Bloodlines - o Sangue Chama escrita por Bia Kishi


Capítulo 3
Capítulo 3


Notas iniciais do capítulo

Minhas opções eram: tentar salvá-lo e provavelmente ser morta por ele, ou deixa-lo morrer e levar toda a culpa. Sem conseguir decidir o que era pior, acabei escolhendo a última.



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Eu não tive chance de me virar voluntariamente, os dedos se cravaram em minha carne, girando meu corpo dolorosamente. Eu enxergava a figura, mas sentia como se meus olhos estivessem pregando uma peça em mim. O homem que estava em minha frente, ou melhor, o monstro, era Joseph, o melhor amigo do meu pai. Joseph era o responsável pela agência, o “papa” dos alquimistas. Agora, tudo que eu conseguia era ver seus olhos encobertos pelos arcos vermelhos dos olhos de Strigoi. Eu engoli em seco.

- Jo... Jo... Joseph – eu gaguejei.

                O monstro sorriu sem nenhum humor.

- Não gosta da mudança em mim, Sid querida?

                Ninguém me chamava de “Sid” desde a morte de Danniel, ninguém exceto Izabel, e Joseph sabia exatamente disso. Engoli em seco.

- Sidney! Eu me chamo Sidney!

                 O monstro segurou meu queixo entre suas mãos, seu hálito cheirava a sangue fresco.

- Corajosa como sempre! Por isso Sidney, por isso eu sabia que tinha que ser você – ele andava em volta de mim com tanta suavidade que parecia flutuar – pelo que andei sabendo, você gosta muito de Strigoi. Você até ajudou um!

                Engoli em seco novamente.

- Dimitri não é um Strigoi – eu disse tentando parecer enfática e soando mais como apavorada.

- Sabia que você sempre foi minha preferida? – ele perguntou ignorando minha provocação – agora, você terá a oportunidade de retribuir todo o meu esforço em tornar as coisas entre você e o papai, digamos, suportáveis. Sabe, seu pai tinha planos para Danniel – o nome atacou meus ouvidos mais forte que uma faca. Falar de Danny sempre me fazia sofrer – Não foi muito honrado de sua parte deixa-lo morrer daquele jeito.

                Eu podia sentir as lagrimas descendo cada vez mais rápido, ensopando a gola da minha blusa – Joseph havia ido com meu pai, resgatar Danny e eu e era o único que havia visto a cena tão de perto quanto eu. Ele conhecia todos os meus fantasmas e podia usá-los o quanto quisesse.

                Joseph jogou um molho de chaves em minha mão e eu as segurei por impulso.

- Levante-se menina, e nem tente me contrariar, tenho assuntos na corte e preciso que faça algo.

                Fechei meus olhos e pensei em Danny – meu irmão era forte e corajoso, e tinha o sorriso mais quente do mundo. Ele nunca se renderia sem lutar.

- Não vou á lugar algum! – eu disse, buscando forças nas memórias de meu irmão.

                O Strigoi grunhiu como uma fera enjaulada. Seus dedos estavam curvos como garras e seus olhos eram completamente vermelhos. Ele segurou meu queixo com uma mão só e me levantou até que meus pés não tocassem mais o chão.

- Eu posso quebrar seu pescoço de uma única vez.

- Faça isso – eu grunhi entredentes – eu não me importo.

                O monstro riu mais alto desta vez.

- A própria mártir! Sabe que você ganharia uma medalha por isso? Eu mesmo lhe daria uma – ele me encarou tão de perto que eu pude ver que ainda havia sangue em suas presas – o fato é que não se trata só de você princesinha! Amanhã, certo diretor irá ao escritório, sozinho – eu senti os pelos dos meus braços se eriçarem por completo – e eu estarei lá, esperando. Estarei esperando o papai e terei prazer em fazê-lo sofrer coisas que você nunca imaginou, nem em seus piores pesadelos.

                Um bolo amargo se formava em minha boca e eu sentia algo quente escorrer pela minha pele – as unhas do Strigoi estavam cravadas em minha carne e o sangue escorria, mas a dor que eu sentia não vinha dali. Era o mesmo tipo de dor que eu senti ao segurar o corpo de Danny em meus braços. Era impotência. A impotência doía diante do fato de que ou eu o ajudava, ou meu pai sairia daquele escritório em um saco plástico amanhã.

- O que quer que eu faça? – eu disse tentando não engasgar.

- Boa menina – disse Joseph sorrindo – boa menina! Tenho certeza de que o papai ficará orgulhoso – ele fez uma pausa e depois continuou – ah não, tem razão, o filho que lhe dava orgulho era Danniel. O finado Danniel.

                Eu não respondi, embora muitas coisas viessem á minha mente naquele momento. Joseph me colocou no chão e segurou meu braço, puxando-me pelo canteiro.

- Entre na van e dirija até a corte. Quando chegarmos lá, eu a instruirei.

                Eu sentia como se não estivesse mais naquele corpo. Como se o corpo que passava as marchas e controlava os pedais do carro não fosse habitado por nenhuma alma. Minha alma estava presa nas lembranças que aquela criatura trazia á minha mente. As lágrimas escorriam regulares, uma após a outra, empapando a minha camiseta e escorrendo até o meu peito. Não era uma viagem curta, a corte ficava a quase cinco horas de distância, Joseph estava na parte de trás, abrigado das luzes da manhã, ele sabia que eu não tentaria nada. Sabia que eu não temia morrer, mas que não poderia permitir que outra pessoa que eu amava fosse morta pelas mãos de um Strigoi.

                Chegamos aos portões por volta de seis horas da manhã. Eu estacionei um pouco ao sul do portão, onde árvores e arbustos pequenos quase encobriam a van.

- O que quer que eu faça agora? – eu perguntei desligando a van.

- Quero que liberte Natasha Ozera.

                Eu engoli em seco.

- Eu não... Eu não posso fazer isso! – eu admitia mais para mim mesma do que para Joseph. As palavras pareciam engasgadas demais em minha garganta e eu nem tinha certeza de que ele havia ouvido.

- É claro que pode! – ele me encarou com seus olhos vermelhos – não só pode como vai. Por amor ao papai.

                Antes que eu conseguisse colocar a mão na maçaneta da porta, o Strigoi segurou meu pulso.

- Nem pense em falar com sua amiguinha rainha, e menos ainda com a filha de Zmey. Se qualquer um souber da fuga de Natasha, o acordo está quebrado e como compensativo para mim, vou ter prazer em drenar todo o sangue novo da jovem Izabel.

Era começo da noite Moroi e as ruas estavam vazias. Eu gesticulei para o guardião que me deixou passar de prontidão – ser vista tantas vezes ao lado de guardiã da rainha, infelizmente, tornava minha entrada fácil. Para minha sorte, ele nem mesmo me perguntou algo – meu corpo tremia tanto que eu não sabia se era desespero, choque ou frio; ou uma mistura dos três.

                Desci da van sem ter certeza de que meus pés eram capazes de se organizar um depois do outro. A sensação que eu tinha era de que o chão sumiria debaixo de mim. As lágrimas haviam secado, eu estava assim, seca. Completamente ausente.

                Natasha Ozera estava no mesmo prédio em que eu havia sido presa – ela ainda não havia sido transferida porque Lissa temia por Christian, apesar de tudo ela era sua tia e Lissa queria vê-lo feliz.

                Caminhei me escondendo nas poucas sombras que ainda existiam, tentando fugir de algum olhar. Quando avistei a porta, apertei um pouco mais os passos. Eu parei á alguns metros da porta, calculando o próximo movimento, analisando. Os fantasmas dançavam em minha frente, um após o outro – Meu pai, Danny, Izabel, Rose, Lissa, Christian, Dimitri, Zmey. O Zmey faria quando soubesse que eu libertei a mulher que tentou condenar Rose á morte? Que tipo de perdão eu esperava conseguir? O fato é que não importa o que acontecesse, eu estava acabada.

                Eu estava tão concentrada em tudo á minha frente que simplesmente ignorei a retaguarda e só descobri isso, quando senti a mão pesada em meu ombro.

- Hey, o que faz por aqui? Está perdida?

                Eu reconhecia a voz, sabia de quem era e isso era mais assustador. Virei-me bem devagar, tentando controlar o estresse que fluía em meu corpo. Os olhos de Eddie estavam ali, surpresos e sinceros, acolhedores. Eu sentia uma pontada funda em meu coração. Não tinha ideia do que dizer. Qualquer coisa que eu dissesse poderia colocar meu pai em risco.

                Fiquei ali, em silêncio, analisando o guardião á minha frente – Eddie já havia arriscado tanto para nos ajudar. Já havia provado tanta lealdade. Eu não tinha o direito de leva-lo ao buraco comigo, então, fiz o que achava menos errado: estendi meus braços, juntando os pulsos e oferecendo á ele.

- Pode... Pode me prender – as lágrimas que pensei que tivessem acabado provaram que ainda tinham muita força.

                Eddie estendeu ás mãos para mim, segurando as minhas gentilmente. Seus olhos eram tão doces e compreensivos que me fizeram sentir ainda pior.

- Porque eu prenderia você Sidney? – ele sorriu sem entender – Não há nenhuma acusação.

- Mas vai haver – eu disse entre soluços – se você não me prender, vai haver.

                Eu esperei que o guardião me prendesse, esperei que ele me algemasse e me levasse de volta para a cela. Que me denunciasse para a rainha por tramar algo e que eu fosse condenada, mas nada disso aconteceu; Eddie apenas me abraçou. Seus braços fortes me aconchegaram como se ele entendesse o quanto eu precisava ser amparada. Eu não resisti. Recostando minha cabeça em seus braços eu deixei que as lágrimas tomassem toda a sua força.

- Me diga o que aconteceu – ele pediu gentilmente, sussurrando em meus ouvidos – talvez eu consiga lhe ajudar.

- Eu não posso.

- Pode. É claro que pode. Apenas fale. Deixe-me ajuda-la.

                Algo naquela voz era estranhamente confortador. Eu queria confiar em Eddie, queria ajuda. Eu só não sabia o que aconteceria quando ele soubesse. Permaneci em silêncio por alguns instantes, então, lentamente, as palavras foram saindo.

- Eu preciso. Eu preciso – Eddie segurou meu rosto entre suas mãos, secando as lágrimas com as costas das mãos – preciso cometer um crime. Eu preciso cometer um crime.

                Mais uma vez, a reação que eu esperava não aconteceu. Eddie soltou um sorriso tímido, como se compreendesse ainda melhor a situação.

- Mais uma missão impossível?

- É por alguém que eu amo – eu disse tentando não engasgar com as lágrimas – vai morrer se eu não fizer.

- O que precisa fazer Sidney? – Eddie me perguntou.

- Libertar Natasha Ozera.

                Eu pude sentir o suspiro profundo pela movimentação do peito de Eddie – ele estava chocado, embora não entendesse muito. Permaneceu em silêncio por alguns instantes e em seguida soltou o ar todo dos pulmões em uma única vez.

- Quem? – Eddie me perguntou

                Agora quem suspirava era eu.

- Meu pai.

                Eddie deslizou o dedo por uma mexa do meu cabelo, acompanhando a espiral.

- Fica por ali – ele apontou para um prédio antigo.

- Como? – eu perguntei sem entender.

- A cela. A cela em que Tasha está fica por ali. Nós a transferimos – ele fez uma pausa e suspirou – tivemos medo que alguém tentasse libertá-la.

                Eu sorri, afastando meu corpo do dele – Eddie havia feito o que era possível para me ajudar. Havia me dado à direção certa e ainda estava no mesmo lugar quando eu comecei a caminhar.

- Obrigado – eu disse mexendo os lábios, sem emitir som, e segui meu caminho.

                O prédio era bem mais antigo e a pintura precisava ser refeita. No interior, havia um corredor largo e cheio de portas – cada uma delas era um cômodo, ou usado como cela, ou usado para algo do tipo. Natasha Ozera estava na ultima sala ao lado do que parecia ser a sala de interrogatório. Tasha estava em pé, o corpo apoiado ás grades, os cabelos presos para trás deixando sua cicatriz exposta. Assim que me viu, ela sorriu.

- Pelo que vejo; Joe não brinca mesmo em serviço! – Tasha pontuou.

- Pelo que vejo; isso aí – eu disse apontando para a cicatriz no rosto dela – não lhe ensinou nada.

- Acha mesmo que sabe por que ganhei esta cicatriz? – ela me perguntou tocando a marca com a ponta do dedo.

- Para ser sincera, eu nem mesmo sei por que eu tenho esta – eu apontei para a marca do lírio em minha face – não faz mais sentido.

- Nada faz querida – Tasha disse sorrindo – nada faz. Agora se quer mesmo ser útil – ela olhou no relógio – o guardião vem vindo e a chave está em bolso.

                Eu me escondi em uma reentrância da parede, era um espaço tão minúsculo, que acho que ele nem cogitou a possibilidade de alguém caber ali. Tirei minha blusa e segurei, controlando a respiração. Assim que ele passou, eu me joguei em cima dele, prendendo a blusa em sua boca e olhos. Eu me mantive presa ás suas costas, tentando o máximo possível fazê-lo se aproximar de Tasha. Assim que teve chance, ela o golpeou. Natasha Ozera era bem forte para uma Moroi e seu soco, bem em cheio no nariz, derrubou o Dhampir por tempo suficiente para que abríssemos a cela.

                A imagem do homem caído no chão, não saia da minha mente, nem a expressão de espanto quando viu quem estava ajudando Tasha. Eu me sentia uma traidora completa. O pior tipo de ser humano do mundo, o tipo que traia quem confiava nele.

                Tasha me puxava por caminhos que eu nem sonhava conhecer – até agora, eu não entendia porque alguém como ela precisava de alguém como eu para ajudar.

                Paramos em frente á uma casa bem grande. Pela decoração e estilo era possível perceber que se tratava de uma família com muito dinheiro. Ela sinalizou para que eu esperasse nos fundos da casa e entrou pela porta, que estava aberta.

                Eu fiquei ali, sem saber se deveria correr ou se deveria entrar, apenas esperando. Era possível ouvir vozes exaltadas lá dentro. Uma briga, provavelmente uma briga; mas eu não conseguia entender a razão, e sinceramente, nem sabia se queria – tudo que eu sabia era que nenhum dos meus amigos morava naquela casa e naquele momento, era o que importava.

                Alguns minutos depois, Tasha saiu puxando uma figura encapuçada. Eu podia ouvir soluços baixos, como ser a pessoa – porque eu não fazia ideia se era um Moroi ou um Dhampir - tentasse abafar o choro.

- Não seja idiota! – Natasha repreendia enquanto corríamos – você sempre soube que este seria o final! Você sempre soube que terminaria assim! Fique feliz por ele não estar em casa!

                Eu não tive coragem de perguntar o que havia acontecido, mas pelo estado em que a figura se deixava arrastar por Tasha, eu imaginava que não fora uma visita de rotina.

                Saímos por uma pequena abertura no muro, quase uma rachadura, á qual a figura, um pouco alta demais para ser uma Dhampir, quase não passou – eu fiquei me perguntando se era um homem ou uma mulher, já que não dava para distinguir por dentro do capuz. Do lado de fora, como se lesse meus pensamentos, Tasha começou a sorrir.

- E é agora Sidney, que você vai entender porque eu precisava de você.

                Ela se aproximou da van, abriu as portas traseiras com um único puxão, fazendo com que Joseph se encolhesse espantado e soltasse um grunhido gutural. Natasha sorriu, mostrando suas presas brancas de forma maligna.

- Você não achou mesmo que eu iria ficar com você, não é Joe? – o Strigoi parecia não entender – olhe para você – ela disse apontando para ele – um velho babão! Eu tenho coisas muito mais interessantes para fazer com meu tempo livre. Eu só precisava que você me trouxesse a alquimista, sabe, seria difícil me livrar de tudo isso sem ajuda e, além disso, eu precisava de alguém para culpar.

                Nesse momento, um Moroi passou pela mesma fresta no muro. Pelas roupas que usava eu podia perceber que não era da realeza. Suas mãos estavam sujas de terra e ele parecia não entender o que estava acontecendo. Eu busquei seus olhos em desespero.

- Ajude-me – eu mexi os lábios sem emitir som algum.

                Eu tinha esperanças de que o homem pudesse pegar Tasha de surpresa e golpeá-la, ou sei lá o que; mas para meu completo desespero, ela foi mais rápida.

- Oh que ótimo, um amigo! Sabe que precisávamos mesmo de um motorista? Afinal eu sou tia do futuro marido da rainha, não posso me expor.

                Tasha sacou uma pistola e apontou para mim. O homem recuou, erguendo os braços.

- Sabe, há certa aspirante minha na corte, até um pouco parecida com nossa pequena alquimista, que adoraria viver o suficiente para por em prática tudo que aprendeu comigo. Seria mesmo uma pena se ela não conseguisse. Não acha? – Tasha perguntou para afigura encapuçada.

                Nenhum de nós disse nada, mas eu percebi o desespero nos olhos do homem – quem quer que fosse a garota, tinha sua devoção.

                O Moroi acompanhou Tasha sem nenhuma resistência, eu olhava para ele e enxergava á mim mesma, fazendo algo por alguém que eu amava.

                O Strigoi estava ali, parado, entendo tanto quanto todos nós; até que Tasha se voltou para a van novamente.

                Natasha soltou uma gargalhada que eriçou os pelos do meu braço e soltou uma pequena fagulha de fogo na camisa de Joseph. O desespero o fez se mover e sua pele foi atingida pelos fracos raios de luz do inverno, mesmo assim, o Strigoi se contorcia e gritava e eu fiquei ali, sem entender nada e sem saber o que fazer. Minhas opções eram: tentar salvá-lo e provavelmente ser morta por ele, ou deixa-lo morrer e levar toda a culpa. Sem conseguir decidir o que era pior, acabei escolhendo a última.


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