Diario de um Semideus 2 - As Portas da Morte escrita por H Lounie


Capítulo 8
Relato de um semideus confuso




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Nico

A vida real não liga para o fato de você ser ou não um herói. O tratamento é o mesmo. Passam-se os anos, mudam-se os costumes, mas certas coisas continuam as mesmas. Na vida real não existem finais felizes, nem amores perfeitos, nem heróis que recebem prêmios e são lembrados para todo o sempre. O que existe são pessoas que são toleradas, pessoas que são ignoradas e aquelas sem sorte. Nada para os heróis.

Passava um pouco da metade do dia e como eu já estava conformado com o circulo vicioso que minha rotina se tornou nem fiz questão de seguir para a arena treinar com os outros garotos. Como posso dizer, nada havia mudado muito nos últimos meses estão eu começava a acreditar que não fazer nada talvez fosse o suficiente. Não sei por onde começar a reconstrução da imagem do garoto que um dia eu fui. O acampamento me fazia sentir mais sozinho do que o normal, uma vez que estava cercado de gente, porém não interagia ou mesmo conversava com ninguém. Não era raro me pegar imaginando quão diferente as coisas poderiam estar se ela estivesse aqui. E lá estava eu mais uma vez pensando nela, tinha prometido a mim mesmo não pensar nela... Hoje.

Descendo o restante da escadaria do refeitório, não pude deixar de perceber um alvoroço em algum lugar do acampamento, mais precisamente na colina. Provavelmente algum novo campista foi seguido por um monstro e agora estava com problemas. E isso eu não entendo, os seres humanos abominam a dor e o sofrimento, mas são tão fortemente atraídos por eles, de uma maneira quase inconsciente, como ambiciosos são atraídos pelo poder, curiosos pelo saber ou Lyra por sua paixão pela música. E mais uma vez me pego pensando nela sem perceber.

E aí estão mais duas coisas que se atraem inconscientemente: meus pensamentos e Lyra. Existem coisas que me deixam realmente mal, coisas que vem de meu próprio pensamento. Coisas sobre o futuro, como por exemplo, o que poderia ser de nós daqui a uns dez anos. Talvez casados, ou sei lá. Imagine a cena do jantar: A mulher, Lyra, uma semideusa cheia de talentos, sentada a direita da mesa. Do outro lado duas crianças com cachos dourados como a mãe e na ponta da mesa o papai filho de Hades. Uma típica família americana.

Mesmo sem muita vontade, andei em direção à colina, alguém poderia estar precisando de ajuda. Cheguei logo depois de Quíron e deuses, nem em um milhão de anos eu esperava ver quem eu vi no topo da colina.

– Nico.

Aveludada, musical e triste. A voz soou um pouco diferente do habitual, mas mesmo assim, completamente reconhecível. Pude sentir sua aproximação antes de compreender sua intenção e por puro reflexo, puxei a espada da bainha.

– Quem é você?

Fui tomado por um mistura de magoa e descontentamento, medo e saudade, desejo e pânico. A pequena menina dos cabelos dourados e olhos de um azul escuro e brilhante me olhava assustada, com um traço claro de incompreensão no lindo rosto. Pelo reflexo de seus olhos eu via meu próprio rosto torcido pelo ódio enquanto eu segurava a espada próxima a seu pescoço.

Acho válido dizer que parte de mim queria abraçá-la tanto quanto ela parecia estar querendo se jogar em meus braços. Mas a parte sensata continuava a dizer que aquilo não estava certo, que aquilo só poderia ser um truque, uma brincadeira de muito mau gosto.

Na mesma hora Annabeth apareceu gritando que Percy havia sumido, então minhas suspeitas se confirmaram, aquilo não era bom. Aquela não era Lyra e a pessoa com ela, Luke, não deveria estar ali. O colar preso ao meu pescoço pareceu pesar um milhão de quilos naquele instante, mesmo assim não baixei a espada.

A menina que parecia Lyra chamou Quíron. Sua voz soou ainda mais baixa que da primeira vez, rouca e cheia de emoção. O garoto Luke parecia me estudar com cautela, como se estivesse estudando a melhor forma de me derrubar, eles pareciam próximos, ele com certeza queria afastar minha espada do pescoço dela.

Mais alguém chegou à colina fazendo mais barulho do que o necessário, passou por mim e bateu em minha espada, fazendo com que eu enfim a baixasse. Uma pequena discussão começou a se formar, mas eu apenas prestava atenção na garota. Ela parecia nervosa agora, ainda assustada, ainda emocionada e estava com medo, isso era visível. Meus instintos gritavam para que eu a protegesse, a tirasse daqui e escondesse no mais profundo dos abismos existentes no Hades ou ela iria sofrer. E muito.

– Olhem. – Começou a garota. – Sei que isso é estranho e que por certo e natural não devíamos estar aqui, mas, por favor, tentem entender, nós também não sabemos o que está acontecendo nem porque estamos aqui. Não temos para onde ir, ou até temos, a rua, mas bem...

Estremeci com o comentário, mas tratei logo de disfarçar, voltando a uma postura firme. Não queria saber que ela está na rua, exposta a o que quer que seja que pode fazer mal a ela, mas por outro lado, parece realmente perigoso deixá-la entrar, ainda mais acompanhada desse garoto. Eu queria cortar a garganta dele ali mesmo, tirá-lo do jogo outra vez, o lugar dele era junto dos mortos. Eu o odiava por algum motivo.

De relance pude perceber a garota ainda me olhando, por um momento cogitei me aproximar mais, talvez algum detalhe pudesse revelar que ela era apenas uma cópia feita de alguma maneira errada e não natural, mas antes que eu pudesse fazer qualquer coisa, ouvi-a falar.

– Isso é meu.

Ela parou em minha frente e meu coração vacilou.

– Não, isso pertencia à Lyra, não é seu.

O tom de ameaça a fez recuar, recuar na direção de Luke que a prendeu em um abraço. Ele lançou-me um olhar assassino e naquela hora entendi porque o odiava. Ele roubou algo de mim.

– Que lindo, um casal de cadáveres.

Meu riso foi sem humor, minha vontade era de atravessar minha espada pela garganta de Luke.

Nos dias que se seguiram eu me dediquei a observar os recém chegados do Hades. Eles pareciam estar realmente próximos e isso por algum motivo me incomodava. A menina não agia como Lyra, na verdade, dedicava muito de seu tempo a escrever ou a treinar com arcos troianos do arsenal, sempre reclamando do quanto sentia falta de seu arco, não cantava nas noites na fogueira, não conversava com ninguém. O garoto estava com ela sempre que podia, parecia que para ele a vida se resumia a passar os braços pelo corpo da garota e ficar junto dela.

Isso me deixava irritado, parte de mim exigia ação, dizia que era eu quem devia estar lá porque a garota era Lyra, minha Lyra. Mas mesmo assim, eu apenas observava. Depois da chegada do novo filho de Zeus e outros dois, todos ficamos sabendo sobre o inicio da grande profecia. Annabeth por algum motivo ia levar Lyra e Luke com ela, então, decidi que iria também, como uma forma de proteção para Annabeth. E também, eu queria ficar perto da garota Lyra, eu queria observá-la, encontrar nela algo que provasse... Que provasse qualquer coisa.

Na manhã seguinte a reunião da fogueira, tratei logo de avisar Quíron que iria sair do acampamento por tempo indeterminado, que iria ajudar a procurar Percy. Sabia que os planos de Annabeth incluíam passar por Manhattan, então esse era meu primeiro destino.

– A realidade por vezes é a mitologia que dizem não ser verdade. Surpreendente, não acham?

Ao ouvir a voz sai das sombras.

– Enigmática você, sim? – Comentei distraído, olhando para a mulher que falava com Annabeth e os outros.

– Nico?

A voz da garota Lyra mexeu comigo e com meus instintos outra vez, mas decidi ignorá-la.

– O que faz aqui? – Perguntou o garoto do abraço. Idiota, como se isso fosse da conta dele.

– Eu não ia deixar Annabeth com vocês dois. – falei, mesmo que isso não fosse totalmente verdade.

– Quem é você? – Perguntei a garota Lyra à mulher, parecendo desconfortável com o fato de ter sido ignorada por mim.

– Carmenta. – Disse ela, como se aquilo fosse algo obvio.

– Carmenta?

– Sim. Di indigete, divindade e ninfa da Arcádia, conhecida pelo dom da profecia que recebi no monte Capitólio, em Roma. Semideuses como vocês costumam me procurar para pedir ajuda.

Di indigete? – Annabeth falou. – Mas isso significa...

– A realidade por vezes e a mitologia que dizem não ser verdade. E as coisas nem sempre são o que parecem ser. O problema é que as pessoas tendem a analisar tudo pela perspectiva errada. Um grande problema, se me permitem dar minha opinião. Às vezes, para conseguir encontrar o que perdemos, precisamos voar. Precisamos unir forças e procurar em lugares que jamais imaginamos, que sequer sabíamos que podiam existir. Entretanto, os perigos são sempre grandes. É como desenhar sem borracha, existem coisas que simplesmente não se concertam jamais, por mais que se queira.

Continuei em silêncio, aquilo não fazia sentido algum.

– Quem é ele? – O garoto do abraço estava cheio de perguntas esta manhã.

– É o que quero descobrir. Agora se me permitem, devo ir, vocês tem trabalho a fazer e eu preciso levá-lo para casa. Para um lugar seguro para ele.

– É um semideus?

– Sim, ele é.

– Então deve levá-lo para o acampamento.

– O seu acampamento não é o único lugar seguro.

– Não, mas como? Isso é...

Carmenta tomou o menino nos braços e uma nevou esverdeada começou a rodear suas pernas.

– Lyra, não queime sua própria casa se você não quer morrer.

Dito isso, ela sumiu.

– Está pensando em queimar sua casa? Espero que ela não esteja se referindo ao acampamento, ou alguém terá problemas. – Disse à garota, encontrando pela primeira vez em dias o seu olhar.

Ela suspirou e quase sorriu, mas depois virou-se para Luke, enterrando o rosto em seu peito.

– Está falando de um problema maior do que um gigante que escala o Empire State Nico? – Luke foi sarcástico, mas eu o ignorei.

– Alguma ideia, Annabeth? – Perguntei a ela.

A filha de Atena me encarou com seus perturbadores olhos cinzentos.

– Apenas uma. E vamos precisar de ajuda.


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