Seu nome é Luísa.

Tem 17 anos, cabelos pretos levemente encaracolados e olhos verdes e expressivos.

Mora no Rio de Janeiro, no ano de 1947.

Mora em uma pequena vila, onde todos se conhecem. Como em toda vila, há uma padaria, e em sua vila não é diferente. Seu pai é o dono da padaria, e ela entrega os pães todos os dias nas casas dos clientes mais assíduos, assim como o Sr Ernesto, boticário, o Sr Darcy, açougueiro, o Sr Benedito, alfaiate, e até o Dr. Cristóvão, o médico da cidade.

Assim como todas as meninas da idade de Luísa, ela tem amigas. Não verdadeiras amigas, mas elas quebram o galho. Daquele tipo de amigas que se vêem esporadicamente e quando se cruzam na rua apenas fazem m gesto com a mão ou com a cabeça. Luísa não tem amigas. Luísa tem conhecidas. Mas mesmo assim, quando alguma delas decide fazer uma reunião social, o bom gosto moral e social as obriga a convidar todas as meninas da vila, incluindo Luísa, a mais distante de todas.

Mas naquele dia, uma ocasião maior do que apenas o desejo de rever os conhecidos motivou Flora, a filha do Sr Darcy, o açougueiro, a dar uma festinha: Havia se tornado noiva, e desejava compartilhar (fazer inveja, na verdade) esta gloriosa notícia entre suas “amigas”.

E assim se deu. E no dia combinado, Luísa estava lá, com seu vestido novo verde, de organza, seu par de luvas habitual, e seu sapato de festa marrom. Foi recebida da maneira de sempre, com beijinhos, “como vão seus pais?” e etc., mas uma coisa em especial lhe chamou a atenção:

A alegria e o fascínio daquelas meninas ao redor da anfitriã, perguntando-lhe como fora o pedido de casamento em detalhes, e suspirando a cada vírgula da narração encantada da jovem consorte.

Ao longe, viu a mãe da garota com suas amigas da mesma faixa etária, igualmente suspirando por estar realizando o sonho da filha, de ter um bom casamento, e as amigas perguntavam onde, como e quando seria a festa.

E só Luísa, ali, alheia a tudo aquilo, sem o mínimo interesse em saber coisa alguma, quando vê alguém se aproximando:

-oi, Luísa- era D. Carlota, a tia da noiva, uma mulher de uns trinta e muitos anos, bem apessoada e sempre preocupada com todos, mas havia passado por  um divórcio recentemente e se viu obrigada a se mudar para a casa da irmã mais velha, por pouco tempo, já que não era bem vista pela vila por ser divorciada.

-Oi, D. Carlota, tudo bem?

-Comigo, tudo, meu bem, só não parece estar tudo bem com você

-Ah, imagina, impressão sua, eu estou ótima! E esta festa está fantástica... -riu falsamente

-Bom, então porque não se junta às suas amigas?- Perguntou, desconfiada

-Não... é...porque...- balbuciou, tentando inventar alguma desculpa decente

-Você não quer saber como foi?- Presumiu D. Carlota

-Na verdade, não.

-Você não gostaria de estar no lugar dela?

-Sinceramente?

D Carlota sorriu de um jeito que Luísa nunca vira antes naquela mulher. Era um sorriso de aprovação naquele rosto sempre tão frio e inexpressivo pelo sofrimento social ao qual estava acostumada. Mas não disse uma palavra sequer. Virou as costas e foi embora, deixando Luísa confusa.

Ao chegar em casa aquele dia, sua mãe a encheu de perguntas, tais como “como foi?”, “quem estava lá?”, “ela estava radiante?”, e afirmações tais como “Ah, quando eu estava noiva...”, “a minha festa foi...”, e para cada pergunta Luísa só respondia “Não sei como foi o pedido, mãe”, “bom, muito bom”, “é, muito feliz...”, “Tava de branco, sim”...e para cada afirmação só dizia “hum, que beleza,”, “é mesmo?”, “Jura?”, “que ótimo!”,  sem um pingo de animação.

Sua mãe, ao perceber isso, tratou de se retirar do quarto da filha, achando que Luísa precisava dormir.

 Mas não era esse o problema. Luísa estava inculcada com algo. Algo que a atormentaria até a noite seguinte.