Kyoko tinha feito o que a mão pedira e estura até adormecer na secretaria.

Agora estava a sair da casa vazia para ir-se encontrar com Shotaro e dirigir-se para a escola. Se tudo corresse bem, estava a nove horas de ver a surpresa que o Corn tinha preparado para ela.

Mas, enquanto ela tinha aulas, Kuon estava trancado no quarto, de castigo, a pensar que ia quabrar a promessa que tinha feito à menina mais inocente que tinha conhecido.

Quando deu por si, já eram 16:30 e faltavam trinta minutos para a surpresa. Tinha que sair dali o mais rapido possivel.

Ele levantou-se da cama, espreguiçou-se e foi até à janela mas, quando ia saltar, o pai apareceu na porta.

- Oh, Kuon. - suspirou Kuu abanando a cabeça, lentamente - Ias mesmo escapar pela janela.

- I'm going, anyway. So get lost. - disse Kuon sem sair da janela - You were the one to drag me here!

- Kuon, eu já te disse para falares japonês, enquanto estivessemos aqui, não disse? - Kuu sentou-se na cama do filho - Eu e a tua mãe estivemos a falar e decidimos partir para a América daqui a uma semana.

- O quê? Porquê? - perguntou Kuon, surpreedido pela súbita dos pais - Não íamos passar aqui o resto do mês? O que é que aconteceu?

- Tu aconteceste. - respondeu Kuu - Se já não queres voltar, ainda melhor. O nosso regresso mais cedo vai ser o teu castigo. Tens que aprender a respeitar os teus pais.

- Eu odeio-vos! - gritou Kuon saltando da janela do segundo andar para uma árvore e descendo rapidamente para o chão.

Kuu nem se deu ao trabalho de ir atrás dele. Sabia que não conseguiria apanhá-lo, em todo o caso. Em vez disso, voultou para o primeiro andar, onde Julie estava a vestir o casaco, à beira da porta.

- Onde é que vais, amor? - perguntou Kuu.

Julie olhou para Kuu com as sobrancelha franzidas. - Vou ver onde é que o nosso filho tem passado as tardes.

...

Cansado e a transpirar, Kuon chegou ao rio e sentou-se numa pedra, à espera de Kyoko, tentanto esconder a tristeza e a dor da sua cara.

Quando a viu sair do meio das árvores, sorriu enquanto ela dava ria e dava saltinhos. Vendo a felicidade pura nos olhos de Kyoko, Kuon decidiu guardar para si, a data da sua partida.

- Qual é a surpresa!? - perguntou Kyoko continuando a saltar à frente dele - Qual é a surpresa!? Vais-me levar a ver o mundo das fadas?

- Hoje não. - disse Kuon levantando-se - Queres-me ver a voar?

As estrelinhas que ele viu nos olhos dela deram-lhe a resposta mesmo antes de ela gritar um "sim" que o fez rir.

Com a atenção de Kyoko nele, Kuon apoiou um pé na rocha e saltou, pairando no ar durante alguns segundo antes de aterrar perfeitamente.

- Foi espantoso! - exclamou Kyoko correndo até ele - Mas porque é que caíste?

Kuon pensou durante alguns momentos, fazendo festinhas no cabelo dela. Finalmente, conseguiu encontrar uma explicação que encaixava perfeitamente na sua vida.

- As mãos do meu pai impedem-me de voar. - disse Kuon simplesmente, vendo Kyoko com as lágrimas nos olhos - As minhas asas são cortadas e eu não consigo voar livremente.

- Oh, isso é tão triste, Corn. - disse Kyoko, enquanto limpava as lágrimas que tinham começado a cair.

- Mas não te preocupes, Kyoko-chan. Um dia eu vou-me conseguir libertar. - prometeu Kuon - E voarei pelos céus.

E, deixando a conversa mágica de lado, Kuon perguntou-lhe como tinha corrido o dia e, como normalmente fazia, Kyoko falou-lhe de Shotaro.

- Tu gostas muito desse tal Shotaro. - comentou Kuon.

- Sim, ele é o meu principe. - explicou Kyoko - Um dia vou-me casar com ele e vamos viver felizes para sempre!

- Que pena. - queixou-se Kuon fazendo uma cara teatral - E eu que te queria oferecer o cargo de princesa das fadas.

- Eh? A sério? - Kyoko pensou um pouco mas acabou por abanar a cabeça com convicção - Não, eu vou ser a princesa do Shotaro. Ele precisa de mim.

- Estou a ver. - disse Kuon - Porque é que ele precisa tanto de ti?

- Corn, ele não sabe fazer nada. - disse Kyoko com uma cara séria - Ele precisa de uma príncesa para o ajudar a sobreviver.

Achando graça à cara séria de dela, Kuon começou a rir vendo Kyoko amuar imediatamente.

...

Julie assistia a tudo, escondida nas sombras das árvores.

Talvez fosse por ter visto o filho rir de uma maneira que ele nunca rira à sua frente ou por sentir que Kuon tinha encontrado uma ligação com aquela menina mais forte do que qualquer ligação que alguma vez tinha tido, mas Julie não tinha conseguido conter as lágrimas.

Era por causa dela que ele saía de casa todos os dias?

Era completamente maravilhoso. Julie queria saber mais sobre aquela rapariga, mas sabia que não podia segui-la nem perguntar ao filho.

Bem, talvez um dia tivesse a oportunidade de falar com aquela menina, de vê-la outra vez.

...

Kyoko despediu-se de Kuon mais tarde do que era aconselhável, esquecendo-se completamente das lágrimas que tinha guardado desde o dia anterior.

Mesmo que a mãe gritasse, hoje nada a deprimiria. Tinha visto o príncipe das fadas a voar! E tinha sido convidada para ser a príncesa delas.

Isso significava que ela poderia viajar até ao mundo das fadas? Isso seria maravilhoso! Mas, não...ela não podia ir. Shotaro precisava dela e o mundo das fadas estava em boas mãos com Corn.

Aos saltinhos, Kyoko entrou na mesma casa vazia de onde tinha saído e dirigiu-se ao seu quarto, começando a cantarolar. Queria agradar a mãe, hoje.

Iria estudar e deixar a mãe em paz, quando ela chegasse. Talvez até fizesse um chá para ela descontrair e esquecer o dia de trabalho.

Ela estudou e estudou e estudou ainda mais, à espera que a mãe chegasse a casa. Mas, naquela noite...a mão não foi para casa e, mais uma vez, Kyoko adormeceu na secretária.

...

Kuon também chegou a casa, quase ao mesmo tempo que Kyoko mas, apesar de ter tentado esgueirar-se para o seu quarto, o pai chamou-o antes de ele ter tempo.

Tal como no dia anterior, Julie e Kuu estavam sentados no mesmo lugar mas, desta vez, a mãe sorria docemente.

- Kuon, nós decidimos deixar-te passar a tarde como tu bem quiseres. - informou Julie tentando não parecer uma parva a sorrir - Queremos que te sintas bem nestas férias. Só peço que acordes cedo para passares a manhã connosco.

- No entanto... - continuou Kuu - ...vamos voltar para a América daqui a uma semana, isso está decidido. É o castigo por desrespeitares os teus pais, Kuon. Agora vai para o teu quarto até o jantar estar pronto.

Conformado, Kuon foi para o quarto, sabendo que o pai não mudaria de ideia por muito que ele reclamasse.

Pelo menos, já não teria que sair à socapa para se encontrar com Kyoko.