ㅤㅤAcordei. – Merda, como eu detesto acordar... é sempre ruim sair do nosso mundo para encarar esse em que vivemos. Após acordar me troquei, escovei os dentes, tomei café, despedi de minha mãe, tomei um ônibus e cheguei à escola: hora de colocar meus queridos fones de ouvido e me poupar de todo aquele “blábláblá” matinal.
ㅤㅤÉ, estava imersa na costumeira maré de tédio. Tudo me fazia concluir que seria um dia normal, como qualquer outro da minha vida, sem a mínima emoção.
ㅤㅤ– Certo, classe! Me escutem! – Uma voz familiar sobressaiu-se entre o zumbido de falação da minha turma: era a diretora quem estava gritando. Desliguei o iPod imediatamente. Ela levava a mão à testa: algo estava errado e os alunos a impediam de se explicar. Olhei para o relógio: Lídia, a professora de química, estava trinta e três minutos atrasada para a aula.
ㅤㅤ– Tudo bem, parem de agir como animais e me escutem. – A diretora ordenou, em um tom baixo, porém muito sério. Todos se calaram na mesma hora. – Continuando... a professora de química não está simplesmente atrasada. Ela acabou de pedir as contas, demitindo-se, dizendo não aguentar mais dar aula para um bando de incompetentes como vocês. Saiu correndo daqui. Diante deste contratempo, escolhemos um de nossos melhores assistentes de laboratório para substituí-la: apresento-lhes Lincoln Lopes.
ㅤㅤEla gesticulou para a porta, pedindo para que o tal assistente se apresentasse. Naquele momento meu coração quase parou.
ㅤㅤPassou pela porta num deslumbre um homem magro, não media mais que 1,78. Seu cabelo era grande e loiro, repicado de jeito punk, e estava despenteado – o que fazia o corte parecer ainda mais punk. Trajava uma blusa flannel verde junto a uma calça jeans surrada e rasgada repleta de bottons, lembrando-me um rebelde fugitivo. Estava diante de um cara simplesmente maravilhoso.
ㅤ ㅤ– Bem, agora deixo a sala por sua conta, Lincoln. – a diretora estava a ponto de surtar se passasse mais um segundo naquela sala de aula. Deu uns tapinhas nas costas do novo professor, como se dissesse “boa sorte, vai precisar.” Então disparou para fora, como uma bala.
ㅤㅤPassados alguns tensos segundos de silêncio, Lincoln pigarreou. Encarou a turma, que por sua vez o encarou de volta. Após examinar um caderno com anotações, começou a explicar alguma baboseira sobre funções inorgânicas.
ㅤㅤTodos estavam dispersos, até mesmo as meninas, que continuavam a conversar sobre coisas de meninas parecendo não notar o deus grego a minha frente. Talvez ele não fizesse o tipo de nenhuma garota de minha classe exceto eu. Durante toda a aula meus olhos ficaram vidrados em Lincoln. Seus gestos enquanto falava, o biquinho fofo que ele fazia ao explicar algo, a paciência, calma e gentileza em sua voz... como era possível que existisse um homem tão perfeito?
ㅤㅤ– Muito prazer, galera. Espero que tenham entendido alguma coisa do que falei. – Despediu-se o professor quando o sinal do recreio soou. Percebi que estava boquiaberta e fechei a boca depressa, olhando para Lincoln, embaraçada. Graças a Deus ele não percebeu meu comportamento idiota durante aqueles cinqüenta minutos, pois guardava seus utensílios distraidamente.
ㅤㅤDesci para a cantina e Isabela estava me esperando: seus cabelos cacheados tingidos de vermelho envoltos por um headband, como sempre. Dessa vez usava batom vermelho-berrante para esconder os lábios arroxeados de tanto fumar cigarro. Ainda assim, ela é maravilhosa.
ㅤㅤ– ei amooore, – minha melhor amiga cumprimentou-me – tenho que te contar umas coisas, vey...
ㅤ ㅤE então falou sobre CD’s, shows, bandas, bares, points, amigos e bebidas. Ainda bem que Isabela existe, pois se não fosse ela, eu ainda estaria em transe. Ela conseguiu me fazer rir e manter minha mente ocupada, pelo menos por vinte minutos.
ㅤㅤO resto da aula arrastou-se com dificuldade. Olhava para o além, me lembrando dos cabelos loiros, do jeito único de gesticular, do tom de voz manso, das roupas muito estilosas...
ㅤㅤAo chegar em casa corri para meu quarto e fechei a porta abruptamente. Cida, a empregada, pareceu assustar-se com meu comportamento atípico. Liguei o computador e digitei “Lincoln Lopes” no facebook. Imediatamente cliquei na sua foto.
ㅤㅤMeu coração assemelhava-se a uma escola de samba, e as batidas aumentaram ainda mais quando vi em seu perfil que estava solteiro. Solteiro. Sei que é extremamente idiota, mas isso me deixou realmente aliviada. Ele só tinha uma foto, a do perfil: nela ele estava com a mesma blusa que havia usado horas atrás em minha classe e com um olhar feroz. Não sei por quanto tempo fiquei a admirando, tocando seu rosto na tela do computador.
ㅤㅤ– venha comer, menina! – chamou Cida – Depois você volta pra esse computador.
ㅤ ㅤColoquei a foto para imprimir e almocei tão rápido que até eu fiquei surpresa. Subi as pressas para meu quarto e lá estava a foto na impressora. Coloquei-a em minhas mãos e olhei-a como se fosse uma jóia rara, meu coração dando cambalhotas.