Dádiva dos Céus escrita por MsWritter


Capítulo 1
Único


Notas iniciais do capítulo

E com esta encerro minha participação no dia do post. Nas notas finais, a lista de temas para o desafio do dia do post, que se seguirá o ano todo.



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Chuvas como aquela eram realmente raras na Inglaterra. A noite estava quente, abafada, e a água caia fina, calmamente. E Alucard, sentado na varanda, protegido da água, estava realmente achando a visão muito interessante. Quando era humano gostava de chuva. A água era sua amiga.

            A água lhe fizera bem em suas jornadas pelos desertos, limpou suas feridas após as batalhas. Lavou o sangue derramado nas ruas. E após 500 anos naquela imitação de vida que ele tinha, ver a água caindo de forma tão serena naquela época do ano era uma visão que se aprende a apreciar, assim como um eclipse solar, assim como a passagem de um cometa, assim como o despertar de um verdadeiro amor. Coisas que com o tempo se aprende o quão raras são.

            Então seus pensamentos foram tomados ao observar uma figura esbranquiçada rodopiando pelo escuro da noite. Os cabelos platinados atingindo um tom prata ao se fundirem com as gotas de chuva, as vestes antes leves e soltas grudando na pele alva, assumindo um aspecto ligeiramente transparente. Aos poucos a imaginação do conde voou longe, aceitando que aquela mulher poderia ser um fantasma, um eco de um passado distante. Pura e bela como uma noiva, permitindo que a água lhe tocasse o corpo. Tocasse sua pele como ele sabia que ela jamais permitiria que ninguém o fizesse.

            Depois, assumiu para si que ela poderia ser um anjo, que com sua candura iluminava a noite, permitindo-se banhar nas dádivas de Deus, no presente que Ele enviava dos céus, apenas para ela, apenas para sua alegria, apenas para abrir seu sorriso.

            E então o mundo se iluminaria uma vez mais, e a Lua, invejosa, forçaria as escuras nuvens a saírem do céu, as estrelas seriam reveladas, e ela, rainha dos céus, brilharia mais e mais, tornaria mais romântica a noite dos amantes, e se faria notar por todos os viventes da Terra.

            Mas ela é um anjo, puro, casto, cândido. Acharia a lua bela, sorriria mais uma vez, e ai sim, o imortal enfim teria a visão que mais lhe agradava, a visão mais rara que os séculos o privaram. Veria a sua mais bela e orgulhosa companheira refletida em seus olhos azuis, e então seu mundo escuro e sempre sombrio se iluminaria, por alguns segundos, e sua sanidade, já há muito posta em prova, já há muito frágil e débil, teria um motivo para existir.

            E ele poderia viver mais décadas, séculos, apenas com aquela pequena lembrança lhe alimentando a alma.

            Mas o sorriso do anjo foi tão discreto, tão corrompido pela dor carregada que a Lua não o invejou, não o percebeu. As nuvens não se afastaram, e a água continuava a cair. E o anjo se vez novamente mulher, uma mulher forte e frágil ao mesmo tempo, que andava pela chuva sentindo as gotas frias contra sua pele branca, andando descalça, com as vestes encharcadas.

            – Vai ficar doente se continuar no frio, Mestre.

            Integra olhou assustada para seu vampiro, ainda protegido da chuva perto da porta que dava acesso ao jardim. Em um súbito susto por ser pega naquele momento tão descontraído, ficou o encarando apenas, os olhos azuis faiscando em brilho em contraste com a pele pálida.

            – Por mais que eu goste da visão, creio que deva trocar essas roupas, ou tirá-las apenas. – Ele continuou, em seu sorriso sádico. – Seria uma visão ainda mais espetacular.

            Integra instintivamente cobriu o corpo com as mãos. Mas continuava na chuva. Alucard continuou a olhá-la de onde estava, e aquilo finalmente atiçou a curiosidade de Integra.

            – Por que não se junta a mim? – Ela disse, com um sorriso.

            – Estou bem aqui. – Ele respondeu.

            – Faz quanto tempo que não toma um banho de chuva, Alucard?

            – Séculos.

            Integra continuou sorrindo, erguendo uma das mãos ao céu.

            – Dizem que a água da chuva lava a alma, limpa todos os pecados.

            Com aquele comentário Alucard baixou a cabeça, um sorriso um pouco mais sincero brincando em seus lábios finos. Integra acabou se aproximando dele, ficando muito perto, mas ainda na chuva.

            Alucard retirou o sobretudo vermelho, pousando-o sobre os ombros dela. Permitiu-se observar como o tecido era aos poucos tingido de vinho, e se perdeu nos movimentos dos dedos dela, pálidos, azulados de frio apesar o calor da noite, aproximarem mais o tecido do corpo.

            – Não tem uma alma para lavar, não é? – Integra disse, abrigando-se finalmente junto com Alucard, nenhum dos dois deixando de sorrir.

            –Não.

            – Ainda sim, é uma sensação agradável para o corpo.

            Alucard ponderou sobre aquilo alguns segundos, quando sem aviso Integra agarrou sua mão e o fez ficar sob a água. Aos poucos ele também estava encharcado pela chuva fina, serena mas constante. Ergueu o rosto pálido para cima, buscando a boa sensação de que se lembrava, da água tocando sua face.

            Por algum tempo Integra pensou que ele também estava aproveitando a chuva, quando a cabeça do conde pendeu para baixo, e ela observou seu sorriso se desfazer, transformando-se em uma linha reta de dor e pesar.

            – O que foi?

            – Eu não sinto mais nada. – Ele respondeu, simplesmente, permitindo que seu sorriso florescesse uma última e definitiva vez naquela noite.

            E sem sentir o frio das gotas percorrendo seu corpo morto, nem o calor das mãos de Integra pousando sobre seu rosto, o conde se virou, deixando sua mestre, não seu anjo com a chuva. A chuva que era uma dádiva de Deus, cujas bênçãos Ele mandava para aqueles que ainda amava.

            Antes de sumir pela parede da mansão, ele reparou que a chuva aos poucos parava, e que no céu a Lua brilhava prata, refletida em uma lágrima no rosto de Integra, disfarçada de gota de chuva.

E então ele soube. Ele soube que sua frágil sanidade aguentaria mais alguns séculos, sustentada na esperança de que um anjo chorou por ele. Um anjo disfarçado de mulher que chorou uma única lágrima que fingia ser gota, e que a Lua, orgulhosa como era, achou aquilo tão belo que se fez ainda mais altiva.


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Notas finais do capítulo

Está lançado o desafio do dia do post, que se seguirá ao longo do ano. Trata-se de uma lista com 50 temas e um tema especial. Esses primeiros 50 temas são de histórias de sua autoria (não co-autorais). Aquele que completar os 50 temas (cujas histórias, capítulos ou afins deve conter o número do tema e a referencia ao dia do post nas notas ou sinopse) poderá publicar a fic com o tema especial, anexando nas notas ou no corpo da história a lista com os títulos das fics e/ou capítulos referentes aos temas. Quem vencer o desafio terá grande prestígio entre os leitores, e podemos combinar um prêmio!

Queremos lembrar a todos que se trata apenas de diversão, e que nosso objeto de adoração é postar fics de qualidade apenas para entretenimento, então, caso não queiram participar do evento ou se sintam ofendidos de alguma forma, é só seguir a vida normalmente. Segue a lista com os temas:


1 Chuva
2 Parque de diversões
3 Sol
4 Vento
5 Dia
6 Noite
7 Branco
8 Verde
9 Vermelho
10 Azul
11 Negro
12 Despedida
13 Reencontro
14 Saudade
15 Vontade
16 Doente
17 Fome
18 Sede
19 Sono
20 Preguiça
21 Inveja
22 Ira
23 Luxúria
24 Avareza
25 Vaidade
26 Gula
27 Demonio
28 Anjo
29 Fé
30 Guerra
31 Paz
32 Amor
33 Vida
34 Morte
35 Tempo
36 Tédio
37 Dança
38 Internet
39 Férias
40 Shopping
41 Música
42 Exército
43 Letras
44 Natal
45 Ano Novo
46 Dia dos namorados
47 Omissão
48 Pronunciamento
49 Aposta
50 Desafio
Especial Casamento



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