Back To December escrita por Dolphin


Capítulo 1
Promise me.... Never cry.




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24 De Dezembro
A neve caindo ao lado de fora trazia a tona lembranças difíceis de suportar, toquei no vidro frio da janela seguindo um floco de neve até ele tocar o chão branco. Tentei segurar as lágrimas que, mais uma vez, insistiam em cair. Eu não queria chorar.

Era Natal. Noite de felicidade, paz, amizade, amor. Amizade, amor.... Engoli o choro mais uma vez e apertei meus joelhos contra o meu corpo e minha cabeça sobre os meus joelhos. Eu não queria que meus amigos, reunidos na sala, me vissem naquele estado, não queria que me perguntassem o porquê da minha tristeza.

Eu tinha prometido a ele que não choraria, mas não sabia que seria tão difícil cumprir essa promessa.
Por um ano eu prendi as lágrimas que insistiam em cair, todas as noites. No lugar de lágrimas, eu sorria, sorria ao lembrar do doce sorriso dele. Porém, hoje, estava sendo quase impossível.
Levantei a cabeça e encostei no vidro da janela, numa tentativa fracassada de impedir as lágrimas de caírem, mas logo as senti escorrendo pelo meu rosto e meu pescoço.


- Desculpa. – Sussurrei baixo. – Eu tentei, mas é difícil. Desculpa. – 
- Eu falei que choraria com você. – A voz dele preencheu os meus ouvidos, e por um instante imaginei que ele estava ali, ao meu lado. Abri os olhos, confusa e assustada. Um fio de esperança tomou conta de mim, mas logo sumiu quando meus olhos não encontraram quem eu deseja e os risos dos meus amigos, reunidos na sala, voltaram a tomar conta do ambiente.
Suspirei fraco e peguei a foto que carregava comigo há um ano. Eram quatro fotos pequenas, tiradas naquelas cabines fotográficas que ficam nas ruas.
Eu estava segurando uns balões azuis e ele estava com o rosto encostado no meu, fazendo um bico. Passei o polegar pelo rosto dele, lembrando de como ele tinha a pela macia.
Um sorriso brincou nos meus lábios em meio às lágrimas ao olhar aquelas fotografias.
Fora uma noite tão linda. A cidade estava toda iluminada. Uma cidade só para nós dois.
Ele estava tão feliz. Ele me fez tão feliz. 
Apesar de todos os problemas que nos rodeavam naquele dia, de todos os nossos medos.
Aquele poderia ter sido o pior Natal da minha vida, mas ele o tinha transformado. Eu queria ter feito o mesmo por ele, mas não estava ao meu alcance.


FlashbackUm ano atrás.

Nevava muito na capital da Coréia do Sul, Seoul. Eu amava neve. Se fosse pelo meu desejo nevaria todos os dias do ano. Mas também chovia fraco. O que deixava meu estado mais deprimente, não que eu precisasse da chuva para ficar depressiva, minha vida já era depressiva o suficiente.


As vitrines das lojas estavam todas enfeitadas de vermelho, dourado e prateado. Várias músicas diferentes tocavam nas lojas. Por mais que o tempo estivesse expulsando todos da rua, havia movimento, muito movimento. Era véspera de natal.
Se fosse em qualquer outro momento eu teria adorado parar e apreciar toda a decoração da cidade, mas meus olhos mal conseguiam ver nada a frente, estavam embaçados e ardendo. Minha cabeça doía muito para apreciar qualquer música.

Pessoas apressadas, cheias de sacola. Algumas até derrapando no chão escorregadio, devido à chuva. Algumas batiam em mim, ou era eu que batia nelas. Não sei bem, mas também não me importava.

Eu queria correr. Correr muito. Para qualquer lugar. Queria sumir. Eu queria morrer.
Eu queria a ajuda de um anjos, ou de qualquer força sobrenatural, para esquecer de tudo o que estava acontendo.

As pessoas ao meu lado passavam como um borrão, tudo parecia tão surreal, as músicas natalinas que tocavam nas lojas pareciam músicas sombrias, arrastadas, tudo parecia lento demais ou rápido demais.

Tudo tinha acontecido tão rápido, todos os problemas do mundo pareciam me atingir, todos de uma vez, sem dar chance para que eu pudesse respirar.

A imagem dos dois em cima da cama me causava náuseas. Eu não conseguia acreditar no que os meus olhos tinham visto. Meu namorado e minha melhor amiga em cima da cama dela. Como se já não bastasse à separação dos meus pais, pelo mesmo motivo.
Meu pai havia traído minha mãe com uma das ‘amigas’ dela. Minha mãe começou a beber e se transformou em uma pessoa completamente diferente da pessoa amorosa que era antes.
Meu rosto ainda ardia do tapa que ela havia me dado, quando fui tirar o copo de whysky da mão dela, noite passada. Não só meu rosto que doía, meu coração doía, ainda remoendo as palavras que ela jogou em minha cara depois que me deu um tapa: ”A culpa é sua! Ele me deixou por sua culpa.” 
Eu saí correndo de casa depois disso. Fui atrás da minha melhor amiga... e a historia dos meus pais acabou se repetindo comigo. Ironia não é?
Eu não tinha mais uma família, não tinha mais pessoas em quem confiar, não tinha mais nada na vida que valesse a pena.

Apertei os livros que segurava contra o meu corpo, sendo esmagados pelos meus dois braços. Andava o mais rápido que podia, de cabeça baixa, às vezes escorregando no gelo que cobria a rua. E eu não sabia para onde estava indo, eu só queria andar e esquecer de tudo, só queria que o mundo parasse naquele momento ou que um buraco negro me sugasse.


Um impacto forte contra meu corpo me fez cair de bunda no chão e os meus livros foram espalhados pela calçada, algumas folhas aleatórias, que estavam dentro dos livros voaram.
Eu não sabia se tinha sido atropelada ou se tinha atropelado alguém. Eu só sabia que tinha caído em uma poça de água, já que sentia a água gelada machucar minha pele por baixo da calça jeans. Nossa! O que faltava acontecer para melhorar minha vida?! Um meteoro cair na minha cabeça? Se bem, que isso não seria ruim.Hm.
Encostei meus joelhos no chão para me levantar e vi uma pessoa na minha frente na mesma posição que eu. A mão coberta por uma luva preta estava fechando um dos meus livros.
- Desculpe, eu não vi você. – Falei e me levantei pegando um dos meus livros do chão.
- Me desculpe, eu estava distraído devia ter tomado mais cuidado. – Ele falou, também já estava de pé.
Ele estava com uma máscara branca, que cobria metade do seu rosto. Aquelas máscaras cirúrgicas. Sua roupa era preta, um cachecol cinza estava enrolado em seu pescoço e uma das pontas caiam na frente da roupa. Usava uma touca, também cinza, que cobria seu cabelo deixando de fora só alguns fios negros que brincavam sobre a testa conforme o vento frio e fraco que soprava. A única coisa que dava para ver dele, eram os olhos. Negros, expressivos e talvez cansados, já que estavam um pouco vermelho e em baixo algumas olheiras. Parei de examiná-lo e respondi.
- Eu também estava distraída, desculpe. – Falei arrumando meu cabelo que tinha ido parar todo no rosto com o impacto.
- Seus livros. – Ele estendeu a mão com os três livros que ainda segurava, peguei rapidamente.
- Obrigada. – Agradeci.
- Você esta machucada? - Ele perguntou. Eu tive vontade de dizer que sim. Eu estava muito machucada. Mas que meus machucados não eram exteriores e que nada tinham haver com aquele esbarrão.
Baixei a cabeça e respirei fundo, antes que palavras que eu não queria saíssem da minha boca. Mas meus olhos já estavam dando sinal da minha fraqueza. Eu iria chorar. Droga.
- Estou bem. – respondi tentando impedir as lágrimas descerem dos meus olhos.
- Ok. Desculpa mesmo pelo esbarrão. Eu estava um pouco longe. – Falou sinceramente.
- Não se preocupe, a culpa deve ter sido minha. – Falei, tentando desfazer o nó em minha garganta. - Desculpe, tchau. – Fiz uma pequena reverência que ele retribuiu. Ele deu um passo para o lado me dando passagem.
- Tchau. – Respondeu. Não olhei para trás, apenas continuei andando rápido até escutar uma buzina forte e uma freada brusca.

Aconteceu tudo muito rápido em um momento um carro preto estava vindo em alta velocidade para cima de mim e em outro eu estava caída no chão em cima de alguém. 
Demorei alguns segundos para saber onde eu estava.
O garoto em que eu estava em cima era o mesmo em que eu tinha esbarrado a poucos segundos atrás. Sai de cima e sentei do lado dele na calçada. Ele continuou deitado, respirando pesadamente. Algumas pessoas começaram a nos rodear. Aparentemente preocupadas. Uma senhora perguntou-me se eu estava bem, eu disse que sim, por mais que algumas partes do meu corpo estivessem doloridas. Ela repetiu a pergunta ao garoto, que já estava sentado, ele balançou a cabeça confirmando que estava bem.
- Vocês precisam ir para um hospital. – Um homem alto e de aparência jovem surgiu entre as pessoas que nos rodeavam. Não tinha sido uma pergunta.
- Não, não foi nada grave, estou bem. – O garoto falou ainda com a respiração pesada, deixando sua voz um pouco falha.
– Você precisa ir para um hospital? Talvez possa ter batido a cabeça. – Ele disse me olhando.
- Não, não me machuquei. – Falei dando uma olhada rápida nos meus braços e pernas.
- Tem certeza? Se não fosse por esse rapaz meu carro teria lhe acertado. – O homem parecia aflito. – Me desculpe, eu acabei perdendo o controle com todo esse gelo. Estava apressado e acabei acelerando o carro mais do que deveria. Se tiver algo que eu possa fazer. – Ele falava, nervoso.
- Não se preocupe, mesmo. Não aconteceu nada grave, estamos bem. – Falei, e olhei para o garoto ao meu lado. Ele concordou.
- Mesmo? – Insistiu o homem.
- Mesmo. – Me levantei e estendi a mão para o garoto se levantar, ele não recusou.
- Ok. Vocês querem uma carona até em casa? –
- Não precisa. – Sorri fraco para o homem, olhei para o lado procurando minha bolsa, sabia que os livros estariam perdidos naquele momento.
A mesma senhora que tinha falado antes estendeu a bolsa para mim e apenas um dos meus livros, a agradeci.
- Não precisam se preocupar, estamos bem. – Falou o garoto, as pessoas sorriram e desejaram ‘Feliz Natal’ enquanto se dispersavam. O homem ainda insistiu em algo que poderia nos ajudar, mas depois de negarmos tudo e pedir para que ele não se preocupasse ele foi embora.
Quando todos se afastaram olhei em volta e sentei no degrau que separa a rua da calçada, apoiei meus braços em meus joelhos e minha cabeça em minhas mãos.

Sabe quando você está tão fraca emocionalmente, que só falta um empurrãozinho para que você desabe? Ou até mesmo um tropeção? Ou a morte de uma formiga? É, no meu caso foi um esbarrão e um quase acidente. Porque nada para mim pode ser simples.
Eu não tinha mais forças para prender lágrima alguma, para esconder nenhum sentimento. Eu não tinha mais forças para fingir que tudo estava bem e que eu era uma pessoa forte, para aguentar tudo calada. Eu tentei ser, mas eu não era.
Comecei a chorar. Eu não me importava se aquele garoto ainda estava ao meu lado. Eu não me importava que ele me visse chorando. Era muita coisa para agüentar sozinha.

- Não chora. – Senti mãos apertarem meus ombros levemente. Olhei para o lado, a visão turva, mas vi que o garoto estava sentado do meu lado.
– Vai ficar tudo bem. – Ele disse. Me deu uma súbita vontade de gargalhar. Eu queria falar para ele que nada minha vida estava bem, nada na minha vida ia ficar bem. Mas ao invés disso meu choro só piorou em meio a soluços que saiam da minha garganta.
- Vem, você precisa se acalmar. – Ele se levantou e estendeu a mão para mim. Levantei a cabeça para olhá-lo e depois olhei para a mão, coberta pela luva preta, estendida na minha direção.
- Tem um restaurante aqui do lado, o Lollipop Dream. Você precisa se acalmar, você não esta bem. – Disse.
Sem saber muito o que estava fazendo e sem se dar conta que a minha mão se estendeu para tocar na dele. Eu me levantei.
Eu não podia deixar passar a única pessoa que tinha me estendido a mão até agora, que tinha se preocupado comigo, por mais que fosse por educação. Eu senti que precisava desse estranho.

Andamos até o local. Tinha pouca gente. Alguns casais ocupavam as mesas, só algumas fugiam da rotina do “namoro” e eram ocupadas por homens engravatados, tomando um bom café ou chocolate quente antes de irem para suas casas.
O garoto me guiou até uma das mesas que ficavam mais ao fundo, ao lado da enorme janela de vidro que ficava no lugar da parede. Dava pra ver todo o movimento da rua. Ainda não havia parado de nevar, mas a chuva havia passado.
Era um lugar bonito, bem decorado, aconchegante, aquecido, bem diferente do frio que fazia lá fora. Era calmo, passava uma sensação de filmes antigos.

Ele tirou o casaco preto e colocou na cadeira ao lado e depois tirou a mascara branca que usava. Eu já tinha me acostumado a vê-lo com a máscara que cobria metade do seu rosto só deixando de fora os olhos, que pensei que aquilo já fazia parte dele. Tinha esquecido que poderia ter um rosto por baixo. Um rosto muito bonito por sinal. Por mais que as olheiras arroxeadas abaixo dos olhos o deixassem com há expressão um pouco cansada.
- Quer tomar o que? – Ele perguntou olhando o cardápio marrom e delicado que ficava em cima da mesa. – Eu indico o chocolate quente com chantilly, é o melhor daqui. – Ele disse com um sorriso, um belo sorriso. Um sorriso sincero. Um sorriso que me fez bem.
- Pode ser. – Tentei retribuir o sorriso, mas deve ter saído no máximo uma careta.
Ele chamou uma das garotas que trabalhavam no local, assim que ela se aproximou ele pediu dois do que me indicou. Depois de anotar o pedido a garota saiu.
- Você está melhor? – Ele perguntou. Já tinha perdido as contas de quantas vezes tinham me perguntado isso. Suspirei fraco antes de responder.
- Depende do lado que se olha. – Eu ri fraco. – Eu estou viva, não que isso seja lá grande coisa. – Dei de ombros.
Ele não falou durante alguns segundos, e deu um risinho baixo, o olhei sem entender. Antes que eu perguntasse do que ele estava rindo, ele falou.
- Você não devia falar assim, estar vivo é o nosso maior presente. –
- Pois esse presente é uma droga. Preferia não está viva para não ter que agüentar tanta coisa. – Eu não o olhava, encarava o movimento na rua através da vitrine de vidro.
- Não fala isso. Não é o que você quer. – Falou. Algo na voz dele me fez virar o rosto para olhá-lo, como se ele realmente tivesse certeza do que estava dizendo. Mas ele não sabia o inferno que estava a minha vida.
- Porque acha isso? Você nem sabe o que está acontecendo comigo. – Eu disse, um pouco impaciente.
- Não, não sei. Mas sei que ninguém quer morrer independente dos problemas. Você só fala isso da boca para fora, porque os problemas estão te sufocando, mas quando a morte chega e você vê que não tem saída, a coisa que você mais quer é viver, mesmo que seja com todos os problemas. – Ele falou calmo, sem tirar os olhos dos meus.
- É fácil falar quando os problemas não são seus. – Eu estava sendo grossa, eu sei. Mas eu não conseguia ficar calada, depois de tudo que havia acontecido. Eu estava precisando gritar, desabafar e infelizmente esse garoto, que nada tinha haver com os meus problemas, foi o que tinha me dado espaço para isso.
Ele riu fraco, e balançou a cabeça concordando.
- Você está certa. Mas eu também tenho problemas, e confie em mim, eu sei do que eu estou falando. – Ele falou. O olhei por uns segundos, tentando decifrar o significado daquela frase por trás daqueles olhos castanhos, ele me olhava da mesma maneira.
Suspirei antes de falar:
- E quais são os seus problemas? –
Ele deu um sorriso fino.
Antes que ele pudesse me responder a garota que anotou nossos pedidos os trouxe. Ele sorriu em agradecimento, e ela saiu. Eu esperei ele responder, mas não veio resposta.
- E? – Insisti.
- Já dei muita importância a eles. Hoje, prometi a mim mesmo que iria esquecer. – Ele riu bebendo um pouco do chocolate. – E você devia fazer o mesmo, afinal, é Natal. Hoje é o dia de esquecermos todos os problemas, e só pensar em nos divertir. –
- Não é tão fácil quanto parece. – Eu balancei a cabeça bebendo um pouco do meu chocolate. Era bom.
- É sim, quer ajuda? – Ele perguntou, sorrindo.
- Você quer me ajudar a esquecer os meus problemas? – Eu ri.
- Sim. – Afirmou com segurança.
- Ta certo. Então, como você vai fazer isso? - Falei achando essa proposta no mínimo engraçada.
- Primeiro vou fazer um convite. – Ele se mexeu na cadeira ficando com as costas eretas. Esperei ele continuar.
- Convido você a passar o Natal comigo. Claro se não tiver outra coisa a fazer, o que acho um pouco impossível afinal é Natal e todo mundo tem algo marcado.... – Ele disse rápido, rindo, mas parecia meio hesitante.
Arregalei os olhos, não esperava aquele convite. Não sabia o que responder aquele convite. Mas eu sabia que não queria ir para casa ver minha mãe naquele estado depressivo em pleno Natal e também não queria ficar sozinha.

Eu precisava ocupar minha mente com qualquer coisa. Esquecer a imagem do meu ex-namorado e minha ex-amiga em cima da cama dela. Esquecer que naquele exato momento minha mãe estaria bêbada em algum lugar da casa. Esquecer que meu pai estava brincando de família feliz com outra mulher e filhos que não eram dele. Aquele garoto desconhecido estava me propondo uma maneira de esquecer tudo o que eu queria esquecer. Não tinha mal algum em aceitar o convite. Ele não parecia ninguém perigoso e eu tinha uma divida com ele; ele havia me salvado da quase morte.
- Não, não tenho. – Falei. Ele pareceu surpreso com a minha resposta.
- Hmm. Então, você aceita? – Ele perguntou com uma das sobrancelhas levantadas.
- É, acho que sim. Mas depende de uma coisa. - Me recostei na cadeira com os braços cruzados.
- De que? – Ele imitou a minha posição.
- Você não é nenhum ladrão, serial killer ou coisa parecida é? – Perguntei sério. Ele deu uma risada.
- Não, eu acho que não. Pelo menos não que eu saiba. – Ele ria. - Se fosse qualquer um dos dois você não diria mesmo. – Dei de ombros, pegando meu copo. - Pode ser então, mesmo correndo o risco. – Eu disse por fim.
- Isso foi um sim? – Ele estava estranhamente surpreso.
- Mais ou menos isso. – Concordei.
- Que bom. – Ele sorriu agora confiante. – A propósito, meu nome é Kyuhyun. – Estendeu a mão para mim.
- Sakura. – Apertei a mão dele.
Eu não tinha percebido que, até aquele momento, eu não sabia o nome dele. Mas assim que ele falou foi como se aquele pequeno detalhe de ‘nomes’ não importasse. Por algum motivo, muito estranho, era como se eu já o conhecesse. Eu me sentia bem ali, com ele.

- Eu já te vi por aí Sakura ? – Perguntou ele, depois que soltou minha mão.
- Sim, faz um pouco mais de meia hora, você me atropelou, mas depois me salvou de um atropelamento. – Respondi, rindo.
- Ah é mesmo! Como pude me esquecer disso. – Ele bateu com a mão na própria testa, rolando os olhos artificialmente. – Mas foi você que me atropelou. -Nós dois rimos.
- Sério, já te vi?! – Insistiu.
- Não, acho que não, eu lembraria de você. – Respondi sincera.
Ele deu um sorriso de lado e balançou a cabeça lentamente, como se tivesse afastando alguns pensamentos da cabeça.
- É. Eu também lembraria de você. Seu sorriso é algo que eu me lembraria com certeza. – Ele falou, eu não consegui não sorrir. Ele sorriu junto comigo. 
Já falei que o sorriso dele me faz bem? Tem algo de especial, algo doce, inocente, puro. Eu poderia ficar olhando ele sorrir para sempre. Mas parei ao ver que os seus olhos se encontraram com o meu. Abaixei a cabeça e observei o conteúdo de dentro do meu copo.
- Você tem algo de diferente. – Ele falou. Levantei o olhar.
- Como assim? – Perguntei confusa.
- Não sei, algo diferente, uma coisa diferente. Não sei explicar. – Ele pareceu confuso o que me deixou mais confusa.
Não sei qual era a minha expressão, mas devia ser engraçada, porque ele estava rindo.
- Espero que esse diferente seja bom. – Disse, ainda confusa.
- Sem duvidas. – Afirmou ele abrindo mais um sorriso perfeito, deixando que covinhas tomassem conta das suas bochechas. – Mora aqui em Seoul mesmo? – Ele perguntou, mudando de assunto.
- Sim. – Confirmei. - E você? –
- Também. – Respondeu. - Acho que é um pouco fora dos limites pergunta onde você mora, estou certo? - Ele faz uma expressão inocente.
- Sim, eu ainda estou em duvida se você é algum tipo de psicopata. – Brinquei.
- Prudente. – Ele riu com vontade. – Mais tarde quem sabe? –
- Quem sabe. – Concordei rindo e voltando a olhar para a rua, já estava escurecendo, mas muita gente ainda andava pelas ruas, com as mãos cheias de pacotes.
Não acreditei quando meus olhos encontraram duas pessoas andando de mãos dadas do outro lado da rua. Como se nada tivesse acontecido. Como se aquele homem, que um dia eu havia chamado de pai, não tivesse arruinado com a vida da minha mãe e a minha.
Tentei virar o rosto, mas algo me fez continuar olhando a nova família feliz. Deve ser o meu lado masoquista falando mais alto. Os observei até perdê-los de vista.
- O que houve? Você ficou tensa. – Escutei a voz de Kyuhyun, virei meu rosto para olha-lo.
- Tensa? Não. Impressão sua. – Menti, bem mal por sinal. 
- Posso ter te conhecido agora, mas você é fácil de ler. Você viu algo que não te fez bem. – Ele disse, sereno.
- Você tem certa razão. – Confessei.– Era só o meu pai, ele est... – Eu abri a boca para falar mais, mas minha garganta não emitiu som algum.
- Você não precisa me falar o que é. Estou aqui para ter fazer esquecer dos problemas e não lembrar deles. - Ele piscou.
- Obrigada. – Sorri, e tomei o resto do meu chocolate antes que ele esfriasse.
- Prometi a você fazer que hoje faria todos os seus problemas fossem esquecidos. Vou fazer você olhar a vida de um modo diferente. - Ele falou sinceramente, como se realmente quisesse aquilo.
- Não acho que vá ser muito fácil. – Eu ri fraco, não acreditando muito naquelas palavras, mas ao mesmo tempo querendo que elas fossem verdade.
- Está duvidando dos meus poderes. – Ele se fez de ofendido.
- Sério você não vai conseguir. – Afirmei.
- Você está me desafiando?! – Perguntou risonho.
- Sim. – Concordei.
- Você não devia fazer isso. – Falou ele.
- Por quê? – Desafiei. 
- Porque eu nunca recuso um desafio, e nunca perco. –
A garçonete voltou a se aproximar, e nós mal havíamos percebido que estávamos inclinados por cima da mesa, mais próximos. Voltamos a nos sentar direitamente.
Era tão fácil conversar com ele.
A garçonete perguntou se queriamos mais alguma coisa, mas recusamos.
- Tudo bem, só estou avisando. – Ele riu e pegou o copo dele em cima da mesa.
- É fácil conversar com você Kyuhyun, muito fácil. – Falei.
- Com você também. – Riu, bebendo um pouco do conteúdo da seu copo.
- É difícil encontrar pessoas assim, hoje em dia as pessoas são... complicadas.-
- Talvez sejamos de planetas diferentes, como é em Saturno? Disseram-me que lá tem uma ótima comida, como marte foi tirado dos planetas eu tive que me mudar pra Netuno... – Falava aleatoriamente, tentando ficar sério.
Tentei não rir e fazer uma cara feia, mas não consegui, ele me acompanhou rindo alto, algumas pessoas que estavam em algumas mesas vizinhas nos olharam curiosos.
- Você é incrível. – Falei sem pensar direito, mas não me arrependi.
- Eu sei, me dizem muito isso. – Ele fez um ar cansado.
Fiz uma pequena bolinha com o guardanapo e joguei nele.
- E bem humilde também. – Falei.
- Ninguém é totalmente perfeito. – Ele deu de ombros, divertido. 
- Quantos anos você tem Sakura? – Ele me perguntou. 
- Você deve saber que não se pergunta a idade a uma mulher. – Ri ainda contornando a boca do copo com os dedos.
- Já está na fase de mentir a idade? – Ele levantou a sobrancelha sugestivamente.
- Quem sabe, tem muitas plásticas que deixam a pessoa irreconhecível, eu posso ser bem velha. – Eu tentava ficar séria sem muito sucesso.
- Por favor me diga que você tem menos que 50. –
- Se eu tiver 50, o que você vai fazer? – Desafiei. 
- Está na flor da idade. – Ele falou rindo. – Na verdade se você tivesse 80, 100 eu continuaria aqui. – Afirmou ele.
- Mesmo?! – Minha sobrancelha se ergueu.
- Sim, porque você ainda seria você, e nós estaríamos tendo essa mesma conversa. Não ia importa sua idade, você ia continuar sendo essa Sakura legal que está fazendo meu dia ser bem diferente do que eu tinha imaginado e me fazendo esquecer, por mais que seja por uns momentos, todos os problemas. E eu agradeço muito por isso. –
Eu achei fofo, muito fofo. E por uns segundos fiquei sem saber o que responder.
- Você existe, tem certeza que é desse planeta?! – Perguntei ainda com um sorriso bobo na cara. 
- Não, já falei que sou de Marte, mas como meu planeta foi destituído agora estou em Netuno. – Ele piscou.
- Palhaço. - Ri - Eu tenho 18 anos. E você?! –
- 22.- Sorriu. – Eu sei, eu sei, tenho cara de 15. – Ele rolou os olhos teatralmente.
- Hamram, sonha. –
Nós rimos.

Continuamos conversando ali sentados por algumas horas. Nossas conversas foram de viagens, sonhos, comida, livros, músicas a meus problemas. Contei a ele por tudo o que eu estava passando. Não esperava que ele tivesse uma solução para nenhum deles, e ele realmente não tinha. Apenas deixou que eu desabafasse e me escutou como nenhum outra pessoa nunca fez. 
Ele me fez rir e sorrir a cada palavra que saia de sua boca. E até mesmo quando ficávamos em silencio, não desconfortável, mas propício, nós riamos.
Entramos na máquina de fotos que tinha na frente do restaurante e tiramos algumas fotos para guardar de lembrança. Saiu uma mais engraçada que a outra. O que nos rendeu boas risadas.

Nós sorriamos quando ele me pegava olhando-o ou quando eu o pegava me olhando. Coisa que aconteceu muito. Era quase impossível para mim não encará-lo, ou melhor, contemplá-lo. Um garoto desconhecido, mas estranhamente tão conhecido. Ele me olhava de uma formar que nenhuma outra pessoa antes havia olhado. Como se estivesse admirado, como se me achasse interessante...especial. Aliás, perdi as contas de quantas vezes ele disse a palavra ‘especial’ em nossa conversa. 
Ele fazia com o que o sorrir parecesse tão fácil. Era como se só nós dois existíssemos no mundo. Ou talvez tenhamos criado um mundo só nosso naquela noite, onde problemas e tristeza fossem impedidos de entrar.
Ficamos ali até a moça vir avisar que tinha que fechar. Era meia-noite. Poucos carros passavam pelas ruas escorregadias. As ruas estavam quase desertas, as pessoas deviam estar em suas casas, aquecidas do frio, festejando, sorrindo com a família e com os amigos. Achei que lembrar disso iria me fazer ficar triste, mas não fiquei. Por incrível que pareça, eu estava feliz. Feliz de está andando pelas ruas desertas de Seoul. Feliz por esta naquele frio. Feliz por está com aquele garoto. Feliz por está tendo uma noite diferente da que eu esperava.
- É tão diferente a noite. - Kyuhyun falou. Ele caminhava do meu lado. Com as mãos no bolso. Havia colocado a máscara de volta, mas essa estava apenas cobrindo o seu queixo.
- Sim, parece só nossa. – Eu disse chutando os montinhos de neve, os espalhando pela calçada.
É só nossa. – Ele disse com um sorriso, me olhando de lado. Eu concordei.
- Quer apostar corrida? – Perguntei. Não sei de onde veio a idéia absurda de sair correndo no frio pelas calçadas desertas de Seoul. Acho que não tive infância. É.
- Até onde? – Ele me olhou, divertido.
- Até a eu dizer que chega. – Falei e sai correndo, mas antes vi a expressão surpresa dele, logo ele veio correndo atrás de mim.
- Isso não vale. – Ele gritou atrás de mim. Eu ri sozinha e continuei correndo. Era tão bom sentir o vento frio no rosto. Correr, correr e correr. Tudo que eu mais queria fazer naquela manhã, mas agora noite eu apenas queria correr e não sumir. Continuei a correr ate minha perna direita começar a reclamar e minha respiração ficar pesada demais, devido ao frio. Assim que parei comecei a tossir. Sim, é isso que acontece quando você corre no frio.
Kyuhyun parou atrás de mim, com as mãos no joelho, a cabeça para baixo, também tossindo.
- Ganhei. – Falei rindo, mas ainda tossindo.
- Por quê? – Ele levantou a cabeça. Seu rosto estava vermelho, mas ele também ria.
- Cheguei primeiro. – Me encostei na parede da loja atrás de mim. 
- Chegou onde? – Ele perguntou, olhando para os lados.
- Onde era para chegar. – Eu ainda tentava acalmar minha respiração e acabar com aquela tosse.
- Mas isso não vale, eu não sabia onde era para chegar. – Ele se encostou ao meu lado, respirando pesadamente.
- Vale sim. Seja um bom perdedor e aceite. – Falei rindo e ele me acompanhou.
- Você é incrível. – Ele disse me olhando de rabo de olho.
- E isso é uma das coisas que você admira em mim. – Falei me desencostando da parede e olhando ao redor. Não tinha prestado atenção no caminho que havíamos corrido.
- Sim, isso é uma das coisas que eu admiro em você. – Ele respondeu me olhando intensamente, com aqueles olhos expressivos. – Eu tinha esquecido de como correr era bom. – Ele tirou o cachecol do pescoço, o deixando por cima de um ombro. – Da uma sensação de liberdade. – - Sim. Eu estava precisando disso. – Eu disse, sincera. 
- Eu também. – Ele falou se desencostando da parede da loja. – Olha que lindo. – Ele apontou para algo atrás de mim. Virei para olhar.
- Tente me alcançar. – Escutei ele falar e quando me virei ele já estava a alguns passos de mim. Correndo.
- Ei, Kyu!! – Falei começando a correr atrás dele. – Assim não vale. – Gritei.
- Mesmo? – Escutei ele gritar e depois ele olhou para trás.
Nós corremos por uns cinqüenta segundos. Vi ele enrolar em uma das esquinas e o segui, assim que virei senti alguém me agarrar pela cintura. Eu quase gritei. Mas assim que me virei para gritar ou bater na pessoa, vi Kyu rindo.
- Agora eu ganhei. – Ele me soltou. A respiração estava acelerada, mas nada comparado com a primeira vez.
- Não vale. – Bufei. Tentando me recuperar do susto e normalizar a respiração.
- Suas regras. – Ele piscou.
- Que só valem comigo. – Dei língua como uma criança. Ele riu.
- Seja uma boa perdedora, Sakura.
- Ele usou minhas palavras com um sorriso sacana nos lábios avermelhados.
- Ok, estou cansada. – Falei. – Acho que machuquei minha perna, esta ardendo. – Disse. Era verdade, estava latejando.
- Qual delas? – Perguntou.
- A direita. Mas não deve ser nada grave. Deve ter sido na hora do acidente lá. – Falei estendendo a mão para ele.
- Não quer que eu veja? Pode ser sério. –
- Não, não precisa. Deve ser só um arranhão pequeno. – Falei. Se fosse algo mais sério estaria doendo a um bom tempo.
- Ok. Olha, que lindo. – Ele apontou mais uma vez para algo atrás de mim. Rolei os olhos.
- Nem vem Kyu, não caio mais nessa. – Falei ainda de frente para ele.
- Mas é serio dessa vez. Não vou correr. – Ele disse rindo e ainda apontando.
- Não caio nessa. – Cruzei os braços.
- É sério sua boba, olha. – Ele pegou em meus ombros e me virou. Segurei no braço dele para impedir ele de correr.
- Nossa! – Exclamei quando meus olhos encontraram o que ele queria me mostrar.

Era uma pinheiro. Mas não uma pinheiro comum. Um pinheiro natural, todo iluminado com luzinhas de natal e enfeites, no meio de uma praçinha. Era simples e lindo. 
- Que lindo. – Falei mais para mim do que para ele.
- Sim. – Ele respondeu.
- Uma coisa tão simples. Uma árvore com luzinhas, já devo ter visto milhares, mas nenhuma como essa. – Eu disse descendo da calçada em direção a praçinha que ficava do outro lado da rua. - Às vezes não prestamos atenção no simples, mas na maioria das vezes é ele que nos surpreende. Estamos tão acostumados a sempre ver que nunca vemos realmente. Não damos valor aquilo que esta na nossa frente. – Ele falava.
- É verdade. – Concordei estendo a cabeça para ver todo o pinheiro. – Não da vontade de sair daqui. – Falei admirando um dos enfeites da árvore. Era um Papai Noel dourado.
- Não precisamos sair. Não agora. – Kyuhyun sorriu e pegou em minha mão. Por mais que as nossas mãos estivessem vestidas com luvas. Com aquele simples toque eu senti meu corpo todo aquecer e um sensação boa tomar conta de mim. Virei o rosto para olha-lo e sorri concordando.
- O bom velhinho nunca me visitou. – Suspirei baixo com o meu comentário completamente ridículo. De tanto que eu havia olhado para aquele papai noel dourado, acabei lembrando-me das cartas que escrevia para o papai noel quando criança.
Kyuhyun me olhou com uma expressão engraçada. No mínimo me achando louca.
- Vou te contar um segredo, só para não te deixar triste. Ele também nunca me visitou. – Ele falou rindo.
- É, me sinto melhor. – Falei rolando os olhos. – Já que não vamos sair daqui, vamos sentar. – Como ainda estávamos de mãos dadas, puxei ele pela mão até onde tinha um banquinho de madeira. Havia alguns desses espalhados pela praçinha, tinha alguns montinhos de neve no banco, nós limpamos um pouco e depois nos sentamos. Kyu tirou o cachecol que ainda estava em seu ombro e colocou no colo. Ele sentou em uma das pernas, virado para mim e eu sentei em cima das minhas duas pernas, em posição de lótus, virada para ele. O banco era espaçoso.
Por falar em neve. Ainda estava nevando. Flocos leves, que não atrapalhavam em nada, só deixavam tudo mais lindo.
- Eu amo neve. – Falei admirando os flocos caírem lentamente no pinheiro, no chão, no meu colo.
- Sabia que alguns flocos de neve tem o formato de estrelas? – Ele disse, eu balancei a cabeça negando. Ele continuou. – Pois tem. Diz a lenda, que se você achar um você tem direito a um pedido. – Ele falou brincando com um dos flocos que caia.
- Não sabia disso. – Falei abrindo a mão para pegar um floco.
- Agora já sabe. Quando encontrar um floco de neve em formato de estrela, faça um pedido antes que ele derreta. – Ele sorriu abertamente. De todos os sorrisos que ele tinha, eu simplesmente amava esse. Era tão puro. Sim, eu tinha prestado atenção em todos os sorrisos dele durante a nossas conversa. Ele tinha cinco tipos: Quando ficava sem graça, quando queria ser engraçadinho, quando realmente estava achando graça de algo, quando olhava para mim e quando realmente acreditava em algo. Os dois últimos eram os que eu mais amava.

Ele estendeu a mão aberta, igual a minha, e depois virou com ela para mim. Havia dois flocos de neve em cima da luva preta.
- É, não tivemos sorte, são duas bolinhas. –Ele bufou e riu.
Quando estava prestes a deixar os flocos caírem eu segurei em sua mão. Ele me olhou sem entender.
- Não são duas bolinhas. – Eu disse examinando os flocos minúsculos. – Esse aqui tem formato de coração. – Apontei para o que estava do lado direito. – E esse aqui, formato de nuvem. – Falei do esquerdo.
Kyu aproximou a cabeça da minha, fazendo as duas quase se tocarem, enquanto examinava os flocos. Depois me olhou com uma das sobrancelhas levantada.
- São duas bolinhas idênticas. – Ele disse.
- Não. Tem um coração e uma nuvem. – Insisti. Ele rolou os olhos e voltou a examinar os floquinhos.
- Sakura, são duas bolinhas idênticas. – Ele insistiu, rindo.
- Não são não. Não existem dois flocos de neve do mesmo formato, iguais, ou seja, nada de duas bolinhas idênticas. Coração e nuvem. – Falei me sentindo a esperta. Ele suspirou.
- Ok. Uma bolinha maior e uma menor. Satisfeita? – Ele falou e e eu ri alto.
- Besta. – Falei batendo na mão dele, esmagando os flocos.
- Você que é. – 
Nós rimos por um bom tempo dessa conversa sem noção.
- Kyu. – O chamei depois de alguns segundo em silêncio.
- Oi? – Ele perguntou virando a cabeça para me olhar. Ele estava olhando o pinheiro.
- Porque eu me sinto tão bem com você? Sabe, não é normal a gente se sentir tão bem e tão segura com uma pessoa que conhecemos a poucas horas. Eu sinto que posso te contar tudo. Sinto que te conheço a mais tempo.- Falei sincera. Era estranho demais me sentir tão bem e tão feliz perto daquele garoto que eu nunca havia visto antes. 
Kyu me olhou em silêncio. Como se estivesse buscando uma resposta.
- Eu não sei. – Ele disse. – Mas na vida acontecem coisas que não são facilmente explicadas. Talvez estivesse previsto para nos encontrarmos, talvez nos precisássemos um do outro. – Ele disse sem tirar os olhos do meu.
Senti um arrepio percorrer meu corpo. Era realmente aquilo. Eu estava precisando de alguém naquele dia, alguém que me ouvisse, alguém que me ajudasse, alguém que me fizesse esquecer de tudo. E Kyuhyun tinha sido esse alguém. Eu estava precisando de um anjo da guarda, e Kyuhyun era ele. 
Um sorriso se estendeu em meu lábios. Ele sorriu junto comigo. O sorriso que eu amava, o sorriso que o deixava mais lindo do que ele era.
- Posso te fazer uma pergunta? – Pedi.
- Até mais. – Ele disse.
- Porque você está sozinho em uma noite de natal? – Falei. Eu tive essa curiosidade desde que ele me chamou para passar com ele. Ele baixou um pouco a cabeça antes de responder.
- Eu, bem... Eu fugi. – Ele disse em um tom baixo, pareceu tenso.
- Fugiu? Como assim? Não é da cadeia neh? – Perguntei assustada, ele deu uma gargalhada.
- Não sua boba.– Ele disse rindo.
- E porque você fugiu e fugiu de que? Só responda se quiser. – Falei. Não estava forçando nem nada. Eu não precisava saber de mais nada dele que me fizesse confiar. Eu já confiava nele plenamente. Mas estava curiosa em saber o que tinha levado ele a está ali comigo.
Ele pareceu lutar contra si mesmo antes de falar:
- Onde eu estava não estava em clima de Natal. E eu queria ouvir as músicas, ver a decoração, ver as pessoas sorrirem, andarem, conversarem, ver as estrelas, sentir o frio... correr. – Ele riu nessa ultima parte. - Era desperdício continuar onde eu estava, tendo uma noite dessas para aproveitar, tendo tanta coisa para ver. Achei que valeria a pena dar valor ao que nunca tinha dado. E realmente, valeu muito a pena – Ele disse.
- Você está de castigo ou coisa parecida? - Perguntei e ele soltou mais uma risada gostosa.
- É, mais ou menos isso. – Ele balançou os ombros.
- Hm, mas não tem ninguém preocupado com você? – Perguntei, ainda curiosa.
- Deve ter. Mas eles vão entender, eu sei que vão. E eu deixei um bilhetinho. – Ele sorriu maroto.
- E quais são os seus problemas? Você já sabe dos meus, me ouviu. Eu posso te ouvir também. – Sorri. - Se eu te contar agora só arranjarei mais alguma coisa para te preocupar, para te deixar triste. Eu não quero isso. Hoje quero te ver sorrindo. – Ele disse apertando a minha mão que estava em cima do minha perna. - Eu quero te ajudar, como você me ajudou. – - Você já esta ajudandoSakura, acredite. – Ele tocou em meu rosto. – Você não sabe o quanto. –
- Ok. Não vou insistir, mas um dia eu vou saber? – Perguntei.
- Sim, um dia sim. – Ele disse sorrindo.
- Quando vai ser esse dia? – Insisti.
- Em breve. – Ele suspirou. – E espero que me perdoe por não ter te contado hoje. – Ele disse. Foi a minha vez de apertar suas mãos.
- Eu vou. – Falei sincera e com uma certeza nunca experimentada.
- Que bom. – Pelo tom de sua voz ele realmente parecia querer isso.
- Nós vamos nos ver de novo? – Perguntei. Até o momento não havíamos trocado telefone. E eu queria vê-lo de novo.
Ele pareceu surpreso com essa pergunta. 
- Um dia. – Lá vem eles com respostas vagas.
- Um dia, quando? – Insisti.
- Você gosta muito de respostas exatas. – Ele riu.
- Eu gosto de certezas. – Eu disse.
- Mas nada na vida é cem por cento certo Sakura. –
- Eu sei, mas eu quero que seja. Nos veremos de novo? – Perguntei, sentindo minha garganta fechar. Eu havia me tornado um pouco dependente dele.
- Não sei. – Ele suspirou. – Mas eu sei que você me verá de novo um dia e eu te verei sempre. – Ele disse um pouco distante. Demorei um minuto para tentar entender a frase, e não entendi.
- Isso que você disse é para fazer sentindo? – Perguntei, ele riu.
- Sempre que você pensar em mim, eu verei você Sakura. – Disse ele sério, como se aquelas palavras fizessem sentindo. Talvez fizesse, mas só para ele.
- Eu quero te ver também. – Rolei os olhos.
- Me espere, que eu vou te encontrar quando estiver pronto. – Ele sorriu. Juro que entendia cada vez menos.
- Você não quer me ver de novo? – Perguntei. Tive medo de ouvir a resposta.
- Claro que eu quero, Sakura. É o que eu mais quero. – Ele disse, surpreso.
- Então não estou entendendo o que você esta dizendo. – Disse, impaciente.
- Apenas mantenha em mente que vamos nos encontrar de novo. – Ele sorriu pegando em meu rosto mais uma vez. Vi que não ia conseguir mais nada com aquela conversa e concordei.
- Promete? –
- Sim. - Ele disse. Eu acreditei nas palavras dele. E senti o impulso de fazer uma coisa.
Peguei o bloquinho que estava na minha bolsa e uma caneta, anotei meu numero e meu endereço. Ele não falou nada enquanto eu fazia isso. Dobrei o papel e entreguei a ele.
- Aqui, assim você me encontra mais fácil. – Eu disse e ele pegou o papel e o abriu.
- Você confia tanto em mim assim? Olha que ainda posso ser um ladrão. – Ele disse e guardou o papel no bolso da jaqueta.
- Confio. – Eu disse e ele sorriu. – Queria ter uma estrela de neve para fazer um pedido. – Falei olhando para os poucos flocos de neve que ainda caiam.
- Isso não é problema. – Ele disse. Vi ele se abaixar e pegar um gravetinho. Só me dei conta do que ele estava fazendo quando ele terminou e eu pude ver uma estrela desenhada na neve.
- Sua estrela, faça seu pedido. – Ele disse sorrindo. Eu tive vontade de abraça-lo apertado, muito apertado.
- Eu disse uma estrela de neve e não uma estrela na neve. – Eu ria, mas estava completamente encantada com aquele ato.
- A ordem dos fatores não altera nada. – Ele deu de ombros, mas também sorria.
- Será que funciona? – Perguntei, encarando a estrela na minha frente.
- Tenha fé. Apenas isso. Acredite no que você quer, de coração. Se fizeres isso, seu desejo é válido. – Ele disse. Eu respirei fundo e olhei para a estrela desenhada e fechei os olhos.
- Eu desejo que minha mãe seja forte para agüentar por toda está situação. Que ela seja feliz novamente. Desejo ter forças para um dia perdoar meu pai, e espero que ele também seja feliz. E desejo te ver novamente. – Falei por fim e quando abri os olhos vi que ele estava me olhando, ele sorriu assim que notou que eu também o olhava. Peguei o mesmo gravetinho que ele havia usado para desenhar a minha estrela e do lado da minha fiz uma para ele.
- Sua vez. – Eu disse. Ele balançou a cabeça rindo, mas logo fechou os olhos. -
- Eu desejo que todos aqueles que eu amo sejam felizes. E eu desejo que todos os desejos da Sakura, os que ela verbalizou e os que não verbalizou, se tornem realidade. – Ele falou e abriu os olhos. Não sei qual era a minha expressão.
- Obrigada. – Falei ainda um pouco perplexa. Imaginando como uma pessoa como ele podia existir.
Ele não me respondeu. Ainda encarava as estrelas desenhadas no chão.
- Você é um anjo ou coisa parecida? – As palavras que rodavam em minha mente escaparam por minha boca. Ele riu.
- O que aconteceu com o psicopata-serial killer? – Perguntou achando graça.
- Deu lugar ao anjo, ou coisa parecida. – Eu ri, me sentindo completamente boba por ter deixado aquilo escapar. Ele riu forte balançando a cabeça.
- Me promete uma coisa? – Ele virou o rosto para mim. Balancei a cabeça concordando. – Primeiro me promete que não vai me perguntar o porquê eu estou pedindo para você prometer o que eu vou pedir. – Ele falou.
- Começou. – Rolei os olhos. – Ta bom, eu prometo. – Falei.
Ele demorou um pouco para começar a falar, esperei em silêncio.
- Promete que toda vez que lembrar de mim vai sorrir e não chorar? - Ele falou rapidamente. Tentei entender o significado daquela frase. Porque eu choraria? E foi isso que saiu da minha boca. 
- Porque eu choraria? –
- Sem perguntas, lembra? – Ele falou com um sorriso fino. – Só me promete isso. Pois quando você sorrir, em qualquer lugar que eu esteja, eu vou sorrir junto. Mas se você chorar eu também chorarei. – Ele disse. Eu mal piscava. – Promete? – Insistiu.
- Mas, por.. – Tentei falar, mas ele me interrompeu.
- Por favor. Sempre lembre de mim com um sorriso, pois assim eu sempre sorrirei com você e verei que esse sorriso é para mim. Seu sorriso é o mais lindo que eu já vi. – Ele disse.
- Prometo. Eu não terei motivos para chorar quando lembrar de você. – Fui sincera. – Mas eu prometo. - Meus olhos estavam começando a lacrimejar, aquilo parecia um adeus. Não sei por qual motivo, mas eu sabia que era.
- Obrigado. – Ele sorriu. – E obrigado por passar essa noite comigo. Você não sabe o quanto me ajudou, o quanto me fez feliz. –
- Eu que agradeço Kyu, por tudo. Por ter se preocupado comigo, uma pessoa desconhecida. Você foi um anjo que apareceu no momento que eu mais precisava. - Eu disse. As lágrimas já ameaçavam em cair.
- Eu serei seu anjo da guarda, Sakura, sempre que você precisar de mim, eu estarei do seu lado. Por mais que você não consiga me ver. – Os olhos dele brilhavam devido as lágrimas acumuladas. – Eu serei aquilo que você mais gosta. – Ele disse.
O abracei forte, muito forte. Ele fez o mesmo comigo. Deixei que minhas lágrimas caíssem sem tentar prendê-las.
- Eu te amo, Kyu. – Falei em seu ombro. Eu sei que é quase impossível amar alguém assim tão rápido. Mas não tinha palavras para expressar os sentimentos que aquele garoto tinha despertado em mim naquela noite. O quão eu estava grata a ele pelos poucos, mas inesquecíveis momentos que passamos juntos. 
- Eu também te amo. – Ele disse e eu o abracei mais forte. – Não esquece disso ta? – Nos afastamos um pouco e vi aqueles olhos incrivelmente perto, lágrimas saiam dos seus olhos e molhavam sua bochecha. Tirei uma dos braços que estavam em volta do seu pescoço e com o polegar impedi uma das lágrimas de rolar por sua bochecha. Ele sorriu e se levantou do banco, depois estendeu a mão para que eu me levantasse também. O cachecol dele caiu no chão, eu me abaixei e o peguei.
- Eu tenho que ir agora. – Ele disse. Eu sabia que aquele momento iria chegar naquele noite. Eu sabia que também tinha que ir para casa, mas não queria. Mas ao invés de negar, ou pedir pare ele ficar, eu apenas concordei. Eu sabia que se ele pudesse ficar, também ficaria.
- Nós vamos nos ver de novo? – Insisti na pergunta. Ele me olhou e tocou em meu cabelo.
- Sim. – Ele disse com a voz um pouco falha. – Nós vamos nos ver de novo. – Eu resisti ao impulso de perguntar quando. Algo dentro de mim falava que iríamos nos ver de novo, não importava quando.
- Lembre-se do que me prometeu. – Ele passou dos meus cabelos para o meu rosto. Ele parou de acariciar meu rosto e tirou a luva preta que usava.
Antes que eu pudesse perguntar o que ele iria fazer, ele voltou a tocar em meu rosto, com a mão sem a luva, sorrindo.
Fechei meus olhos com o toque. Senti sua mão quente em meu rosto, foi uma das melhores sensações que eu já tive. Nada que eu possa descrever, mas esse simples toque me fez ter sensações nunca sentidas, e onde ele estava tocando formigava.
- Só queria sentir sua pele. – Ele disse. Eu podia ficar daquele jeito pelo resto da vida. Não consegui segurar e o abracei mais uma vez, ele soltou uma risadinha e me abraçou de volta.
Colei minha testa junto da dele, quando afrouxamos o abraço.
- Obrigada ta? Por tudo. Obrigada por estar comigo. – Falei sentindo a respiração dele em meu rosto.
- Obrigado por ter feito dessa noite a melhor da minha vida. E lembre-se, nada é para sempre. Tudo vai se resolver. – Ele encostou nossos narizes e deu um beijo no canto da minha boca.
- Feliz Natal, Sakura. – Disse com um sorriso, eu sorri de volta.
- Feliz Natal, Kyu. –Passei o polegar em seu rosto e dei um beijo em sua bochecha.

Apesar de termos nos despedido na praça. Ele e eu fomos até um ponto de táxi. Ele esperou comigo até o primeiro táxi aparecer. Perguntei se ele não iria junto, ele disse que preferia ir andando. Por mais que eu achasse perigoso, eu não discuti. Apenas vi ele sorrir mais uma vez para mim e entrei no táxi, enquanto o táxi se afastava o vi colocar as mãos no bolso e olhar para o céu, antes de sair andando. Por um momento tive medo que ele desaparecesse dali. Tive medo que fosse fruto da minha imaginação. Só parei de olhar para trás quando o táxi virou em uma esquina e eu não pude mais vê-lo.
- Moço. – Chamei o motorista do táxi, ele me olhou pelo retrovisor.
- Pois não. – Falou.
- O senhor viu aquele menino que estava comigo certo? – Perguntei me sentindo uma idiota, mas eu tive que perguntar.
- Sim, por quê? – O motorista perguntou confuso. 
- Por nada, obrigada. - Não consegui conter o sorriso. É, ele era real.

Não falei mais nada com o motorista. Fiquei em silêncio, lembrando de tudo daquele garoto, lembrando de todos os nossos momentos juntos. Não percebi que o táxi tinha parado na frente da minha casa, só me toquei quando o motorista chamou minha atenção. Ao ver aquele fachada foi como se tudo o que eu tivesse vivido com o Kyu tivesse sido um sonho, e agora eu estava voltando a realidade. Tentei me apegar a todas as lembranças e ao sentimento de felicidade que eu sentia antes, para não me deixar abalar. Ele tinha conseguido cumprir o que prometeu: me fazer esquecer de tudo em quanto eu estava com ele. Só de lembrar disso eu sorri, e ao sorrir lembrei da minha promessa. Sorri mais ainda. Para que ele sorrisse junto comigo.

Respirei fundo e sai do táxi depois que paguei ao homem, procurei a chave dentro da minha bolsa. Eu já mentalizava a cena que eu iria encontrar em casa: Minha mãe, deitada no sofá, com um copo de whysky em cima do centro da sala, ou no chão. A casa desarrumada, cheirando a álcool.
Abri a porta de uma vez, antes que desistisse e saísse dali como fiz naquela manhã. Mas fugir daquele problema só tinha me causado outro, encontrar as outras duas pessoas em que eu mais confiava me traindo.
Fechei a porta atrás de mim e acendi a lâmpada da sala. É, ali minha mãe não estava, e a sala estava incrivelmente arrumada. Estranho. Tinha até uma árvore de Natal, quando eu sai de casa ela não estava ali.
Coloquei minha bolsa em cima do sofá e algo escorregou dela. Era o cachecol cinza do Kyu. Eu havia pego do chão quando caiu e tinha esquecido de devolver. Peguei o cachecol, tirei o meu, enrolei o dele em meu pescoço. Senti o cheiro de seu perfume amadeirado e do cheiro doce da pele dele, junto com o cheiro do algodão. Sem duvidas ele era real.

Enquanto passava pelos cômodos da minha casa acendi a maioria das lâmpadas. Era bem pior, minha mãe não estava em casa. Suspirei e entrei em meu quarto batendo a porta. Olhei para o relógio de borboleta que ficava em uma das paredes do meu quarto, eram quase quatro da manhã. Me joguei em cima da cama e encarei o teto. Batidas na porta do meu quarto me fizeram dar um sobressalto. Sentei rapidamente, assustada. Se não tinha ninguém em casa, quem estava batendo na porta?
Mais duas batidas. É, meu coração ia pular da caixa torácica.
- Quem... quem é? – Perguntei quase em um sussurro.
- Sou eu filha, a mamãe. – Respirando de alivio em, 1,2,3....
- Ah, entra. – Falei e vi a porta do meu quarto abrir.
- Oi. – Minha mãe entrou. Ela não parecia bêbada. Ou eu já estava tão acostumada em vê-la bêbada que já estava achando normal.
- Oi, você saiu desde manhã, fiquei preocupada. – Ela falou sentando na cama, ao meu lado.
- Não sabia que havia percebido. – Falei. Quando eu havia saído, ela estava bêbada desde a noite passada. Colocando a culpa em mim por tudo o que o papai tinha feito.
- Desculpe pelo que eu lhe disse. Nada é culpa sua meu amor. – Ela disse com a cabeça baixa, pegando em minha mão. – Eu não tinha o direito de descontar minhas frustrações em você, independente da bebida. Coisa que prometi não chegar mais perto. Depois que lhe falei aquilo e vi sua expressão eu cai na real. Eu já tinha perdido meu marido e do jeito que eu estava lidando com tudo iria acabar perdendo você, e isso eu não suportaria. Você é a coisa mais importante da minha vida. – Ela tocou em meu rosto, eu não a olhava. – Desculpe por tudo que te fiz passar esses meses, e entendo se você não quiser mais olhar na minha cara. – Ela estava chorando.
- Não se desculpa mãe. – Falei a abraçando. – Eu estou feliz de te ver bem de novo. –
- Eu não vou mais te decepcionar, querida. – Ela disse me apertando forte.
- Você nunca me decepcionou mãe. – Eu falei.
É, talvez o pedido para estrela tenha sido realmente atendido. Eu só não esperava que ele fosse atendido tão rápido.

Minha mãe e eu ficamos no quarto conversando até de manhã, eu contei para ele como passei todo o meu dia. Da traição dos meus amigos. Ela se identificou. Claro. Do quase acidente. Ela me olhou horrorizada. Da ajuda de um estranho. Ela só faltou repetir: ‘ Quantas vezes eu já falei para não falar com estranhos?’. Contei de como Kyu tinha transformado meu dia, de como ele era especial, bonito, simpático e tinha cinco tipos de sorrisos. De como ele tinha sido um anjo naquela noite. Depois de ouvir todas as minhas “aventuras”, como ela intitulou minha noite, ela concordou comigo. Disse que queria agradecer a Kyu pessoalmente por ter cuidado de mim. Coisa de mãe.
Mas eu realmente queria ter a chance de, um dia, apresenta-lo a ela.

Os dias que se passaram foram mais calmos. Eu continuava sem ver meu pai e sem querer saber dele, a raiva havia diminuído devido ao fato da minha mãe agora estar bem, mas eu ainda não tinha vontade de perdôa-lo e nem me sentia capaz disso. Minha mãe e eu voltamos a nossa relação de sempre, mãe e filha, melhores amigas. E meu ex-namorado, e minha ex-amiga, apenas os ignorei. Não precisava ficar remoendo nada. 

Durante uma semana eu desejei que o Kyu me ligasse, ou viesse até minha casa, mas isso não aconteceu. Eu não consegui nenhuma noticia dele. E só com o nome Kyuhyun, não conseguiria muita coisa.
Eu sonhava com ele quase todas as noites e ele sempre aparecia como um anjo, com asinhas e tudo. Chegava a ser engraçado. 
Eu não sabia a quem recorrer para encontra-lo e nem por onde começar a procurá-lo. Estava realmente começado a imaginar que ele foi fruto da minha imaginação. Mas o cachecol dele estava lá, guardado em minha gaveta, para me provar o contrário, e fazer com que eu não perdesse a esperança nem a fé. Acreditar que ele realmente iria me encontrar. 

Na tarde de um sábado, depois de passar manhã na faculdade,cheguei em casa como qualquer outro dia e coloquei minhas bolsas e livros no sofá. Avisei com um grito que havia chegado em casa e minha mãe saiu da cozinha. Ela estava com o avental amarrado na cintura. Provavelmente preparando o almoço. 
- Boa tarde, filha. – Ela veio até mim e me deu um beijo na bochecha.
- Oi. Cheirinho bom. – Falei empinando o queixo para cima, fungando o ar.
- Lasanha. – Ela disse com um sorriso. Eu amava lasanha. – Esta quase pronto. – Avisou.
- Ok, vou lavar as mãos e volto para te ajudar com o restante. – Falei tirando o meu casaco e jogando em cima do sofá da sala. - Certo, as tias vão vir mesmo? – Perguntei. Faltava um dia para a véspera de ano novo. Para não passarmos sozinhas, a mamãe havia convidado as irmãs delas e meus primos para passar conosco.
- Sim, a noite eles estarão por aqui. – Falou. - Ok, já volto. – Eu disse, indo em direção ao corredor que levava ao banheiro. - AH! Sakura. – Minha mãe me chamou e eu parei no meio do caminho. – Chegou uma carta para você, está em cima da sua cama. – Ela disse sorrindo. - Carta? De quem? – Perguntei surpresa. Eu quase nunca recebia cartas. Tirando claro, as contas do cartão de crédito.
- Do Kyuhyun.- Ela disse e não precisou falar mais nada, eu sai correndo para o meu quarto, quase dando de cara com a porta, que estava fechada.
Eu estava tremendo e sorrindo assim que abri a porta. Não precisei olhar duas vezes para ver o envelope amarelo em cima da minha cama. Me joguei em cima da cama e o peguei. Rasgando imediatamente a lateral e pegando o papel branco de dentro. O abri. As letras miúdas e finas preenchiam todas as linhas do papel, a tinta era da cor preta. Comecei a ler.

Oi, Sakura.

Se você esta lendo essa carta agora. Isso significava que eu não estou mais na terra.
Primeiro, quero te pedir perdão por não ter te contado tudo antes. Eu fui fraco. Tive medo, medo de te fazer sofrer, como estava fazendo a todos aqueles que eu amava. Por isso não te contei. Não valia a pena estragar aquele momento.

Naquele dia, dia 24 de Dezembro, quando esbarrei com você na rua, eu estava fugindo. Como eu te disse. Mas não era de uma delegacia e sim de um hospital. Eu tinha uma doença. Uma doença incurável.
Na semana daquele mesmo dia, depois de quase um ano tendo o hospital como minha casa, meu médico me disse que meu quadro havia piorado e que eu tinha pouco mais que quatro dias de vida.
Eu já esperava por isso. Depois de todo aquele ano, lutando para viver, eu estava cansando. Já havia me acostumado com a idéia de partir.
O duro para mim não foi aceitar a noticia, mas ver minha mãe, meus amigos e meus irmãos sofrendo. Por mais que eles me mostrassem um sorriso doce quando eu os olhava. Eu ouvia minha mãe chorando a noite, enquanto eu fingia que estava dormindo. Eu tentei falar para eles, para não ficarem triste, mas eles não aceitavam. 

Eu só tinha um desejo antes de partir, era sair dali.
Não preciso dizer que meu pedido foi negado por todos. Mas eu não os julguei. Eles estavam preocupados comigo.

Então, fugi do hospital. Eu não queria ficar um dos meus últimos dias olhando para aquelas paredes brancas, vendo as pessoas que eu amava sorrirem fracamente para não chorarem na minha frente. Isso doía demais, demais mesmo. Eu não gostava de vê-los sofrer. Eu não estava mais sofrendo, já tinha aceitado o meu destino. Mas antes, eu queria ver a lua, o sol, a neve, sentir o vento, ver o movimento. Ver a cidade pela ultima vez, correr....
Ver a cidade enfeitada para o Natal. A data que eu mais amava quando criança. Eu só esperava isso daquela noite. Queria ver tudo pela ultima vez, guardar todos os detalhes, dar valor ao que eu nunca tinha dado.
Seria o suficiente.

Mas Deus foi mais generoso comigo, e não só me proporcionou que eu visse tudo que eu queria, como também colocou você em meu caminho.

Obrigado, Sakura, por tudo que você me proporcionou naquele noite. No final, foi você que meu ajudou a esquecer todos os meus medos naquela noite. Me fez sentir uma pessoa novamente, me fez descobrir novos sentimentos e acordar sentimentos à tempos guardados em mim.

Seu sorriso é a coisa mais linda e sincera que eu já vi. Por isso pedi para que me prometesse sempre sorrir quando lembrasse de mim e não chorar. Seu sorriso iluminou o dia mais sombrio da minha vida. E ver você chorando enquanto me contava seus problemas, ou mesmo depois do quase acidente, me deixou despedaçado por dentro.

Agradeço à Deus por ter te colocado em minha vida, na hora em que eu mais precisei. Nós dois estávamos na hora certa e no lugar certo. Naquele momento, tudo foi tão perfeito. Cada segundo que eu passei contigo, tentei aproveitar o máximo possível, pois sabia que seriam os últimos e foram os mais bonitos da minha vida. Você me cativou desde o primeiro segundo em que te vi.
Não sabes o quão difícil foi, para me despedir de você naquela noite. Ter que encarar a realidade. Tudo parecia um sonho. Um sonho do qual eu não queria sair. Eu queria congelar aquele momento para sempre. Eu podia está preparado para tudo, mas não minto que estava com medo.
Ter você comigo me deu vontade de continuar vivo, mas eu sabia que esse desejo não seria atendido. Porém, enquanto eu caminhava de volta ao hospital. Ao invés de chorar, eu sorria, sorria ao lembrar de você, sorria ao lembrar dos momentos que passamos juntos. Apenas sorria, deixando meus medos em segundo plano. 

Sakura....
Você foi a melhor coisa que aconteceu na minha vida.
O meu maior desejo, é que você seja feliz o dobro do que você fez feliz naquela noite. 
Espero que me perdoe. E peço para que não chores ao saber de tudo isso. Não é um adeus, mais um até logo
Eu posso não está mais ai, mas eu estarei sempre ao seu lado. Eu sempre estarei com você. Como prometi. Eu disse que íamos nos encontrar novamente um dia, e iremos. Eu sei disso. Um dia nós vamos nos encontrar e sorrir juntos mais uma vez.

Quando a chuva cair, serei o guarda-chuva que te cobrirá. Quando o vento forte soprar, serei o escudo que te protegerá. E quando ele soprar fraco, brincando com seus cabelos e acariciando a sua pele, eu serei ele. Lembre-se, mesmo o quão escura e profunda uma noite possa ser, não esqueça que o amanhã virá com certeza. 
Se você quiser, eu serei tudo aquilo que você mais ama, serei tudo aquilo que te protege. 
Quando precisares de mim, não precisava chamar, não esperarei você chamar para ir ao teu encontro, pois eu nunca sairei do seu lado.

Você foi meu anjo na terra e eu serei seu anjo no céu. 

Seja feliz, Sakura.
Seja muito feliz.

Kyuhyun.


Eu não sabia mais como respirar. Agora tudo que ele havia falado fazia sentindo. Todas os pedidos, promessas, perguntas vagas....
Minha mão apertava a folha com força, fazendo reclamar com barulhos. Eu não podia acreditar em tudo o que eu li. Eu não podia acreditar que ele havia morrido. Não ele.
Tentei ler a carta novamente, mas não conseguir sair nem da primeira linha. Meus olhos estavam embaçados, minha mão tremia, o que fazia o papel não parar no canto. 
Coloquei a carta em cima da cama e me encolhi abraçando os meus joelhos. Eu não estava com raiva por ele não ter me contado, mas estava me sentindo impotente por não tê-lo ajudado, por achar que eu era a única que precisava de ajuda ali. A única que sofria. Meus problemas não eram nada em comparação ao dele. Mas ele estava lá, ficou lá comigo. Sorrindo, brincando. Como se nada estivesse acontecendo, como se nada mais fosse importante.
Senti meu coração apertar, meu peito parecia está sendo esmagados. Os soluços em minha garganta só aumentavam.
Ele fez tanto por mim. Tanto me ajudou.

Levantei e corri até minha gaveta, onde estava o cachecol dele. O peguei e abracei. Abracei com toda a força que eu tinha. Sentindo o perfume dele, e deixando que as lembranças dos sorrisos dele preenchesse a minha memória.
Quando voltei para a cama percebi que em cima, junto do envelope e do papel, tinha uma tirinha de papel branca, um pouco brilhosa. Peguei com as mãos tremulas. Estava escrito.

‘ Pedi para fazer uma copia para você. Para lembrar de um dos melhores momentos da minha vida, e quem sabe, de um dia especial para você.

Kyu.



Era a nossa foto. Quatro fotinhas. Eu havia esquecido que as fotos tinham ficado com ele. Eu sorri e chorei ao mesmo tempo ao olhar aquelas fotos.
Meu joelhos cederam, sem forças para agüentar o peso do meu corpo, me sentei no chão, encolhida com o cachecol e olhando as fotos. Eu iria cumprir minha promessa de não chorar, iria sorrir ao me lembrar dele, pois eu queria que ele sorrisse também. Mas agora eu precisava de um momento para chorar, para acalmar a dor que eu sentia.

Flashback off


A carta estava guardada em minha gaveta. Durante todo o ano que o meu primeiro e ultimo pensamento do dia era: . Eu só li a carta duas, vezes. Quando a recebi e seis meses depois.
O cachecol dele estava enrolado em meu pescoço, me protegendo do frio daquela noite de 24 de dezembro, como ele havia me protegido dos meus medos a um ano atrás, naquela mesma data. Ainda tinha o cheiro dele. As fotos estavam em minha mãos, sendo quase esmagadas pelos meus dedos.

Respirei fundo e sequei as lágrimas que desciam pelo meu rosto. - Ok, não vou chorar, Kyu. – Falei. – Não vou. – Sorri para o vidro da janela. E senti como se ele estivesse na minha frente.
Com um dos dedos desenhei uma estrela no vidro um pouco embaçado da janela, devido o frio lá fora e o calor dentro da casa. Não era na neve, mas era uma estrela, nosso símbolo.
- Faz um ano. E você esteve presente na minha memória todos os dia.- Falei, olhando para estrela desenhada. – Eu sei que você está perto de mim, me protegendo. Eu te sinto. Obrigada. E eu também sei, que um dias nos veremos novamente. Não sei quando. Mas sei que esse dia vai chegar. Obrigada por tudo, meu anjo. - Escrevi o nome dele dentro da estrela. - Feliz Natal, Kyu. – 
Desejei de olhos fechados deixando que toda a sensação de arrepio tomasse conta do meu corpo. E no fundo da minha mente eu pude escutar a voz dele e o toque dos seus dedos em minha pele, como naquela mesma noite, a um ano atrás.
- Filha, vem abrir seu presente. – Ouvi minha mãe chamar e sai de perto da janela. – Depois vamos lá naquela praçinha que você quer tanto ir. - 
- Já vou mãe. – Passei a mão pelo rosto para tirar os vestígios de lágrimas e sai correndo em direção aos meus amigos e a minha família. Para ter um natal feliz e especial. Mas não tão especial ao que eu passei com um anjo. Com o meu anjo. Como o que eu passei com Kyuhyun, pois esse foi e sempre será, o melhor natal da minha vida.

Fim.


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