Coroa de prata escrita por Eleanor Blake


Capítulo 16
Sangue carmesim




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O dia raiava enquanto eu abria meus olhos e via Nathaniel dormindo tranquilo .

Levantei-me com meu ferimento latejando insuportavelmente e fui até o guarda roupas dele procurando por algo confortável pra vestir que envolvesse fechar botões e não me amarrar em fitas de cetim.

Suspirei aliviada quando achei uma calça preta que fora ter ficado muito comprida tinha um caimento perfeito em mim e agarrei uma camisa branca de botões dourados.Haviam tantas ali que pensei que ele não fosse se importar.

Peguei as roupas e fui até a mesa de trabalho de Nathaniel e comecei a cortar a barra da calça pra que me servisse melhor.

Vesti as roupas enfiando a camisa por dentro da calça e prendendo meu cabelo num coque bagunçado jogando a franja pra frente assim escondendo meu corte.

Prestei atenção nos papéis espalhados pela mesa e notei o quão talentoso ele era.

Cada projeto tinha uma explicação detalhada de materiais,custo,como tornar melhor,onde por cada coisinha detalhadamente.Havia ali um projeto de um pequeno chalé refrigerado pela terra por ser construído dentro de um buraco profundo com metade do lugar dentro dele,janelas pra todas as direções e um sistema de iluminação natural.

Era tão delicado, tão preciso, tão genial que fiquei envergonhada de não saber fazer nada de interessante como eu sabia que ele era capaz.

Uma lágrima traiçoeira escorreu por meu rosto enquanto eu imaginava o quanto iria perder da vida ficando ali.

Eu nunca iria pra faculdade,nunca teria uma vida independente ou teria qualquer coisa fantástica como projetos tão detalhados pra mostrar pra ninguém. Ali eu era um peão que seria jogado pra todas as direções sem nunca poder questionar até que o rei morresse.

Um criado bateu na porta abrindo-a cuidadosamente enquanto eu fazia um sinal de que permanecesse calado enquanto trazia o café da manhã.

—Deixe na mesa de cabeceira e saia por favor,eu também não ficarei aqui -sussurrei me levantando.

Minha cabeça latejava a ponto de me fazer chorar ,mas o turbilhão de informações que rodava na minha frente me impedia de pensar na dor aguda e dar tanta importância.

Andei pelos corredores sendo perseguida por comentários sussurrados e olhos me evitando quando eu os encontrava.É claro que ali tudo o que aconteceu ontem foi repassado e aumentado dez vezes mais antes de eu acordar.

Os preparativos do dia estavam sendo feitos como uma máquina bem azeitada faria.Cada pequena parte,cada pessoa ali com um pequeno papel pra formar uma grande coisa no final do dia.Todos sob o cabresto do rei.

Engoli em seco passando pela cozinha e alcancando o corredor principal enquanto tudo ao meu redor me.trazia profundo desespero.Eu era uma boneca sendo jogada de um lado pro outro enquanto fosse útil pro rei.

— Mas que absurdo é esse?

Virei-me atônita evitando por milímetros o aperto de Jenna e firmando meu passo.Seu olhar desaprovava tudo o que ela via cobrindo o meu corpo e eu via em seus olhos todo o raciocínio que sua cabeça fazia.

—Não posso nem ao menos me vestir?Olha pra esse inferno Jenna,eu não tenho voz e nem utilidade por aqui,decidem o que eu como,quando eu como,quanto eu como,quem devo ver,onde posso ir,com quem posso falar e o que posso saber.Tem como me deixar em paz ao menos com o que eu visto?Não tô com saco pra essa sua conversa logo cedo.

Falei com toda a acidez possível enquanto a dor aguda se fazia lembrar em ondas que iam e vinham cada vez maiores mas continuei andando pra longe.

—Senhorita espere!

Jenna vinha ao longe e começava a caminhar ao meu lado tentando formar qualquer frase que fosse possível pra contrariar o que eu disse, porém sem sucesso depois de alguns minutos.

—Me deixe sozinha,tire o dia de folga ou sei lá.Eu não estou com disposição pra falar com ninguém hoje então se quiser alguma ocupação é só manter todos longe de mim. - eu disse seca

—Você é muito ingrata sabia?

Engoli em seco fechando os punhos e avançando avançando a passos largos até encarar os olhos de David.

—O que vai fazer sobre isso?Vai me bater? 

Meu desafio deixou nele uma boca aberta sem palavras e um olhar que fugia do meu.Segurei com delicadeza seu maxilar fazendo-o me encarar.

—Se for me dizer algo assim tenha a certeza de levar até o final.

Saí soltando aquele rosto lívido até ouvir uma comoção atrás de mim.O rei vinha se aproximando sem encontrar meu olhar.

Estremeci apertando a manga da camisa e engolindo em seco enquanto o ferimento latejava feito tambores em dia de fanfarra.

—Como está...seu machucado? - ele disse levando a mão ao meu rosto.

Dei um passo pra trás afastando a mão dele com um tapa que ressoou pelos corredores.

—Você poderia ter feito pior.Veio pra fazer agora?

Seus olhos se inflamaram com fogo azul que crepitava em sua boca agitada mas se conteve engolido em seco.

—Quero que caminhe comigo - ele disse apontando a porta

— Nem se você me condenasse a pena de morte - respondi encarando seus olhos.

O ar crepitava entre nós tornando aquela manhã tranquila numa tempestade que rugia no meu peito.Minha cabeça me fazia ir e voltar da minha consciência mas eu não me permiti mover um músculo sequer ali.

—Pai deixa ela em paz!Por favor deixa ela em paz!

Voltei meu olhar pra porta pra ver Nathaniel ruborizado arfando e apoiado no batente enquanto seus olhos procuravam os meus.Seus passos não eram tão firmes como de costume mas ele estava melhor que ontem.

Seus olhos decididos,sua boca contraída numa linha fina e suas mãos em punhos vinham até mim me abraçando protetoramente.O ar começava a me faltar enquanto a dor me perturbava cada vez mais.

O rei engoliu em seco dando um passo pra trás enquanto Nathaniel me escondia em seu peito fazendo com que minhas lágrimas começassem a molhar sua camisa.

—Pai ela não está bem a ponto de falar com você depois do que aconteceu.Voce não se envergonha de levantar sua voz mais uma vez pra ela? Não se envergonha de assustar e machucar alguém que deveria ser tudo pra você?

Por um segundo eu virei o rosto dando de cara com olhos alucinados e confusos que se tornaram irritados enquanto eu via um movimento de braço se formando.

Com o resto de energia que eu tinha eu joguei Nathaniel atrás de mim e joguei minhas mãos na frente do corpo disposta a tentar segurar o impacto do golpe.

— Chega! Você está louco, está fora de controle se não consegue falar com calma com seu filho doente e já vai bater nele.Ele não merece ter um monstro como pai!Eu não mereço todo esse pesadelo.Chega,por favor,tenha piedade,nos deixe em paz,por favor...

Nathaniel estava mortificado atrás de mim chorando copiosamente enquanto meu corpo caía sob os joelhos.

— Pare de nos machucar,por favor fique longe de nós.Se eu não posso viver em paz,ao menos deixe Nathaniel longe da sua mão e me deixe morrer em paz.

Minha voz era vacilante e quase totalmente encoberta por soluços desesperados que rompiam do meu peito.A visão que eu tinha começava a ficar tingida de vermelho pelo sangue do ferimento que começava a cair pela minha testa.

—Me deixe morrer,pelo menos isso.Se tem algum sentimento bom dentro de você deixe Nathaniel em paz e deixe que isso acabe.Só não nos machuque mais.

Minha voz saiu num sussurro enquanto meu cabelo se soltava e Nathaniel caía ao meu lado. A dor tomando toda minha sanidade e me engolindo num mar de escuridão enquanto eu perdia as forças nos braços de Nathaniel.

—Annie,querida não,bebê fale comigo,por favor fale comigo!

Eu sentia meu corpo todo doendo,fraco e cansado,eu ouvia os pedidos de socorro de Nathaniel ecoando pelos meus ouvidos enquanto ele me abraçava e beijava minha testa mas não conseguia abrir meus olhos.

Senti meu corpo ser levantado,senti gente me carregando e cada vez mais eu afundava na escuridão que me engolia.

Quando pisquei os olhos sensiveis pela luz eu estava num lugar claro e com um bipe que não parava nunca. Ao meu redor cobertas e cabos presos a equipamentos sem fim.

Minhas lágrimas começavam a correr quando um dos aparelhos começou a apitar frenético e Nathaniel entrou pela porta.

Seu cabelo estava desgrenhado,sua camisa amassada e seus olhos fundos pelo cansaço,mas seu olhar era terno e preocupado enquanto ele acariciava seu rosto.

—Meu amor você está com dor? - ele dizia com voz suave enquanto secava minhas lágrimas.

Tentei falar mas uma máscara me atrapalhava e uma enfermeira vinha em minha direção com uma seringa.

— Bom dia,como está minha paciente dorminhoca?Esse remedinho aqui vai controlar sua dor e te manter tranquila enquanto você se recupera ok?Deu um susto imenso em nós.

Respirei fundo enquanto ela aplicava o medicamento dentro do  saco de soro preso a meu braço, porém eu não queria me sentir entorpecida,queria saber o que aconteceu.

Até que as memórias me tomaram de assalto.

Nathaniel,o rei fora de si,tudo aquilo,a dor,o sangue e toda aquela onda de emoções que eu não conseguia controlar.

Meu peito queimou em agonia enquanto eu tentava tirar a máscara sendo parada pelas mãos ágeis de Nathaniel.Minhas lágrimas corriam por meu rosto nublado minha visão enquanto eu o tocava em busca de qualquer ferimento.

—Ele te machucou?

Minha voz saiu quase inaudível enquanto ele segurava meus dedos.Sua face crispada em preocupação se desfez num sorriso irônico.

—Você me deu um susto infernal,se jogou na frente do rei quando ele estava descontrolado,sangrou novamente e quase te perdemos e ainda você quer saber como eu estou?

Sua voz tinha tanta dor e o remédio começava a nublar meus sentidos mas eu tentava me manter desperta.

—Não minha doçura,ele não tocou em mim,nunca tocou em mim.É por isso que eu não entendo o por que de ele ter feito aquilo com você,mas não se preocupe comigo,eu estou completamente bem,apenas quero saber como você está,como posso tornar ao menos um pouco mais suportável a nossa vida juntos.

Eu queria consolá-lo mas os remédios já me deixavam  insuportavelmente sonolenta .Meu corpo estava totalmente entorpecido enquanto vergonhosamente eu sentia minha bexiga ser esvaziada na proteção que me colocaram.

Por quanto tempo eu fiquei aqui?

Meu consciente começou a lutar contra o sono e eu comecei a me agitar chorando aos soluços.A enfermeira veio e pediu a Nathaniel que saísse pra que eu não tivesse mais nenhuma forte emoção.

Com um pequeno sorriso cúmplice ela injetou mais remédio no soro e eu voltei a adormecer no silêncio da sala.

Quando voltei a acordar,Nathaniel cochilava numa poltrona ao meu lado.

Tentei me colocar sentada mas a agulha presa a minha mão doeu me fazendo suspirar. Ele então despertou olhando pra todos os lados em busca de perigo até que me viu acordada e sua expressão suavizou.

—Hey querida,como está?

—Quero sair daqui -sussurrei olhando em seus grandes olhos de um azul tão limpo que chegava a parecer prata.

Uma risada baixa saiu de seus labios enquanto ele acariciava minha cabeça e beijava meu nariz.

— Também quero te ver fora daqui- ele disse sorrindo.

—Pode ser bom que ela saia pra tomar um pouco de sol e ar fresco. -O médico disse entrando na sala enquanto empurrava uma cadeira de rodas.- você tem duas horas mocinha,depois disso vamos remover esses pontos e conversar um pouco ok?

Assenti e a enfermeira veio trazendo um vestido cinza de mangas longas  com uma faixa azul na cintura que se fechava com um laço.Em seu antebraço estava uma cesta que ela entregou a Nathaniel.

— Ela precisa comer, então eu achei que um picnic seria bom.Agora se lembre de cortar em pedaços pequenos tudo o que ela comer pra não tomarmos nenhum susto.

Depois de alguns instantes eu já estava livre dos cabos que me prendiam,das agulhas que me furavam e das ataduras no meu ferimento.Saímos com Nathaniel me empurrando até a estufa das rosas e sentando-se de frente pra mim. Suas mãos iam e vinham na cesta enquanto ele falava de trivialidades sobre a vida aqui,sobre o que gostava de fazer e comer e notei sua voz ficando pesada enquanto ele circundava o assunto que mais lhe interessava.

—Eu não iria deixar ninguém te machucar - eu disse tentando sorrir.

—Isso está errado!Sou eu quem deve se jogar na sua frente pra te defender,sou eu quem tem que zelar por você, mamãe me fez prometer!

Sua mão socou a mesa de bronze fazendo tudo nela chacoalhar.Meu coração começou a martelar enquanto eu tentava me afastar.

Quando Nathaniel percebeu o que fez ele tentou me tocar mas um gemido assustado saiu de mim seguido por lágrimas que corriam livres.

— Oh não meu amor,Annie me perdoa!Eu só fiquei frustrado por não poder te proteger como sempre imaginei que faria quando você voltasse pra mim,eu nunca tocaria em você.Meu amor perdão!

Seus olhos estavam vermelhos de lágrimas que os queimavam,sua boca tremia enquanto eu me impulsionava pra frente caindo da cadeira de rodas e quase atingindo o chão quando ele se lançou e me pegou nos braços.

—Annie você está bem?Devo chamar a enfermeira?Claro que devo chamar.

Suas palavras vinham como um turbilhão e eu me sentia absurdamente cansada.Toquei em seus lábios os silenciando e apoiei minha cabeça em seu peito.

— Viu,você me pegou,se não fosse por você eu teria mais um machucado - eu disse acariciando seu cabelo.- Eu posso comer alguma coisa?

Nathaniel riu me pondo em seu colo e sentando-se comigo enquanto falava de qualquer amenidade em que pudesse pensar e me dava tudo em pedaços tão pequenos que eu duvidava que ele não iria acabar amassando tudo.

A cadeira foi deixada de lado enquanto ele circulava comigo pelo jardim cumprimentando cada pessoa que via ao seu redor.Nathaniel era doce, sensível,inteligente e tinha um coração de ouro.Tudo o que ele fazia era por amor,com todo o carinho e dedicação que pudesse ter comigo.

Senti meu coração aquecer enquanto uma pequena fagulha de esperança brotava em meu peito.Era isso o que era ter um bom irmão?

Mesmo no meu caos ele foi paciente,me ajudou em tudo o que pode e me deu todas as escolhas que ele fosse capaz de me dar.

Até que nossos sorrisos cessaram.

O rei vinha acompanhado de Jenna e caminhava em nossa direção com um olhar duro.Nathaniel endureceu a expressão e caminhou até ele escondendo meu rosto até que parou de costas pra ele.

—Meu senhor,ela não está em condições pro que quer que queira dizer a ela,por favor nos deixe em paz até que ela melhore.

A voz de Nathaniel era dura e inflexível,seu coração martelava no peito enquanto ele aguardava uma resposta.

—E...eu não sei o que me deu,eu perdi o controle.Tem tanta coisa acontecendo que eu deixei tudo de ruim levar a melhor sobre meus atos.Eu vim por que encontrei Jenna que veio trazer um casaco pra ela e tomei coragem pra tentar pedir perdão,o perdão de vocês dois.Eu tenho passado por tanto,resolvendo tanta coisa que acabei tratando vocês da mesma forma que trato da guerra e isso foi o pior que pude fazer.Eu espero que um dia nos corações de vocês haja espaço pra considerarem meu pedido de perdão.Eu não tenho palavras pra expressar o horror de ter te machucado Annice.

Eu engoli em seco tossindo pra limpar a garganta enquanto as lágrimas caíam de meu corpo cansado.

—Nate,pode me deitar em algum lugar? Não me sinto bem,estou muito cansada -sussurrei entre a tosse.

Nathaniel endureceu sua postura ,fez  uma pequena reverência e saiu às pressas comigo acompanhado por Jenna.

Na sala o médico franziu o cenho ao nos ver chegar enquanto a enfermeira ajudava a me colocar na cama.

A máscara de oxigênio aliviou a tosse,mais remédio foi injetado pra controlar o nervosismo e a dor enquanto as palavras do rei ecoavam.Até que eu senti um toque agitando minha cabeça de leve me fazendo voltar a consciência.

—Hey,olha pra mim.Está tudo bem agora querida, ninguém vai te incomodar. 

Nathaniel sorriu aliviado quando eu assenti e bocejei.

—Você está cansada meu amor,durma um pouco,quando acordar eu estarei bem aqui.

O torpor me tomou e meus olhos se fecharam enquanto eu adormecia.

Sim,eu realmente estava cansada,não havia nada em mim que não estivesse exausto de todo esse caos,mas mesmo nesse meio caótico ter Nathaniel perto de mim era meu pedacinho de paz.

 

 


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