Desenho escrita por themuggleriddle


Capítulo 3
Contorno


Notas iniciais do capítulo

betado pela Prímula e pela Lena.



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contorno

O que me vem à cabeça quando penso em “infância” é a imagem de mim rodeado de folhas e cadernos cobertos com desenhos com traços imprecisos e infantis, alguns feitos com grafite, outros com lápis de cores e alguns poucos com tinta. Minha diversão na época era andar pela nossa casa, observando tudo e todos, antes de correr de volta para seja lá onde fosse que minhas coisas estivessem para desenhar o que eu vira. Em algumas ocasiões, eu levava minhas coisas até o que estava observando, mas eu achava que carregar meus papeis, cadernos e lápis era muito esforço, por isso preferia ficar sempre em um lugar só... Pelo menos até eu perceber que ficar levantando e indo até o objeto que eu queria desenhar era um esforço maior, e desnecessário, mas só percebi isso mais tarde.

Lembro de quando minha mãe costumava me chamar para ir até a varanda, onde ela montava o cavalete e passava a tarde pintando. Ela dividia a atenção entre pintar e me observar sentado no chão, desenhando coisas. Creio que, se pudesse voltar no tempo, voltaria para essa época, quando a minha maior preocupação era qual lápis deveria usar e minha maior dúvida era onde estava o apontador ou a borracha. Gostaria de poder voltar à época em que minha idade me permitia ficar sentado no chão da varanda durante o dia todo, apenas rabiscando um pedaço de papel na companhia da minha mãe, sem ser julgado.

Quando criança, meu mundo se restringia aos terrenos da nossa casa. Quase não saía de lá e, quando o fazia, era na companhia de meus pais, sempre para lugares específicos: Londres ou Great Hangleton . Esse isolamento dentro de casa talvez se devesse ao fato de minha mãe ser protetora até demais, achando que alguma desgraça poderia acontecer se eu cruzasse os portões da nossa propriedade sem ninguém ao meu lado. Isso acabou fazendo com que eu fosse educado em casa por um tutor que se encarregava de me ensinar tudo o que eu precisava saber: história, geografia, inglês, ciências, política, literatura, matemática... Mas gosto de acreditar que aprendi mais com meus pais do que com esse tutor. Os cálculos pareciam ficar um pouco mais interessantes quando eu observava meu pai efetuá-los. Era como se o silêncio e a concentração dele fossem mais educativos do que todas as coisas que meu tutor falava para tentar me ensinar. A mesma coisa acontecia em relação a minha mãe. História era o seu forte e, vez por outra, eu me pegava ouvindo-a falar sobre antigas revoluções e guerras de uma maneira tão delicada e interessante que parecia estar contando a história de algum dos romances que lia.

Artes fora outra coisa que eu não aprendi com nenhum professor. Não, minto, minha professora era minha mãe. Ela foi a única pessoa que pareceu me ensinar alguma coisa sobre artes... Era ela quem, quando eu não estava estudando, montava composições sobre a mesa da sala de jantar e me colocava para desenhá-las. Era ela quem, de vez em quando, segurava a minha mão e a guiava pelo papel ou tela, me mostrando como eu deveria fazer os meus traços.

Lembro-me como se fosse ontem quando ela começou a me ensinar a pintar. Minha mãe fez bem de montar o cavalete na varanda, parecia até já saber o desastre que eu era com as tintas. Tudo o que Mary fazia com extrema delicadeza, sem nunca se sujar, eu conseguia fazer criando uma bagunça em volta. Eu conseguia a terrível proeza de sempre sujar os dedos de tinta, não importava como eu segurava o pincel, meus dedos sempre acabavam manchados com as mais diversas cores. Eu até gostava disso, gostava de observar as formas abstratas que as manchas adquiriam sobre a minha pele, gostava de sentir o cheiro de tinta com o qual minhas mãos ficavam impregnadas mesmo depois de lavá-las várias vezes, me divertia quando minha mãe fingia me repreender por ter me sujado enquanto esfregava minhas mãos com água e sabão, tentando livrar-se da tinta. Ela sempre segurava minhas mãos e corria os dedos por elas depois que terminava, murmurando que eu tinha dedos bons, dedos de pianista.

Agora, todas as vezes em que minha mãe ia pintar, eu ficava por perto, mas não prestando atenção em outras coisas, apenas aproveitando a companhia dela. Eu aproveitava para prestar atenção no que ela fazia. Foram nessas observações que comecei a perceber que Mary Riddle adorava detalhes. Talvez fosse isso que fizesse a diferença em suas pinturas. Sempre havia detalhes que, muitas vezes, só ela sabia que existiam. Uma pequena borboleta voando ao fundo da paisagem do jardim, o reflexo dela mesma em um vaso espelhado, a covinha quase imperceptível que aparecia no rosto de meu pai quando ele sorria. Todos os detalhes que apenas ela percebia até então, mas foi só uma questão de tempo até que, devido a observá-la por horas a fio, meus olhos começassem a se acostumar com os detalhes, percebendo-os em todos os lugares.

É engraçado pensar na minha infância. Parece que foi ontem, como se eu ainda pudesse sentir o cheiro de tinta em minhas mãos. Ainda pudesse apreciar o silêncio dos momentos que passava com meu pai, estudando matemática. Pudesse me lembrar de cada vestido que minha mãe usava quando saía até a varanda para pintar... Mas também parece que foi há muito tempo. Há coisas que mudam demais ao decorrer da vida, coisas que perdemos com os anos... A simplicidade dos meus dias, a liberdade de poder sentar no jardim durante um dia ensolarado, a paz que sentia quando ficava só, a ausência da necessidade de ter que agradar alguém. Coisas as quais só damos valos quando as vemos escorrer por entre os dedos e não podemos fazer mais nada para recuperá-las.


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Notas finais do capítulo

Querido Tom Riddle Sr., pare de ser tão fofo. Obrigada.



bom, o que acharam? (:




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