Está chovendo. Eu poderia muito bem estar na cama, aproveitando o som dos pingos d’água para dormir, mas não... Estou enfurnado na cozinha há duas horas, travando uma luta já perdida contra o forno em uma tentativa desesperada de assar biscoitos. Parece que a cada trovoada que ouço, um dos doces queima...

Eu odeio o dia dos namorados...

Vocês devem estar se perguntando por que eu estou fazendo isso se estou tão indignado, não?

Simples: Sou teimoso.

Mesmo não gostando da idéia de estar cozinhando estou aqui, mais uma vez refazendo a massa e modelando-a em pequenas formas redondas. Já deve ser o terceiro ou quarto pacote que gasto.

Hmm...

Ah, nem me apresentei. Chamo-me Hajime Saitou. Comumente chamado de “Hajime-kun” por um certo alguém. E esse certo alguém é o motivo pelo o qual descobri que não nasci para este tipo de culinária. Sinceramente... Ele me irrita.

Todos os dias no colégio sou cumprimentado das seguintes maneiras: Um abraço súbito por trás e bem apertado. Mãos bobas me apalpando na frente. Uma voz sussurrando em meu ouvido “Hajime-kun, você é tão fofo...!"

Ele é tão sem-vergonha que faz isso no meio da aula, na frente de amigos e em qualquer lugar! Ele é muito acomodado e faz o que quer comigo. Incrível como sempre aceito tudo... Mais incrível ainda é o fato de que acabo por fazer qualquer coisa por ele, sem reclamar... Ou não. Afinal, estou reclamando aqui.

Me dou por vencido... Enquanto contava isso queimei mais uma leva de biscoitos. Desisto! Por que tem que ser tradição dar doces no dia de São Valentin?!

Eu odeio o dia dos namorados!

Ou melhor, por que ele tinha que ter dito “Seria legal se você fizesse biscoitos para mim amanhã.”, por quê?!

Desisto! Definitivamente, Desisto! Não fui feito para cozinhar! Não assim!

Forno idiota...

Retiro da mesa e guardo, jogando no lixo o que restou. Após lavar e arrumar tudo, percebo que a chuva passou. Decido sair então, na esperança de me acalmar. Já na rua, vejo garotas correndo de lá para cá atrás de chocolates ou biscoitos.

Que bobas.

Nunca fui de demonstrar emoções e por isso todos me acham frio. Mas não ligo. Sou assim e não posso fazer nada. Ando mais e mais, e parece que em todo lugar que foco o olhar tem alguma loja vendendo doces... Esses malditos doces especialmente para hoje...

Vasculho meus bolsos em busca de algum dinheiro e acho! Juro que não queria encontrar... Seria algo do tipo “Não consegui fazer e nem tinha dinheiro para comprar”. Seria uma desculpa boa. Mas por ironia, é dinheiro o suficiente para comprar um pequeno pacote de... Biscoitos.

Enquanto penso no que fazer, de repente ouço uma voz familiar se aproximando. Quando olho, totalmente surpreso, vejo ninguém mais ninguém menos do que ele... Souji Okita, distraído e falando no celular. Não tenho outra opção a não ser correr para dentro da loja. Não posso deixar ele me ver agora... E muito menos parado em um lugar como esse!

Ah... Como eu odeio o dia dos namorados... O desgraçado entra exatamente dois minutos depois na tal loja. Estou escondido pelos cantos e sem saída. Ou melhor, saída eu tenho. Posso muito bem ir embora, mas...

No fundo, eu quero dar esses malditos biscoitos para ele.

Além disso meu orgulho não permite que ele me veja assim. Logo, eu foco a porta e vou na direção dela, desistindo de comprar e indo embora. Quando dou um passo para fora, sou puxado pelo braço. Fui descoberto.

— Hajime-kun!

— ... Souji.

— Veio comprar algo para mim?

— Não.

— Mentira.

— Não.

— Ah, mas como você é teimoso! Vou fingir que acredito.

— Dá para me soltar?

— Não. – sorriu cinicamente

— Você também é teimoso, sabia?

— Eu sei. Ainda mais se tratando de ti.

— Me solta, Souji... Estamos empatando a passagem.

— Ok...

Eu poderia ter fugido. Aproveitado a chance e corrido para bem longe, mas não sou o tipo de pessoa que faz isso. Decido ficar lá, ao lado dele, andando pela cidade, ou... Sendo arrastado, se preferirem.

— Hajime-kun, vem comigo até a minha casa?

— Para...?

— Para eu te dar o seu chocolate, oras.

— Ah...

Me sinto estúpido agora... Bastante estúpido. Vou pensativo pelo caminho, até chegarmos na casa dele. Já vim aqui várias vezes desde que... Bom, não importa!

— Você está tenso hoje. – me pergunta Souji.

— Impressão sua.

— Não. Eu te conheço. Sei exatamente como és.

— Se sabe, então não devia ter me pedido biscoitos!

— Foi exatamente por isso que pedi.

— ...

— Eu sabia que você não iria acertar cozinhar algo assim e que ia queimar. Mas sabia também que iria tentar. E tentou, não é?

É isso que eu mais odeio nele... Essa mania de brincar comigo desse jeito e de planejar tudo com antecedência para que no final eu fique cada vez... Cada vez mais... Souji Okita é o único que faz com que eu me sinta assim. O único que sabe direitinho como mexer comigo, como me provocar, que sabe do que eu gosto e do que não gosto, sabe exatamente como sou. É isso que me irrita... E me irrita muito! Mas o que me irrita mais ainda, é que por isso tudo, por ele ser extrovertido, despreocupado e cheio de si... Por essa personalidade única dele e por todo o resto, que eu não consigo parar de amá-lo.

— Eu sei que por detrás dessa sua expressão congelada, há um lindo sorriso que poucas vezes você dá e quando o faz é só para mim.

— Não seja convencido! – me viro de costas e sou prontamente abraçado por ele.

— Hajime-kun você realmente é muito fofo... – lentamente, ele me posiciona de frente ao seu rosto e me encara de um jeito que me desconcerta. Mas eu não odeio isso... não muito. – Eu te amo.

— ... – consigo dar um leve sorriso. Fecho os olhos e o abraço de volta.

Dentro de alguns minutos, subimos para o quarto dele. Ficando lá por um bom tempo... Eu, ele e uma barra de chocolate que me entregou nas mãos. A comendo juntos, pois parece grande demais para um só. Acabo por dormir lá mesmo.

Eu continuo odiando o dia dos namorados, por que não consigo expressar o que sinto pelo Souji. Não consigo falar algo tão simples, mas ao mesmo tempo tão difícil, que é Eu te amo.