" - Tah preocupado? - Clarisse me perguntava.

- Uhum, e você? - Me virei para ela, dando as costas para a rede vazia.

- Não, já disse que não devia ficar amigo dele Caleb. 

- Mas...

- Esquece isso. Hey, você sabe o que significa 'mortalha"?

- Não, você sabe?

- É o manto que colocam sobre as pessoas mortas. "

Ela fechava os olhos depois disso, serena. Eu pus minhas pernas para fora da rede, encostando com uma delas no chão e pegando impulso, balançando e voltando a deitar, como ela podia ficar tão calma em meio a toda aquela confusão? Talvez ela não estivesse calma e sim como eu fiz no dia, no dia em que meus pais sumiram dentro daquele buraco. Não que eu estivesse calmo, eu agia quase que normalmente, em "choque"?Mas tinha outra coisa... como ela sabia o que era uma mortalha Quem ela tinha visto morrer? Ou era só uma menina estranha mesmo?

Demorei um pouco a dormir, mas a boa noticia, e que acordei pouco antes da sirene, e ao olhar para o outro lado Max estava lá, esparramado em sua rede, quase que babando.

Sai do dormitório respirando fundo, por alguns instantes fiquei perdido, era cedo e poucos estavam de pé, e os que estavam eram adultos, não havíamos recebido ordens para ir comer, tomar banho, ou treinar. Eu tinha, um tempo vago?

Fiquei feliz com isso, primeiro pensei em brincar, mas não sou a criança com melhor imaginação do mundo, gosto de brincar com os outros. Depois pensei em ver TV, provavelmente eu já tinha perdido o episódio que decidia quem vencia o torneio do desenho que eu assistia. Mas de qualquer jeito, aqui não tem TV, acho...

A última idéia foi a unica que pode ser realizada, procurar alguém. talvez Travis, talvez a mulher-do-rabo-de-cavalo. Talvez.... E ali eu me decidi, quem eu ia procurar de qualquer forma e o que eu ia fazer. Eu ia ver a professora.

Fui em direção a enfermaria,pedindo informações e a entrar percebi que era o único lugar com camas, e os lençóis serviam para separa-las sendo pendurados no teto. Era mesmo como uma ala hospitalar embora muito precaria.

- Fêssora? Onde está a senhora? - Chamei em voz baixa. 

Ela gemeu chamando minha atenção. Fui até o "seu" lençol, passando por baixo deste. Ela estava ainda pior do que quando a salvei, parecia estar apodrecendo, viva. Tinha uma mascara a fazendo respirar. Idiotas. faziam aquilo porque ela estava conosco, e crianças iam reclamar se a deixassem morrer, mas seria a melhor solução, não gastariam equipamento que podia vir a ser necessário e ela não sofreria de dor.

- C-Caleb... - Falava a voz rouca como podia, se lembrava do meu nome, da chamada. - Por favor...

E então eu me lembrei. Quando a pegaram na maca, pra retira-la do ônibus, eu escrevi como se tivesse sido algo banal, mas ela agonizava de dor, sempre que a tocavam, afinal, não tinha pele era apenas carne.E ainda estava assim, se doi quando ralamos a pele, imagina quando a perdemos. Virei o rosto no que ela me pediu, eu não teria coragem.

- Obrigada.. mas... por favor... - Ela agradecia por eu tê-la salvo, dava pra ver, mas ao mesmo tempo ela pedia que o que eu tinha feito houvesse sido em vão.A expresão de dor dela ficou gravada em minha mente. 

Dei as costas, fui até uma janelinha próxima, a abri, e puxei um punhado de terra, desenhando patas de animais no chão as seguindo. Ouvi algo, ignorei. segui um pequeno caminho até a tomada e a puxei. Eu matei. Matei alguém. Matei uma mulher. Mas fiz pra que não sofresse. E então fiquei de pé ao lado de sua cama, uma lágrima, de sangue escorria por um de seus olhos. Lágrimas comuns se formavam nos meus, mas eu não permitia que escorressem.

Sai dali, não queria pensar nisso. Voltei ao dormitorio, pra cama(rede). a sirene soou em pouco tempo, me levantei e tomei banho como todos, indo almoçar.Peguei você diário, e escrevi isso porque tinha de desabafar com alguém e não sei se tenho coragem de contar a Clarisse.

Estamos almoçando.Eu lhe conto o resto do dia, quando for de noite.