Coroa de prata escrita por Eleanor Blake


Capítulo 9
Olhos,bonecas e muros.




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A noite caía pesada e eu ainda estava lá. Soltei-me da pequena boneca e com alguma dificuldade eu me pus em pé e fui até uma das grandes paredes repletas de livros e comecei a procurar por algum título que me interessasse. 

A porta se abriu trazendo o vento frio e com ele a velha bruxa, Nelli estava ali.

—O lugar é incrível não é?- ela disse olhando em volta.

Continuei procurando um livro e ignorando sua presença até que ela foi até a boneca e a pegou nas mãos.

—Bela boneca, igual a você- ela disse alisando os cabelos da boneca.

Franzi a testa e a velha sorriu de lado, algo conhecido crepitava em seus olhos. Parei mais atentamente pra observá-la e meu peito doeu quando vi muito de minha mãe nela.

—Marrine é minha irmã- ela murmurou.

Minha cabeça latejou, meus olhos marejaram e eu me sentia em queda livre em direção ao inferno olhando praquela mulher. Saí em disparada do quarto sem rumo nenhum, Só queria que a dor parasse.

Cheguei até o jardim e fui adiante, entrando mais fundo e indo pro ponto mais escuro do lugar, talvez horas depois, eu me deparei com uma parede chapiscada de cimento e pedra.

Juntei as forças que me restavam e escalei o muro até poder olhar o outro lado.

Fora daqueles portões eu me vi num mundo conhecido, numa cidade normal do século xxi como qualquer outra, num bairro nobre. Pulei o muro e caí num baque surdo sob minhas pernas e me pus discretamente a andar pelas sombras.

Lágrimas despencavam de meus olhos ao sentir mais uma vez a liberdade, e a sentir de novo o medo, a sensação de estar longe de casa, longe da minha mãe.

Depois de algum tempo comecei a andar segurando a barra do vestido e desfiz a trança que prendiam meus cabelos enquanto uma luz baça invadia meus olhos. Uma doceria antiga estava a minha frente enquanto eu ouvia grandes portões se abrindo.

A essa hora acho que já tinham percebido que eu estava fora dos portões do inferno.

Entrei na pequena doceria e uma velha senhora me deu um sorriso acolhedor em troca. Respirei fundo e fui até uma mesa afastada jogando os cabelos por cima do rosto. A mulher apareceu em segundos com uma xícara de chá nas mãos.

—Desculpe senhora, mais creio que não tenho dinheiro. Permitiria-me passar algum tempo aqui?- eu perguntei encarando o chão.

Senti sua mão quente pairar sob a minha e olhei pra cima. Ali um discreto e franco sorriso estava estampado, e o que pude fazer foi sorrir de volta enquanto ela assentia.

—Meu nome é Camil. Pode ficar aqui se quiser, mas não pode recusar meu chá- ela disse divertida.

Sorri mais abertamente e peguei a xícara de chá bebericando algum tipo de chá de frutas. Era bom, talvez com muito açúcar, porém muito bom.

—Conte-me mocinha, quem é e de onde veio?- ela perguntou sentando-se na minha frente.

Suspirei pesadamente e encontrei seus olhos. Humildes, verdadeiros e acolhedores me preparando pra responder, até que alguém entrou na doceria quase sem ruído.

—A cozinha é atrás do balcão,vá,esconda-se lá- ela sussurrou.

Assenti assustada e fiz de meus cabelos uma longa cortina escondendo meu rosto. Entrei na pequena cozinha e fiquei observando por um pequeno buraco na parede que David tinha entrado e no mínimo, por sua expressão, ele procurava por mim.

—Boa noite senhor, como devo ajudá-lo?- ela disse calorosa.

David tirou de seu bolso um desenho feito em pergaminho. Não pude deixar de notar o quanto ele ficava lindo em um jeans e all stars, e por cima de seu peito uma camisa branca de mangas aberta em v.

—Procuro por esta senhorita, ela é do castelo e o rei está a sua procura- ele disse olhando em volta- Você a viu senhora? é importante que eu a leve de volta antes que ela encontre problemas e me traga mais problemas ainda.

—Não entendo por que procuras alguém que fugiu, já que se fugiu provavelmente não quer ficar lá, porém não vi essa senhorita que o desenho mostra- ela disse sem pestanejar.

David franziu a testa e olhou uma última vez em volta antes de deixar a doceria. A velha senhora sentou-se de volta na cadeira e se pôs a tomar o chá que eu beberiquei. Respirei fundo e voltei até ela corada como um tomate.

—Por que se envergonha de querer tua liberdade?Senta-te aqui- ela disse apontando pra cadeira.

—Bem... Na verdade não há vergonha, porém não gosto de ser tratada como fugitiva. Não é justo- eu murmurei encarando meus dedos.

—Então fique aqui, durma na cozinha essa noite e parta ao amanhecer, ou fique comigo se quiser. Não tenho luxos como no castelo, mais tenho muito trabalho e alegria- ele propôs.

Respirei fundo enquanto mais um cavalo passava a galope por mim. Eu não era uma fugitiva, não tinha por que fugir, mais queria voltar pra casa, queria motivos pra sorrir mais uma vez.

—Desculpe por te fazer mentir, mas tenho que voltar.

Pus-me em pé e saí discretamente pela porta e voltei até as sombras dos muros e ali com um pouco mais de dificuldade escalei até estar dentro do jardim mais uma vez. Suspirei pesadamente e refiz meus passos até sentir alguém por perto. Olhei pra cima e o garoto da boneca me olhava sorridente enquanto descia da árvore.

—Tem noção do que fez essa noite?- ele perguntou jogando seu casaco por cima de meus ombros gelados.

—Tenho sim, só por uma noite eu fui livre.

—E então por que voltou?- ele perguntou me aninhando em seu peito.

—Por que não quero ser uma fugitiva, eu sempre perdia em jogos de esconder- eu admiti.

Voltamos até o jardim e nos sentamos num banco de mogno cercado de rosas brancas. O garoto me puxou em seus braços até que eu estivesse em seu colo e sorriu pra mim enquanto eu bocejava.

—Qual é seu nome?- eu perguntei inalando seu perfume.

—Não deveria te dizer- ele disse sorrindo de lado.

—E por que não senhor?

—Por que nosso pai ainda estava te preparando pra me conhecer, mas eu queria muito te ver meu amor. Sou Nataniel, seu irmão.

Olhei em seus grandes olhos azuis enquanto ele tirava alguma coisa de sua bolsa. Em suas mãos estava à boneca que ele tinha me dado.

—Acho que se esqueceu dela na biblioteca- ele disse entregando-a a mim.

Sorri de lado e me levantei de seu colo segurando a boneca.

—Então boa noite Nataniel; esperarei até o dia em que poderei conhecer você.

 


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