária!?

Mais ninguém ia falar, pensou Hayashi. Bem, era verdade que o silêncio manteve-se mas não totalmente. Com vontade de se portar mal pela primeira vez desde que criara o perfeito Tsuruga Ren, ele deslizou suavemente uma mão até chegar à mão que Kyoko tinha pousada no colo, chamando-lhe a atenção.

- O que é que estás a fazer? – sussurrou Kyoko olhando de lado para ele.

Sorrateiramente, Ren baixou-se e aproximou os lábios do ouvido dela para sussurrar alguma coisa que a fez rir. Aproveitando o fato de ela estar concentrada em conter o riso, Ren aproveitou e entrelaçou os dedos nos dela, sem ela perceber.

Satisfeito, sorriu e recostou-se na cadeira, imaginando o que é que ela pensaria quando descobrisse que tinham as mãos dadas.

Kyoko sucedeu em conter o sorriso da piada estúpida de Ren e foi quando estava pronta a voltar ao diretor que viu a mão de Ren, confortavelmente pousada no seu colo, entre os seus dedos. Com cuidado, ela tentou libertar a mão, mas ele não a largou.

Sabia que, se olhasse para ele iria corar e chamar a atenção por isso, e já que ninguém parecia ter notado, ela decidiu deixar as mãos assim, por enquanto.

- Perceberam? – perguntou a assistente do diretor passando os guiões – Se tiverem alguma dúvida basta contactarem-me.

- Daqui a trinta minutos quero os três protagonistas na minha sala para a entrevista dos dois novos atores que querem entrar no meu filme. – disse Hayashi que tinha reparado há muito em Ren e Kyoko – Sem mãos dadas, por favor!

Kyoko corou imediatamente e arrancou a mão da de Ren dando mais nas vistas do que daria se tivesse continuado quieta.

Mal o diretor saiu da sala, os comentários e os parabéns começaram.

“Não sabia que estavam juntos” diziam uns. “Que inveja” diziam outras. Tudo o que veio a seguir a isso foi uma variação das duas primeiras o que estava a esgotar a paciência a Kyoko.

- Sim…sim! – gritou Kyoko para que todos ouvissem – Eu gosto dele e ele gosta de mim mas não namoramos! Agora vão fazer outras coisas!

Enquanto umas pessoas encolhiam ombros e afastavam-se a pensar o que ela quereria dizer com aquilo, as pessoas mais próximas de Kyoko como Momose e Chiori riam-se. Kanae abanava a cabeça em desaprovação mas não fez mais nada. Desde que tinha conhecido James tinha aprendido que, meter-se no meio de duas pessoas apaixonadas, mesmo com boas intenções, podia piorar as coisas.

Miranda, que tinha chegado mesmo a tempo de ouvir o anuncio de Kyoko, não podia concordar mais.