[Narrador Mode-On]

Tom chega por trás e senta do lado de Alicia, que estava segurando um pote de sorvete pela metade e olhando para ele derretendo, parecendo não se importar com isso. Quando ela notou a presença dele, sorriu de lado sem desfixar os olhos do pote.

– Horário um tanto estranho para tomar sorvete numa praça, não acha? – ele quebra o silêncio.

– Estranho é você estar na rua à essa hora, sozinho... – ela rebate.

Tom entendeu o que ela quis dizer e ficou envergonhado. Será que ela jamais perderia essa visão sobre ele?

– O que houve? – ele desconversa. – Imaginei que ainda estaria junto com Bill.

– Ela foi embora eram quase três da manhã. Não consegui dormir e vim prá cá. – ela faz uma pausa melancólica. – Precisava pensar...

– Pensar em quê? – questiona.

– Bruno voltou, Tom. – ela diz, sem rodeios. – Apareceu na porta da minha casa hoje, no meio do jantar... – ela solta o ar com força. – E-eu... Eu não esperava...

O guitarrista estremeceu. Seu coração disparou e suas mãos gelaram. Além do cantor, agora Bruno surge para atrapalhar? Era só o que faltava! O que aquele babaca queria, afinal?

– Não entendo qual é a dele...

– Ele quer conversar. Parece até que adivinhou que eu e o cantor não estamos mais juntos. – lamenta.

Tom não sabia que ambos haviam terminado. Mas agora, isso não importava mais. Bruno era o problema. Ele não voaria do Brasil até aqui atoa. Era mais do que claro que queria reatar com Alicia e isso o preocupava muito.

– Estou tão confusa... Parece que uma avalanche do passado passou por mim e fecharam a única porta que iluminava a minha mente. – ela continua. – Acho que me blindei de tudo e de todos, mas ainda assim eu não consegui livrar o peso das minhas costas. Não fui suficiente com as pessoas e nem me esforcei para ser. Sempre priorizei coisas que não devia e mesmo sabendo disso, não fiz nada para mudar. Nem um esforço sequer. Me coloquei em primeiro lugar desde o início e isso foi um erro. Deixei muita coisa para trás e a maioria delas não voltarão.

Não era só de Bruno que ela falava. O gêmeo ouvia tudo atentamente, mesmo assim com medo do rumo que ela poderia tomar.

– Esse é um dos preços que pagamos pela profissão que temos... Não é culpa sua e sim das circunstâncias. – ele tenta consolá-la. – Ninguém passou por tudo que passamos para chegar até onde chegamos e nem precisou tomar várias decisões difíceis.

– Decisões são fáceis. Viver com as consequências é a parte difícil, que está me matando. – diz, chateada. - Será que eu sou boa mesmo? Será que sou boa pessoa? Será que fiz as coisas certas? Será que fiz as escolhas que devia ter feito? Eu não sei!

– Alicia, lógico que você é! E se você tem que mostrar isso ou qualquer outra coisa pra alguém, é pra você mesma! Você é forte e vai conseguir se superar tudo isso que te incomoda. Pesos desnecessários causam sempre dores desnecessárias.

Tom não conseguia entender porque ela se sentia assim. Era triste pensar que na realidade ela não se via da mesma forma que ele a via. Não há nada que ele mudaria nela. Jamais pediria isso. Era incrível do jeito que é. Ele começou a criar sentimentos justamente por isso.

Ele pensou em contar a ela o que estava sentindo, mas ficou sem jeito ao pensar que essa não seria um bom momento para isso. Se sentia um idiota quando se tratava de demonstrar esse sentimento.

– Chega de mentiras... Chega de tentar esconder as coisas, não quero mais isso para mim. Só me fez mal todo esse tempo e eu não aguento mais!

– Do que você está falando?

– Bill já sabe, mas você ainda não. Eu e Bruno brigamos por causa de vocês e não só pelo fato de que recusei o pedido dele de casamento. Ele cismou que eu não queria casar porque estava traindo-o com seu irmão e não acreditou em mim. Mas, agora, por um lado eu meio que o entendo...

– Nossa, que babaca... – o guitarrista, perplexo, solta sem querer.

– Me desculpe ter escondido isso de vocês... Não queria que se sentissem culpados por causa disso.

– Não tem com o que se desculpar, você agiu da forma que achou melhor.

Quando ele toma coragem e decide contar o quanto ela mexe com ele, ela o corta.

– Fico pensando se – suspira forte. - às vezes eu posso tentar recuperar aos poucos o tempo perdido... Cansei de fazer tudo errado! Vou consertar o que deixei para trás, é isso que eu preciso fazer.

Tom sabia exatamente o que isso significava e não gostou nem um pouco. Era melhor ela continuar não sabendo de nada.

***

– Tom, mas que demora! – Bill dispara ao vê-lo chegar em casa. – estou desde que cheguei te esperando, você não atendia o celular! – ele continua. – Você não sabe o que aconteceu no jantar! Meu Deus, estou até agora sem acreditar nisso!

– Eu estava com Alicia, Bill. – diz, murcho. – E ela me contou tudo o que houve.

– Como assim estava com ela? – ele pergunta, confuso. – Me conta isso direito!

– Eu a vi sentada na praça perto de sua casa, quando estava vindo embora. Então parei o carro e fui até ela. Fiquei preocupado pelo fato de estar lá sozinha uma hora daquelas.

– Mas como ela estava? Chorando? Ai Jesus! Não devia tê-la deixado! Que burro que eu sou, que amigo idiota! Ela devia estar devastada, coitada. – ele fica desesperado.

– Eu nunca a vi assim... Estava estranha, parece que se sentia completamente diminuída e isso acabou comigo. – ele fecha os olhos, chateado. – Eu até tentei contar tudo para ela, mas não adiantaria nada.

– Por que não?

– Ela decidiu dar uma segunda chance ao Bruno.

Bill fica completamente sem palavras. Não acreditava no que o irmão havia acabado de falar. Não acreditava na decisão da amiga.

– Acabou para mim, Bill. Eu desisto de verdade. Não há mais nada que eu possa fazer. Ela está completamente decidida a tentar recuperar tudo o que deixou em falta com Bruno e eu não posso competir com isso. Estou esgotado, para mim já deu.

[Narrador Mode-Off]