I just wanna save you

 Como se salva alguém que não quer ser salvo? Como se ajuda alguém que não quer sua ajuda? Como se faz companhia a quem acha que estar sozinho não é algo tão ruim? Essa historia ocorreu há algum tempo mas nada impede que ela se repita. O que ocorre quando um cara que pensa ter tudo encontra alguém que apenas chega e diz” eu apenas quero te salvar”? Bom, isso ocorreu comigo. E tudo que veio em minha cabeça era:do que eu posso ser salvo? Qual o perigo que estou correndo? A pessoa mais difícil de salvar é aquela que temos que salvar de si mesma. E infelizmente a quem gentilmente disse essa frase para mim, esse era o meu caso. Eu cheguei num ponto em que precisava ser salvo de mim mesmo. E o pior de tudo é que eu mesmo nem cogitava isso. A pior dor é a que se tem e não se sente. É a que você ignora e finge não ter conhecimento, porque é está que realmente te machuca cada vez mais. É aquela que não advém de nenhuma doença. É aquela que a solidão nos traz e só outro alguém pode mandar embora. Então hoje, sabendo o que houve, se mais uma vez esta pessoa tão importante chegasse e me dizesse eu apenas quero te salvar, eu apenas diria obrigado, obrigado por me dar uma nova chance, por me dar uma nova vida. Obrigado por não me deixar sozinho. Obrigado por apenas existir e aparecer na minha vida quando eu mais precisava e nem sabia disso. Obrigado.

É difícil para mim por em ordem tudo o que houve, afinal não estou muito acostumado com palavras. Ao menos não quando elas estão relacionadas a mim. Quando elas tem que ser o que eu verdadeiramente senti. Quando não posso camuflar minhas emoções e me colocar instintivamente em segundo plano. Nessas ocasiões as palavras fogem de mim numa velocidade semelhante a da luz no vácuo. Mas juro me esforçar. Juro dar o melhor de mim para que,mesmo que em linhas falhas, eu possa contar-lhes o que houve comigo. Para que de minha experiência tirem algo valioso. Para que abram os olhos para as coisas que realmente importam. Mas acho que já estou me tirando do foco desta história,mesmo que inconscientemente. Melhor seguir com a história de forma impessoal. De forma que eu mesmo não possa atrapalhar minha narrativa. De uma forma que eu não seja meu próprio inimigo nessa missão que eu mesmo me impus, na missão de lhes contar o que houve comigo.

Enquanto escrevo essas palavras, olho para o céu tentando buscar o que já passou, mesmo me lembrando de tudo como se fosse ontem. Tento buscar o jeito como descreveria tudo naquela época. Quando não era grato. Quanto estava cego demais. Sei que isto está virando um prólogo. Sei que terei que cedo ou tarde deixar isso de lado e escrever. Mas as palavras que escrevo parecem se negar a parecer que as que eu usaria antes de ser salvo. Parecem estar em greve, não querem assumir as expressões passadas. E eu estou a ponto de chutá-las e berrar para que façam o trabalho delas. Não seria o primeiro a chutar algo escrito por si mesmo. Mas seria o primeiro a acusar as palavras. Ei será que eu entro no livro dos recordes? “Primeiro homem a jogar a culpa nas palavras preguiçosas”. Pensando bem não sei se é um título que eu penduraria na parede do meu quarto. Ao menos não com orgulho. E lá vou eu sendo puxado por divagações sem sentido. Chega a ser cômico que um cara de minha idade não possa organizar os pensamentos sobre algo que aconteceu com ele mesmo.E o mais engraçado é que quanto mais tento não falar sobre mim, mais falo. Falo mais sobre minha dificuldade de me expressar e sobre como quero transmitir isso pra vocês. Talvez as palavras estejam menos rebeldes do que pensei.

Bom, vamos parar com a enrolação. Essa história ocorreu há uns três anos. Eu nasci sem nada, mas tinha um alto QI. Então com muito força comecei a trabalhar e hoje tenho uma empresa. Ahh mas pare de imaginar um velhinho, eu tenho 29. Meu pai era pai solteiro. Ou em outras palavras, minha mãe me empurrou para ele quando tinha um ano de idade e disse toma que o filho é seu. E daí deu no pé. Lindo o amor maternal, não? Dá ate vontade de chorar de emoção. Ah, não, espera é um cisco no meu olho. Mas para compensar “toma essa tralha que eu cansei” da minha mãe, meu pai foi com certeza um ótimo pai. Ele podia ser pobre mas o cara era demais. O velho estava sempre ao meu lado. Mas infelizmente ele morreu quando eu tinha doze anos. Nem teve chance de sobreviver. Ele era pobre, não tinha dinheiro para pagar um médico, e conseguir um lugar num posto de saúde... bom era mais fácil eu dar uma raspadinha e o velho se curar quando ver que ganhou um carro. Apesar da brincadeira, isso foi muito doloroso para mim, a partir daquele momento eu estava sozinho. E não queria mudar isso. Não queria tentar tapar o buraco deixado por ele. Então comecei a estudar e trabalhar mais do que nunca. E fui crescendo. Até que consegui grana para me mudar para uma casa descente e abri minha empresa que foi crescendo e crescendo. Aos meus vinte e seis já estava muito bem de vida, numa casa grande e atolada de livros. Sem brincadeira. Eu tinha mais livro que a biblioteca municipal. Na verdade ainda tenho. E assim estava quando começou essa história. Numa casa enorme, sozinho, atolado de livros e de anotações sobre a minha empresa até o pescoço. E foi por causa da minha grande vontade de me atolar mais ainda em livros que eu conheci quem veio a me salvar. Mesmo que a primeira impressão que tivemos um do outro não tenha sido digamos... favoráveis. Na verdade ela me chamou de grosso e eu tentei colocar ela para fora da minha casa porque ela entrou quando mandei ela ficar do lado de fora. Devo admitir que hoje vejo que fui meio grosso. Mas na época quem dizesse isso para mim levaria uma portada na cara. Enquanto as palavras voltam a fugir suspiro e olho para o céu me lembrando de uma frase que nunca pareceu fazer tão sentido. Eu apenas queria salvá-lo...