Revestida de Palavras-imersão. escrita por anicullenpaula


Capítulo 6
Capítulo 6




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Eu tentei me arrumar sem fazer barulho.Mas  eu me denunciei caindo e derrubando uns livros em cima de mim.Minha mãe ficou brava,mas eu mostrei o bilhete ‘escrito ontem’(ou não) pra ela e ficou tudo bem.E prometi fazer o café da manhã,eu poderia tirar os olhos da minha mãe fora,que ela me perdoaria se eu a livrasse de fazer o café o que a permitiria dormir uma hora a mais antes de ir trabalhar.

Eu coloquei bacon e ovos num grill e fui terminar de me arrumar.Eu havia acordado com o cabelo escorrido de tão liso (o senhor não foi tão camarada comigo) mas pelo  menos não havia espinhas.Tentei usar o baby-liss na frente mas o cabelo cedeu e ficou novamente  sem graça e pesado.Acabei por fazer uma trança meio desfeita,só por preguiça de fazer algo mais elaborado.Eu passei um pouco de corretivo pra esconder as olheiras que ainda sobraram e consegui disfarçar tudo.Peguei uma blusa branca com decote em forma de delta e meio justa,que eu gostava muito mas ela estava com um botão que teimava em não encaixar no lugar certo e eu teria de ficar de olhos bem atentos pro fato de ele poder abrir sem eu perceber,o que deixaria meu sutiã preto bem a mostra.Queria bastante usar minha sapatilha do tipo bailarina,uma rosa bebê bem fofa,então deixei o all star de lado .O jeans era bem escuro e justo,mas confortável demais pra ser tão lindo,o que me agradava muito. ’Até que ficou bonitinha’,disse eu pra garota no espelho antes de ela corar consideravelmente ’Desse jeito,não vou precisar de blush’ eu me lembrei fazendo pouco caso.Senti o cheiro de manteiga derretida lá em baixo e meu estômago roncou várias vezes,num barulho que me fez pensar se era realmente meu estômago.Ele não me  deixou esperar muito,escorreguei pelo corrimão das escadas,como costumava fazer quando estava com muita pressa.

Os ovos já estavam prontos e o bacon já estava dourado. ’HMM, parece bom’’.

Tentei fazer um flip com um ovo.Tá,não deu certo,caiu .

“Pega Cleópatra!”

Cleópatra estava embaixo da mesa,meio que dormitando.A cadela obesa chegou  perto do ovo cheirou um pouco e,com a veracidade que  o devorou.Também parecia faminta.Ela sempre estava.

Eu peguei um pão e um copo de leite com achocolatado,mastigando calmamente minha refeição.Cleópatra voltou a dormir sobre meus pés,e pude sentir aquela cadela preguiçosa roncar baixinho.Ela tremia muito,e sempre o faz,desde que sofreu um derrame.

Seu ritmo frenético me lembrava a mal-dormida noite ontem.Tive  uma série de pesadelos confusos.

Tudo começou  quando acordei .Olhei em volta e estava numa clareira da floresta.Eu estava toda de branco,num longo e fluido vestido branco,com flores perfumadas no cabelo e incrivelmente,ele estava cheio de lindos e definidos cachos largos.Meus pés pisavam na grama macia e verdejante na qual antes estava deitada e eu me sentia totalmente a vontade.Olhei ao meu redor,tudo estava incrível,a primavera estava no ápice, se ouvia o chilrear dos pássaros e  o barulho do córrego ao longe.Eu vi Theo sobre uma árvore.Ele também estava deslumbrante,com roupas brancas semelhantes as minhas e sua face parecia feita de marfim de tão pálida e imaculada que estava.Ele parecia em extrema tranqüilidade,reflexivo mas um pouco preocupado como se algo doesse nele.Eu sorri ao vê-lo e  acenei tendo o cuidado de ao parecer uma babaca e nem encará-lo demais já que ele estava o mais próximo possível da palavra divino.Michelangelo se reviraria na cova se o visse e sua obra David,se rasgaria de inveja da perfeição de Theo.Eu estava deslumbrada com aquela visão:Theo,meu melhor amigo,na árvore que costumávamos subir,com a luz do sol atrás ,projetando nele sombras que o deixavam mais de tirar o fôlego ainda.Tive vergonha de estar ali naquele momento,e repassei como estaria minha aparência em comparação a dele.Mas eu lembrei que estava toda de branco e Theo ficava ‘embasbacado ‘(palavras dele)quando me via de branco total.Eu sorri e gritei seu nome.Mas ele não sorriu como de costume quando me via.pelo contrário,sua face endureceu mais e  mais,se tornando ríspida e seu semblante bravo,como se estivesse irritado por eu estar ali naquele momento.Não pude evitar de fazer beicinho,já pronta pra dar uma bronca no meu amigo por não me receber ,mas algo me fez parar.

Um grito de horror  brotou de algum lugar e eu custei a acreditar que aquele grito era meu.

Brad,enforcado num galho próximo a Theo,com os olhos fora de órbita e arregalados,me encarando de um jeito como se olhasse através de mim.E ao lado dele,meu pai,com a fronte banhada em sangue,ainda com uma faca cravada em seu pescoço.

As lágrimas caíram em turbilhão escorrendo pela minha face.Eu baixei  instintivamente os olhos  pra evitar aquela cena tão assustadora mas me flagrava olhando ora pra os olhos azuis sem vida de Brad,ora pra Theo,cada vez mais radiante e lindo.Theo pareceu gostar daquilo e sorriu assustadoramente malicioso pra mim como que se divertisse com minha dor.Eu não entendia por quê ele não ajudava eles e eu eu queria ajudá-los,mas meu pânico me congelava de medo.Percebi que as roupas do meu amigo,antes tão alvas,agora estavam banhadas de sangue.Desceu do galho numa velocidade sobre-humana e chegou próximo até demais de mim,como se fosse me beijar.Ele não parecia ligar pra o meu medo,inclinou-se,                e disse,de um modo quase animalesco:

“Minha princesinha...Chegou tão cedo.Esperava que chegasse mais tarde pra que eu pudesse concluir tudo isso”.

Ele abriu os braços e suspirou como se estivesse se libertando de alguma coisa.Pude sentir sua fragrância um tanto selvagem,misturada com cheiro de ferrugem do sangue,que me atingiu como um tijolo atinge uma vidraça.

“Theo...o quê...?”

Meu estômago revirou.Eu não podia ver sangue.É meio estranho ,principalmente pra uma menina,que não pode evitar ver sangue, mesmo assim,explica isso pra minha cabeça dura.O cheiro era nojento e o sangue parecia uma mistura de todas as coisas asquerosas existentes.Um cheiro de podre invadiu o ar e minha cabeça girou quando, uma lufada de vento veio no sentido do Theo pra mim,fazendo-me perder completamente o fôlego.

Aquilo não era sangue humano.

Meus pés tremeram e,por mais que eu ordenasse a mim mesma que eu me mantivesse de pé,meus joelhos enfraqueceram e num segundo,estava em seus braços.

Gritei algo sobre o cheiro dele e ordenei que se afastasse de mim. Me surpreendi ao perceber que meu ‘grito’ não havia passado de um sussurro.

Um vinco se formou na testa lisa de Theo.

‘Ah,sei que não se sente à vontade com sangue.Mas isso vai mudar,meu amor.Eu já mudei”.

“Eu...eu,me põe no chão...!’

Só o que consegui dizer sobre minhas lágrimas.Tentei parecer o mais brava e perigosa possível mas sei que não passei de uma gatinha irritada em seus braços.Ele pareceu aborrecido com isso.Fez um beicinho.

“O que houve,meu anjo?não gostou da surpresa que te fiz?”

“Você...você fez...isso?”

Ele mal pode conter seu entusiasmo:

“Sim,sim.Tive certa ajuda,mas,em suma,eu fiz tudo.”

Após dizer isso bateu no peito aspirando bastante ar.

“Pai...? Brad...?”

“Ah, não se preocupe”-disse ele tirando uma mecha de cabelo que estava por sobre meus olhos-“eles não irão mais incomodar. Agora, somos só eu e você, pra sempre princesa.’-Completou com um olhar que fez meus cabelos da nuca arrepiarem-‘Eliminei tudo o que te distraía de mim,o resto,eu excluirei com o tempo”.

Ele olhou de relance pra minha casa na clareira, sabia que se referia a minha mãe.

Eu tentei correr em direção a minha casa,mas ele foi mais rápido e me aparou pela cintura,antes de me deixar cair novamente,deixando num baque,nós dois há poucos centímetros de distância.

“Já vai?Tão cedo?”-Ele me poupou de responder esta pergunta-“Não,claro que não,minha linda.Você nem aproveitou direito!”

Eu ainda estava assustada e soluçava sem parar. Ele pareceu triste com meu estado.

“Oh,minha bela,achei que você iria gostar.Mas você vai se acostumar,eu me acostumei.Não leve isso como fim de vidas e sim como o começo de uma nova,uma prova de amor,minha pequena”

Ele me olhava fixamente com aqueles olhos enormes.Pode parecer perversão afinal meu pai e meu ‘namorado’ estavam mortos há poucos metros de mim,mas,num segundo eu parecia completamente submissa a Theo.Ele estava perfeito,com aquela carinha de sapeca e me segurando com força,parecendo mais velho,maduro e extremamente maduro.Me puxava pra ele como um imã puxa metal.Ele me beijou e eu senti meu corpo todo eletrizar, nem mesmo Brad conseguia me acender daquele modo.Ele me tocou as costas e descia devagar as mãos ágeis,e eu,fui readquirindo minhas  forças só com o fato de retribuir seu beijo.Era como se ele me passasse energia,como se eu necessitasse dele pra viver.Eu só acordei do meu doce torpor depois de muita luta interna,com uma voz boba dizendo que era pra eu continuar.Eu devia obedecê-la,mas eu não queria.

Quando me soltei dele,parecia que todas as forças que eu tinham haviam se esvaído,como se descessem pelo ralo.Antes eu me sentia segura e confiante em seus braços,uma mulher.Quando me esquivei dele,pareceu que eu não era nada,que eu havia sido redimida a pó,como se eu dependesse dele pra ser algo.

Eu me afastei dos braços musculosos dele e dei-lhe um tapa no rosto.Recomecei a chorar,vendo novamente o cenário desolador do outro lado do imenso carvalho.Ele pareceu se irritou muito com minha atitude pois praticamente cuspiu as palavras no meu rosto.

“Não entendo.Você devia me amar,Catherinne.EU te dei a imortalidade,e acima de tudo,eu te dei uma vida de verdade.Você agora é forte,e somos como um só.Você não sou eu,eu não sou você,não há um ‘eu ou você aqui,nós apenas somos”-Ele me olhou com um olhar nojento e possessivo e me perguntei se seus olhos,antes castanhos como Âmbar,estavam negros de raiva.

“Mas,eu não entendo,eu só não...”

“Só precisa entender uma coisa:você é minha ,Cat.E além de tudo você não tem escolha,você tem que ser minha,ou nada.Eu não iria querer vê-la sofrendo, acima de tudo,por que isso também me faria sofrer.”

Eu encarei seus olhos, tentando livrar toda raiva deles.Tentei enxergar meu doce e velho melhor amigo naquele estranho angelical,mas não achei nada dele lá.

Eu me irritei e o desafiei.

“Eu não sou sua,nunca serei.Quero meu amigo de volta.Te odeio seu nojento,seu sádico idiota.Você não é o Theo.Prefiro morrer a estar com você.”

Ele riu sonoramente e gargalhou entre dentes como se estivesse com tanta raiva que não conseguisse expressar.      Sua risada parou num guincho estridente como num descarrilar de trem  e ele me apertou com muita força os braços e cinturas,o que me deixaria com certeza com hematomas arroxeados.

“Não pode  preferir morrer a estar comigo,sua ingênua.Você já morreu.”

Ele afrouxou um poucos os dedos e passou pelo meu pescoço em linha curvilínea até o início dos meus seio.Isso me ocasionou uma dor quase infernal.Eu urrei de dor e ele riu mais e mais,por fim passando-me um pequeno espelho.Eu olhei e em seguida deixei-o cair aos meus pés.

Eu tinha uma cicatriz enorme que passava desde abaixo das minhas orelhas até meu colo,e se expandindo até meus ombros.Parecia caseiramente costurada mas não havia resquício de sangue.Eu olhei pra meu rosto,que também parecia petrificado,e sem nenhuma gota de sangue.

“Viu, está morta. Eu a matei, com minhas  próprias mãos e não sabe o prazer que me deu.Você agora depende de mim,não ‘sobreviverá’ mais que 12 horas sem minha presença.”-Ele completou pegando a base do meu maxilar,delicadamente-“Terá que me amar Catherinne,se não quiser parar de existir de vez.”

Ele me pegou delicadamente pela mão,e eu o segui,ainda em choque.Ele tirou a corda do pescoço de Brad,e com a faca ainda suja de sangue do meu pai,cortou seu pescoço e disse:

“Vamos,beba,sei que está com fome.”

No momento que ele disse isso,minha garganta pareceu se fechar de tanta sede.EU me senti como uma esponja velha e seca,e uma sede imensa misturada com um ardor,mas eu sabia que não era de água.Tentei pedir ajuda ao Theo,mas este só alargou mais seu sorriso ,mostrando lindas filas de dentes perfeitos como pérolas,quando viu eu em ajoelhar fraca e por a mão no pescoço,não agüentando mais aquela sensação horrível.

“Vamos, beba. Está desacordada há horas e se não beber logo, vai acabar virando pó”.

Eu me aproximei de Brad.Seu sangue era líquido,vital e vistoso com um cheiro inebriante.Ele com certeza havia morrido há pouco tempo e seu corpo ainda não estava totalmente rígido.Parecia me encarar quando cheguei mais perto e aspirei a fragância.Theo pareceu aprovar minha atitude.

“Isso,aproxime-se.É como um bom vinho:precisa-se apreciar o aroma primeiro.Mas não espere demais,senão o sangue coagulará.”

As palavras eram tão asquerosas, mas pareceram músicas aos  meus ouvidos.

Eu iria provar daquilo e senti algo forte dentro de mim me incitando a fazê-lo.Mais forte que minha razão e  princípios,mais forte até do que mim mesma.

6:40 AM.

O meu despertador toca.

Eu levanto e tento não pensar sobre esse sonho idiota e macabro.Não consigo e falho na primeira tentativa e tentei conectar minhas idéias que pareciam meros impulsos inertes no  meu cérebro.

“Puff,você está assistindo muito ‘Vampires Diaries,Catherinne”.

E levantei da cama cambaleando.

Capítulo IV:

“Por que somos obrigados a vir pra essa escola idiota,quando o mais interessante está aqui,bem a minha frente?’’

Eu terminei meu café da manhã e arrumei o da mamãe deixando-o no microondas,pra que não esfriasse.Me certifiquei de não levar suéter nenhum,já que estava fazendo um sol de rachar lá fora.

Resolvi não ir pela floresta,isso só me faria ir até a árvore  do sonho,me certificar se foi tudo loucura.

“Foi só um sonho,sua boba.Não ligue pra isso,foi só um sonho”.

Eu continuei andando,dessa vez saí pela porta da frente.Mal me afastava da grande casa vermelha de alvenaria e já liguei meu i-pod,o caminho seria mais longo do que ir pela trilha da floresta,mas qualquer coisa pra não ver aquele lugar horrível de novo.

Aumentei o volume nos fones,até que doesse muito nos meu ouvidos.Escolhi a banda Train,uma das minhas favoritas.Também era a favorita de Theo,que sabia tocar quase todas no violão.

Eu podia ver as casas ,observar as pessoas saindo apressadas pro seu trabalho  e pra escola,podia sentir o cheiro  de pão,café,terra molhada e até da chuva vindo ao longe,mas não podia ouvir nada por causa dos fones.Achei que seria muito bom que você conseguisse desligar seus sentidos,ou pelo menos distrair-se de um deles.

Sorri .


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