Mio ouvia enquanto Tarou falava, mas sua voz parecia não sair para que ela respondesse àquelas palavras, àquela verdade aterradora.  Seus olhos estavam arregalados e olhavam fixamente os de seu anjo da guarda. Ela fora bombardeada com uma quantidade incrível de informações: um demônio tentara lhe matar e o rapaz que ela ama é, na verdade, seu anjo da guarda. Ela tentou, de algum modo encontrar a voz dentro de si para respondê-lo e, com lágrimas percorrendo sua face, conseguiu dizer:

            - Eu... eu não sei o que dizer. Eu desconfiava que você não fosse um humano normal, mas... ser meu anjo da guarda? Isso estava fora do alcance da minha imaginação. E mesmo assim, eu não consigo deixar de te amar, Tarou. Não consigo dizer pra você me deixar. Eu não consigo – Mio desabou em lágrimas e aconchegou sua cabeça no tórax de Tarou. O anjo acariciava os cabelos dela e lhe enxugava as lágrimas que teimavam em escorrer.

            - Só faz uma semana que estive aqui e parece que os pombinhos nem consideraram a hipótese da minha volta. – Ouviu-se um baque da porta do quarto se fechando atrás do homem, do demônio que estivera ali.

            Tarou se levantou, segurando Mio em seus braços e depois, sentando-a na poltrona atrás de si. Ficou na frente dela protetoramente e encarou o demônio.

            - O que você quer aqui agora, Ryosuke? -, esbravejou o anjo.

            - Eu vim matar você e a garota e tomar este crital. Sendo assim, você tem duas opções: ser um anjo bonzinho, me entregar o cristal e aceitar a morte, ou, dar trabalho e ser torturado enquanto eu uso a garota. O que vai ser?

            - Você não vai encostar as mãos nela ou no cristal. Suma daqui antes que eu acabe com você.

            Ryosuke então, com um sorriso debochado na face, desapareceu da vista de Tarou e Mio. Sendo um demônio, não deviam esperar que ele desistisse de seus objetivos tão facilmente, mas, Tarou estava tão preocupado com Mio que simplesmente esqueceu que os demônios eram cheios de truques e se deixou distrair com as lágrimas da garota. No exato momento em que o anjo se virou para consolar Mio, Ryosuke apareceu por trás dele e passou a mão direita por seus olhos, fazendo com que ele imediatamente adormecesse e caísse no chão. Se dirigiu, então, à Mio. Lançou o mesmo feitiço sobre ela, fazendo-a adormecer e a tomou em seus braços. Saiu pela janela e deixou Tarou ali, apagado no chão do quarto.

***

            Tarou abriu os olhos lentamente. Sua cabeça doía demais, provavelmente por causa do encantamento que o demônio silenciosamente jogara sobre ele. Vasculhou o quarto com os olhos. Onde estava Mio? Quanto tempo ele havia dormido? Olhou novamente para a poltrona onde antes segurara sua amada em seus braços e, nela, havia um pedaço de papel azul, escrito em preto:

“Tarou, se você quiser a garota idiota de volta, me encontre no meu castelo assim que acordar. Ela tem apenas 48 horas de vida, contando a partir do momento que você adormeceu. Um pequeno detalhe: por causa do feitiço, você dormiu por quarenta horas, babaca.”

            Ao ler isso, Tarou sentiu o sangue ferver em suas veias e saiu do hospital apressado. Na melhor das hipóteses, para chegar ao castelo de Ryosuke, que ficava logo após um dos portões do Inferno, levaria cerca de vinte horas. Tarou tinha apenas oito. Seria uma corrida contra o relógio, mas ele precisava salvar Mio. Talvez existisse um modo de fazer isso. Era arriscado, mas era sua única cartada em tal situação.