Hallelujah escrita por Meh_Kiryuu


Capítulo 1
Capítulo Único




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Atravessei o lago, entre as brumas onde ninguém podia mais ver Avalon atrás delas e fui a encontro a Lancelot, o homem que um dia amei; e meu querido irmão Artur. 

No céu jazia uma faixa avermelhada, anunciado que o sol nasceria em breve.

Após olhar para Lancelot, vi Artur em seus pés lutando contra a morte, lutando contra as apunhaladas de nosso próprio filho. O menino que nunca conheci e entreguei a uma mulher que não temia a nenhum deus.

Tentei gritar entre as imagens que se formaram em minha mente e dizer a ele que não tive escolha. Eu realmente nunca tive o direito de tocá-lo quando nasceu, pois ele foi roubado de mim por minha própria tia.

Chorei baixinho, para que meu primo, Lancelot, não ouvisse.

Quando me dirigia para a praia, percebi que todo povo pequeno e escuro de Avalon me seguia e eu andava entre eles como a sacerdotisa que um dia fora. Estava sozinha na barca, caminhando em direção aos dois.

Pensei no que eu já havia sido. Eu fora: Morgana, a Donzela, que levara Artur à caça ao veado e ao desafio ao Gamo-Rei. Morgana, a Mãe, que se partira em pedaços quando Mordred nasceu. E a rainha de Gales do Norte , exortando o eclipse para incitar Acolon enfurecido contra Artur, a sombria rainha das fadas....ou era a Morte que estava ao meu lado?

Quando chegava mais perto pude ver Artur com seus cabelos loiros manchados de sangue, meu Artur, meu amante, meu irmão... E um pouco mais atrás permanecia Mordred morto, meu filho, a criança que jamais conhecera.

Desci da barca e fui de encontro a Mordred. Retirei meu véu e com um gesto cobri seu rosto com este. E eu sabia que era o final de uma era. No passado, o jovem gamo derrubara o Gamo-Rei e tornara-se Gamo-Rei em seu lugar; mas o gamo fora morto, e o Gamo-Rei matara o jovem gamo, e não haveria ninguém depois dele....

E o Gamo-Rei precisava morrer, por sua vez.

Ajoelhei-me ao lado de meu irmão. A espada segura em sua mão, retirei-a com delicadeza com intenção de jogá-la ao lago para que as Sagradas Insígnias se fossem para sempre. 

Mas Lancelot protestou meu feito, dizendo:

- Não devemos deixá-la para aqueles que um dia virão e lutarão pelo seu povo como Artur o fez?

- Não - disse a ele com serenidade - Esses dias acabaram!

Os dias dos ensinamentos da Deusa nunca mais existirão, a única crença que permanecerá em toda a Grã-Bretanha será aquela proclamada nas igrejas.

Eu ouvi que havia um acorde secreto
Que Davi tocou e louvou ao Senhor
Mas você não se interessa mesmo por música, não é?
É assim - a quarta, a quinta
A menor cai, a maior ascende
O rei perplexo compondo aleluia
Aleluia, aleluia, aleluia, aleluia. 



- Tome, Lancelot - disse suavemente, entregando a espada a ele - Jogue-a no lago, mas lance-a bem longe nas águas. Deixe que as brumas de Avalon a esconda para sempre.

Lancelot pegou a espada e a segurou pensando se devia fazer o que eu havia pedido. Aninhei Artur em meu peito e nos três jazíamos em silêncio. A vida dele desaparecia rápido; eu sabia disso, mas não tinha mais lágrimas.

Pensei em Guinevere, mas ela também não estava mais conosco. Viviane preparou o trono para nós dois, eu e Artur, mas eu desisti de Avalon por um longo tempo e Guinevere se casara com meu irmão e o prendeu em seu próprio trono, em um lugar cristão retirando aos poucos os ensinamentos da Deusa que um dia ele acreditou. 

Costurou uma bandeira com a imagem da Virgem e fez Lancelot carregá-la por todo país, destruindo a religião do povo antigo, a religião de Avalon. 

Amou dois homens, mas nenhuns dos dois lhe deram o filho desejado. Acusou Artur, meu amor, de incestuoso em quanto transava com o melhor amigo deste. 

Ela destruiu o seu povo, mas ensinou a religião que nunca ninguém vencerá.

Sua fé era forte, mas você precisou de provas
Você a viu se banhando do telhado
A beleza dela sob a luz do luar te arruinou
Ela te amarrou numa cadeira da cozinha
Ela destruiu seu trono, cortou teu cabelo
E dos seus lábios ela extraiu a aleluia


Pude sentir o aroma do mar e lembrei de quando morei em Gales do Norte e do dia que meu irmão nasceu. Dos dias que vivia com minha mãe e minha tia; a mulher que eu confiara meu filho. Mas a Deusa quis que você entrasse em minha vida.

Que Uther, seu pai, morresse do jeito que morreu e você pudesse estampar nossa bandeira no mármore do castelo de Camelot, a bandeira do dragão vermelho e ficou lá por um longo tempo. Até Guinevere estragar o que era nosso.

Beijei os lábios de meu amor, meu irmão. Sentindo-os pela última vez.

-Morgana - sussurrou ele. Seus olhos estavam intrigados e cheios de dor. - Morgana, tudo isso, o que fizemos, e tudo o que tentamos fazer foi por nada? Por que falhamos?

Esta era a minha própria pergunta, e eu não tinha nenhuma resposta; mas ela veio de algum lugar:

- Você não falhou meu irmão, meu amor, meu filho. Você manteve esta terra de paz por muitos anos; por isso os saxões não a destruíram. Afastou a escuridão de uma geração inteira, até que eles fossem homens civilizados, com estudo, música e a fé de Deus, que lutarão para salvar a beleza dos tempos passados. Se esta terra tivesse caído nas mãos dos saxões quando Uther morreu, então tudo o que havia de belo e bom teria perecido na Bretanha. Então, você não falhou meu amor. Nenhum de nós sabe como Ela fará cumprir os seus desígnos... Apenas que será feito.

E eu não sabia, mesmo então, se o que eu falara era a verdade, ou se o dizia para confortá-lo com amor, como o fizera com a pequena criança que Igraine me pusera nos braços quando eu mesma ainda era uma. - Morgana - dissera ela -, tome conta do seu irmãozinho. - E assim eu o fiz sempre, assim eu faria sempre, agora e além da vida.

Talvez eu já tenha estado aqui antes
Eu conheço este quarto, eu andei neste chão,
Eu costumava viver sozinho antes de conhecer você.
Eu vi sua bandeira no arco de mármore
O amor não é uma marcha vitoriosa
É um frio e triste aleluia
Aleluia, aleluia, o aleluia, aleluia.


Recordei-me de quando joguei a bainha no lago, apenas por egoísmo. Ele nunca me perdoaria por isso. Mas eu o fiz, eu precisava fazer.

Lembrei de quando ele tinha apenas quinze anos e eu o transformara em um homem, eu havia transformado em Gamo-Rei e ele me fizera mulher. E todo poder da Deusa nos cercou naquele momento, eu realmente queria voltar no tempo e me sentir jovem mais uma vez. Afastamos-nos desde aquele dia, quando me escondi em Avalon para que ninguém se lembrasse de mim, mas as histórias sobre nós vagam sobre o mundo todo e podem até mesmo vir a ser contadas como lendas. Nada mais que isso.

Ele apertou os dedos enfraquecidos sobre o corte profundo em seu peito. 

- Se eu tivesse ao menos a bainha que você fez para mim, Morgana, não estaria aqui com a vida esvaiando-se em sangue... Morgana, eu sonhei, e em meu sonho eu a chamava, mas não conseguia alcançá-la...

Segurei-o junto a mim. Na primeira luz do sol nascente, vi Lancelot levantar a Excalibur nas mãos e atirá-la tão longe quanto podia. Ela voou no ar, caiu, rodopiando, e eu não vi mais nada; meus olhos estavam enevoados com as lágrimas e o brilho da luz.

Então, ouvi Lancelot dizer:

- Eu vi uma mão elevar-se do lago, segurar a espada e brandi-la três vezes no ar, antes de submergir...

Eu nada percebera, apenas, o brilho da luz sobre um peixe que aparecera na superficie do lago, mas não duvido que ele tenha visto ou que disse que viu.

- Morgana, é você mesma? Não posso vê-la, Morgana, está tão escuro aqui... O sol está se pondo?

Sua cabeça começara a pesar sobre meu peito, pesada como uma criança em meus próprios braços infantis, pesada como Gamo-Rei que viera para mim triufante. - Morgana - chamara minha mãe, impaciente -, tome conta do bebê... - E toda a minha vida eu o carregara comigo.

Limpei as minhas lágrimas na manga do vestido escuro que vestiam, beijei sua face e fiquei em silêncio. Mas ele continuava a perguntar quem estava o abraçando e dizer que o mundo estava ficando escuro.

- Nunca te deixarei, meu irmão, meu bebê, meu amor - sussurrei, e beijei-lhe seus olhos. Ele morreu logo que a bruma se levantou e o sol raiou sobre as praias de Avalon.

Talvez eu falhara, falhara com a Deusa. Ou até mesmo sido falsa com Ela, se de fato houvesse alguma, falhara a Avalon, falhara a meu irmão, filho e amante... e tudo o que eu buscara estava em ruínas.

Talvez lá haja um Deus acima
E tudo que eu sempre aprendi sobre o amor
Foi como atirar em alguém que te desarmou
E isso não é um choro que você pode ouvir à noite
Não é alguém que vê a luz
É um frio e triste aleluia
Aleluia, aleluia, aleluia, aleluia, aleluia, aleluia, aleluia.

FIM!


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