Coroa de prata escrita por Eleanor Blake


Capítulo 22
Correntes e pedras frias


Notas iniciais do capítulo

Aviso: Esse capítulo não foi feito de forma alguma voltado ao romance ou bondade



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Silêncio

Gélido,mortal e excruciante corria por dentro de mim como o veneno da serpente que se enrolava em meu estomago.

Abracei as pernas sentindo a seda macia das colchas tocando meus cotovelos e fixei meu olhar na porta,por mais que independentemente do que eu tentasse eles me arrastariam e quem sabe pra que.

Poderiam me chicotear,me matar,me confinar pela eternidade.

Mas de uma coisa eu sabia:

Eu não seria mais um peão nesse jogo nem que isso custasse meu último suspiro.

E depois de horas a fio eu ouvi a comoção.

O som de um uníssono de botas contra o chão chegava até minha porta enquanto o peso das minhas decisões pairava pesadamente no ar tão denso que eu poderia cortá-lo com uma faca.

Respirei pesadamente esperando o impacto de qualquer coisa que viesse,de uma saraivada de tiros,de gritos,de uma tora arrombando a porta e partindo tudo em mim pedaços.

—Sua majestade o rei exige a vossa presença minha lady.

A voz de Dario ecoava pelos corredores enquanto o som de correntes tilintava sob o chão de pedra.

Fechei o cenho encarando meus dedos e me afastei até a grande cabeceira da cama.

—Não tenho o que dizer a vossa majestade o rei no momento e não estou disposta a ouvir o que quer que seja.Por favor se retirem daqui - eu disse o mais firme que pude.

Antes de tudo acontecer eu ouvi o suspiro exasperado de David e o grunhido de Maggie.

Como uma força de destruição os soldados passaram a empurrar a precária barricada que eu tinha montado até que como o mar vermelho a porta se abriu e tudo começou.

Sem uma única palavra,aqueles que agradeciam a mim poucas horas antes,agora me puxavam pelos braços e em torno de meus pulsos os grilhões das correntes se fechavam.

Arfei sentindo o peso do aço e busquei os olhos de David que evitaram os meus enquanto minhas botas se arrastavam pelos corredores até chegar a pesada porta do salão de guerra.

Como um trapo velho eu fui jogada de joelhos diante dos pés do rei.

—Te demos tudo,tivemos paciencia e buscamos ser o mais amorosos possível com voce mas mesmo assim voce teve a ingratidão de insinuar que renega a sua coroa?- a voz dele era baixa,mas silvava ecoando pelas paredes de pedra,tão ameaçadoras que eu jurava que os velhos escudos pendurados nas paredes tremiam.

Tentei controlar meu coração frenético me conformando com o fato de que não havia mais nada a perder.

Meus olhos finalmente encontraram o fogo ardente dos do rei enquanto eu me colocava em pé mostrando as correntes presas a mim a todos ao redor.

—Uma gaiola mesmo dourada não deixa de ser uma prisão.

Jenna levava as mãos a boca,arfando entre lágrimas,David trincava os dentes tão firmes como se fossem quebrar e Maggie encarava o chão como se quisesse abrir um buraco pra fugir.

Como um leão atacando sua presa o rei saltou sobre mim agarrando meus cabelos e me arrastando silenciosamente pelos corredores até que tudo ficava mais frio,as pedras mais úmidas e o lugar menos amigável.

Passamos por tantos portões quanto eu poderia contar enquanto eu tropeçava em meus próprios pés e o rei voltava a me levantar puxando meus cabelos e retomando os passos.

Até que entendi aonde íamos.

Trinquei os dentes enquanto descíamos uma escada que parecia infinita e a minha volta celas vazias e o gélido som da água inundavam meus sentidos.

Com um aceno da cabeça o rei passou comigo pelas grades de uma cela enferrujada me empurrando até a parede e prendendo meus braços pra cima enquanto eu encarava meu reflexo no chão.

—Voce passará cinco dias aqui enquanto preparamos sua anunciacao e quando sair vai cooperar pra que tudo saia perfeito.Estamos entendidos?

Seus dedos cobriam meu rosto enquanto nossos olhos se cruzavam e eu lutava contra meu espírito pra que não fraquejasse.

Grades foram fechadas diante de mim,ratos corriam não muito longe enquanto passos se afastavam e eu era entregue a solidão.

As horas frias me faziam tremer,os sons me deixavam paranóica enquanto eu lutava contra a espiral de desespero em que eu começava a entrar.

—Se estiver disposta a pedir perdão e cooperar isso logo acaba.

Como o som de vidro quebrado a voz de Nathaniel ecoou pelas paredes enquanto ele aparecia diante de mim como um vulto.

Com um pesado casaco preto,olhos marcados pela exaustão e dentes reluzentes contra a esparsa luz do lugar ele me olhava como se visse um fantasma.

—Voce me contou uma vez que passou por algo parecido não é? Preso,levado às piores circunstâncias e mesmo assim foi o garoto que sobreviveu.Praticamente um milagre não é Nathaniel? Está se divertindo?

Minhas palavras saíam ásperas,trazendo a expressão amarga aos olhos azuis dele.

—Eu não sei o que pretende fazer minha amada,mas espero que você não se arrependa.

Como a brisa da noite ele se foi silencioso, carregado de um amargor que dentro da cela eu começava a compreender.

O frio,a sede,a fome,o medo e tudo o que havia de ruim me rodeavam como lobos ao redor da presa.

Mas,olhando pra dentro de mim eu não conseguia deixar de pensar que não haveria nada a perder.

Quem se importaria se eu partisse?Eu não existo mais pra alguém de fora e quem está aqui só cumpre ordens ao meu redor.

Não aguento mais.

Deixei meu corpo cair contra o chão frio e senti os músculos dos braços queimarem em protesto pela posição em que estavam há tanto tempo.

Horas incontáveis passaram,dia ou noite não pareciam ter uma divisão aqui diante da tépida luz e do constante frio.

Não sei por quanto tempo eu contei os botões do casaco até adormecer e acordar com o som da porta rangendo enferrujada,como uma velha que grita insana pelas ruas.

Meus olhos desfocados encontraram Jenna que vinha ao meu encontro segurando um prato que espiralava fumaça.

—Vossa majestade o rei me mandou aqui para alimentá-la - seu murmúrio informou.

Me coloquei sentada o melhor que pude,quase me fundindo a parede enquanto desviava o olhar.

—Por favor vá embora daqui -eu sussurrei sentindo a garganta queimar.

Jenna suspirou pesadamente segurando meu rosto e abrindo minha boca até que a colher passasse por meus lábios.

Assustada engoli a massa quente e insalubre tossindo copiosamente.

E vieram mais colheradas até que meu corpo finalmente agiu.

Cuspi a mistura no peito do uniforme de Jenna e chutei suas pernas fazendo-a se afastar de mim.

Agitei-me o mais intensamente que podia,chutando e arqueando as costas,pronta pra lutar com o pouco que havia me restado.

Arfando ela saiu deixando o prato derramado a minha frente e o único som que ouvi foram os meus gritos frustrados.

Mais horas se passavam enquanto eu sentia a massa secar em volta da minha boca.

Um tempo depois um grupo de ratos se amontoavam no prato devorando o que me neguei a comer.

Mais horas e mais passos vinham ao meu encontro.

Engoli em seco enquanto os ratos corriam e Dario se punha diante de mim encarando as próprias botas lustrosas.

—Pronta pra dar essa birra por encerrada?

Sua voz ecoava pelos corredores enquanto eu me encolhia no canto suspirando de exaustão e fome.

Com um grunhido exasperado ele abriu a cela sendo acompanhado de David que vinha taciturno com um balde nas mãos.

—Lamentamos muito,mas está na hora do banho e de limparmos a cela.

David disse palavras mecânicas enquanto tudo o que pude fazer foi segurar a respiração enquanto a água me atingia.

Quente,muito quente, não a ponto de causar queimaduras,mas quente o bastante pra que a fumaça espiralasse ao meu redor e meu corpo em choque perdesse as forças.

—Por que está fazendo isso David?

Minha súplica encontrou olhos vazios e ouvidos ocos a qualquer clamor enquanto meu casaco pingava a água quente que escorria pra fora junto com os dois.Dario com a mão firme levou David tocando em seu ombro até que a passos arrastados ele saísse de lá.

E,pela primeira vez em meu confinamento eu chorei.

Sentindo o corpo tremer agonizante enquanto  o torpor de meus braços começava a descer para o tronco.

Vomitei o pouco que meu estômago guardava enquanto o carcereiro em completo silêncio observava tudo e logo se retirava subindo as escadas.

Pra voltar com outro balde.

Dessa vez de água fria.

Como um chicote a água me bateu me fazendo arquear,sentindo a dor que queimava meu corpo todo.

Gritei de dor derrapando em meus próprios pés enquanto tentava me por em pé numa patética tentativa de escapar da dor.

Quero ir pra casa

Socorro…alguém...por favor...

Minha mente espiralava freneticamente nessas duas frases enquanto eu me sentia indo e voltando do estado consciente enquanto meu corpo tremia no chão de pedra fria.

Ali não havia tempo,poderiam ter se passado horas,dias,meses e eu não saberia.

Sempre a mesma rotina de baldes de água,massa nojenta e ratos,apenas com pessoas diferentes a cada rodada,com expressões que iam do sinismo a pena enquanto me viam presa.

Até que naquele dia foi diferente.

O doutor veio acompanhado da enfermeira e examinaram meus olhos que não mais conseguiam focar em nada,examinaram os pontos da minha mão que a essa altura eu nem mais sentia e injetaram um líquido azul que queimava feito o inferno em minhas veias.

Mais silenciosos do que vieram eles partiram,me deixando tilintando os dentes tão freneticamente que sentia como se fossem quebrar.

Mais tarde enquanto eu olhava as fendas na pedra e contava os elos da corrente mais passos se aproximaram e o rei estava diante de mim.

E quando olhei pra sua mão não pude acreditar no que vi.

Nico se debatia debilmente enquanto o carcereiro abria a porta pra que o rei entrasse.

Minha alma doía,eu não sentia meu corpo e minha voz não fazia nada além de falhar.

—Coopere comigo e tudo isso acaba meu amor...Chega disso,estamos preparando uma festa linda pra você,com gente de todo o mundo pra ver nossa família reunida novamente.

As palavras queimavam meus ouvidos enquanto meus olhos tomados pelas lágrimas encontravam os dele.

Com todo o esforço que me era possível eu me coloquei em pé e fiquei a um palmo do peito arfante do rei.

Cuspi nas medalhas reluzentes e olhei-o em desafio.

—Voce não sabe o que é família, está disposto a torturar alguém de quem você diz ser pai só pra domar meu espírito segundo sua vontade.Volte pro inferno seu monstro e leve essa oferta com você.Eu prefiro morrer a ceder a sua vontade.

Meus sussurros ecoaram fazendo o rei estremecer,deixando cair a máscara pra que eu visse o monstro debaixo daqueles olhos azuis.

—Pois bem…Conheça seu monstro então

Me afastei batendo as costas contra a parede enquanto ele balançava Nico diante de mim,na outra mão um punhal.

—Me chame de pai,diga que está ansiosa pra sua festa -ele rosnou me fazendo arfar .

Cerrei os dentes e meneei a cabeça olhando fixamente pra Nico que me olhava desesperado.

—Ele mão tem nada a ver com isso,por favor, não faça isso…

Minha voz vacilava,meus lábios tremiam e meu choro tomou as paredes das celas enquanto o monstro diante de mim separava a cabeça do corpo de Nico.

O corpo branco caiu em espasmos aos meus pés,a cabeça rolava próxima ao portão enquanto eu caía sentada sem conseguir fazer nada além de chorar.

Sem mais nenhuma palavra o rei saiu e Jenna entrou segurando um prato.

—Me perdoe… -ela sussurrou enquanto se ajoelhava diante de mim.

Chutei seu rosto com toda a força que tinha e o cair do prato ecoou pelos corredores enquanto eu gritava do alto de meus pulmões.

Como um animal apavorado ela saiu correndo,deixando a grade aberta e o som do sangue de Nico escorrendo aos meus pés.

—Me desculpe Nico,me perdoe...me perdoe…

Por horas a fio eu murmurei aos soluços pedindo perdão ao corpo inocente que diante dos meus pés começava a despertar o interesse dos ratos.

Até que senti tudo ficar escuro.

Acordei vendo David jogar água no chão com os olhos cheios de lágrimas e incapaz de me olhar enquanto Nathaniel soltava meus punhos das correntes e meus braços caíam sem força no chão de pedra.

Sem nenhuma palavra ele jogou uma manta sob meu corpo anestesiado pela dor e sem nenhuma palavra eles saíram trancando as grades.

 


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Notas finais do capítulo

Espero que gostem



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