Diario de um Semideus 2 - As Portas da Morte escrita por H Lounie


Capítulo 24
Vida a sete palmos


Notas iniciais do capítulo

Minha fic HP, pra quem gosta : http://www.fanfiction.com.br/historia/151483/Until_The_Very_End



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Nico

                                "Sinto muito por sua dor, meu querido."

 Certa vez ouvi uma antiga lenda que dizia que o ser humano foi originalmente feito com duas cabeças, quatro braços e quatro pernas.  Eram de uma perfeição surpreendente e isso chegou a causar invejava nos deuses, que usaram seus poderes e dividiram ao meio os homens, daí em diante todos foram obrigados a procurar durante sua vida a metade que o completasse, para que outra vez fosse possível encontrar a perfeição. Por muito tempo acreditei ter encontrado a minha, mas hoje acho que não é bem assim.

 Haviam se passado três, talvez quatro dias. Tentava organizar os pensamentos, tentava entender quais foram os motivos que levaram a esse fim. Só o que me vinha na mente era que eu não era bom o suficiente, não servia para uma futura deusa. Parecia-me ilógico que quando finalmente abri mão de meu orgulho e deixei de lado qualquer rancor que nos impedia de ficar juntos, ela resolveu me deixar. Hilário. Talvez fosse melhor continuar sob o controle de Drew, assim ao menos não teria que ouvir o adeus dela.

- Isso não é legal – riu-se a deusa.

- Eu já fui legal, mas hoje eu não sou mais. – Falei frio. – Pois quanto mais legal você é, mais você se dá mal.

- Oun, a namoradinha o deixou, o trocou pela imortalidade. Pobrezinho do bastardo.

Ignorei Perséfone, sentando-me em meio a seu jardim de pedras preciosas e flores estranhas. Era inevitável pensar nela.

Lyra

                ‘‘Você me ama, por que não me dá mais um ano?’’

- Vai doer? – Perguntei receosa, olhando Hermes girar a maçã nas mãos.

- Não, eu prometo a você que não vai doer – Sorriu. Ele ficava radiante quando sorria. Tão desejável, era fácil amar Hermes, mesmo que eu ainda não tivesse certeza desse amor.

Seus olhos eram insondáveis, como se ele soubesse de algo. Depois que voltei do acampamento, ele se recusou a falar comigo por três dias, até Afrodite forçá-lo a me dar uma explicação. ‘Luke, Luke é a explicação’. Eu já sabia, mamãe já sabia, qualquer deus no Olimpo sabia, mas mesmo assim, doeu ouvir. Eu ouvi em silêncio suas reclamações, seu tom ofendido era completamente perceptível e ao fim de tudo bastou um simples e quase inaudível ‘me desculpe’ para arrumar as coisas, não foi preciso a eternidade como papai havia sugerido. Por isso era fácil amar Hermes, não havia tanto rancor como havia com ele. E eu não gostava de pensar nele, fazia-a me lembrar de coisas ruins.

Hera me fez assinar muitos papeis. Alguns dourados, onde minha letra horrível de disléxica fazia rabiscos com uma caneta de ouro. Alguns pareciam feitos de nuvens, que me faziam sentir como se algemas transpassassem meus braços enquanto eu assinava. Estava oficialmente casada com o deus mensageiro. Rindo um pouco, percebi que um comentário feito por Deméter um dia me voltou a mente ‘Se não for o deus dos médicos ou dos advogados, nem olhe’. Afrodite chorava como se eu estivesse assinando meu passaporte para o tártaro, papai estava apenas ali, alienado, concentrado nos próprios pensamentos. Enfim, Hermes me entregou a maçã.

Nico

    ‘‘Agora, apenas faça coro com os mortos e aguarde instruções’’

- Pânico - Disse uma voz fria atrás de mim, a vida com certeza havia abandonado aquela voz.

- Como disse? - Perguntei olhando na direção da voz.

- Pânico, medo, tremores. Terror. É o que sente agora, não?

- Quem é você que se atreve a me dizer o que sinto? - Desafiei. Minha teoria estava certa, certamente a vida havia abandonado o corpo em minha frente. A vida havia abandonado tudo ali, na realidade.

Parecia um tipo de guerreiro, mas lhe faltavam pedaços da pele, havia ossos à mostra, sua armadura estava quebrada. Apenas uma espada escura estava intacta, presa à bainha em sua cintura.

- Pode me chamar de Czar Rúbio. E qual seria o seu nome?

- Não te interessa – Falei ríspido, voltando a me concentrar em meus próprios pensamentos.

- Vou arriscar um palpite e dizer que é um filho de Hades. Estive seguindo-o desde que passou pelos portões.

- Como não o vi?

 - Você não me viu porque me olhou apenas com os olhos – Riu-se o guerreiro morto.

O tom de desprezo do guerreiro me deixou irritado. Em um ato de infantilidade, virei de costas para ele, desejando que ele me deixasse em paz.

- Estou incomodando-o?

- Sim, está - Falei, ainda sem me virar.

- E você está sendo injusto.

- Posso ser tudo, menos injusto. E você não deveria levantar teorias sem me conhecer. Por que não vai encontrar outra coisa para ocupar seu tempo?

- Levando-se em conta que morto eu já estou, o que me resta a fazer? Devo perseguir outros mortos? Devo torturar almas no campo de punição? Ou quem sabe vender minha alma, já que segundo histórias nós estamos no inferno? – Riu alto outra vez.

- Pode ser, ou mate sua alma, venda a sua dignidade por dinheiro, algo que compre sua saída deste lugar.

- Não é possível sair, você sabe. Bom, você consegue, são tantos os seus benefícios.

O guerreiro tirou a espada da bainha e a girou em sua mão formada apenas por ossos.

- Como herói, você não deveria se comportar assim, de forma tão desleixada. Ser heróis é mais que isso. É o que você é, é o que eu um dia fui. Passei dias e noites com escudo ao peito, gritando que as glórias de minhas batalhas eram em nome dos deuses. É o que você deveria estar fazendo. Um conselho? — Sua voz parecia um sussurro milenar, perdidos há séculos e séculos atrás, tão antiga quanto o mundo — Siga sempre seus instintos para onde quer que eles a conduzam, mas seja cuidadoso, fraqueza nunca é uma opção e a morte... Ah, a morte, digamos que eu daria tudo para voltar à vida. Nos momentos de indecisão lembre-se apenas que vale a pena viver. Não perca por um pequeno capricho do destino a vontade de lutar.

Permaneci em silêncio, tentando ignorá-lo. Eu já sabia os malefícios da morte, não precisava que ninguém me contasse e no momento, pouco me importava se iria viver por mais tempo ou iria cair morto naquele instante.

- Cuidado filho de Hades, ao lutar com monstros deve tomar cuidado para não acabar virando um deles – O jovem guerreiro trazia no rosto sem vida a ameaça de um sorriso zombeteiro, mantendo a postura ereta, como quem quer impressionar.

- Pode deixar – Murmurei.

- Nico? – Chamou uma voz áspera que vinha de dentro do palácio.

Lyra

              ‘‘Chegada a hora: A voz dos pensamentos sombrios’’

Hesitei com aquele pequeno fruto dourado em minhas mãos. Pensei no trabalho que Luke teve para roubá-lo das Hespérides, em como ficou com o rosto marcado por isso. Por um momento seu sorriso surgiu em minha mente, sua promessa de que sempre estaria ali ecoava em meus ouvidos, enquanto uma lágrima escorria por meu rosto.

- Se ainda não está pronta, podemos esperar – Hermes falou, parecendo triste.

- Não, está tudo bem.

Dei uma pequena mordida na maçã, me sentindo estranha na mesma hora. Aquilo tinha gosto de morango com chocolate, algodão doce e sorvete de baunilha, parecia com ambrosia e não com maçã. Papai sorria enquanto mamãe ainda chorava. Senti a ponta dos dedos formigarem e minha pele começar a brilhar fracamente. Outra mordida. A tontura ameaçava me derrubar da cadeira de bronze em que eu me sentava, uma luz forte brilhava diante dos meus olhos, ameaçando me cegar. Engraçado, nunca tive problemas com a luz. O que está havendo agora?

Minha respiração se tornou ofegante, como se a maçã me impedisse de respirar normalmente. Alguém colocou algo em minha mão, percebi pela forma que era uma taça. Virei o liquido rapidamente na boca, sentindo minha garganta queimar. Era néctar.

Nico

‘‘Feche os olhos antes que seja dilacerado pelas sombras que o perseguem’’

- Sim? – Falei calmo, ao chegar perto de meu pai.

Hades tamborilou os dedos na lateral do trono, olhando-me com seus olhos frios e insondáveis.

- O que você tem? – Perguntou, mas não parecia realmente interessado em saber a resposta.

- Não é nada – respondi, querendo logo sair dali. Hades deu de ombros, me surpreendendo com o gesto demasiado humano.

- Andei pensando, quantos anos têm? Dezesseis, dezessete?

- Dezesseis.

- Sim, está mais do que na hora de fazer algo.

- Fazer algo? – Perguntei desconfiado.

- Uma proposta. Um juramento a manter através dos séculos é o que quero propor a você.

Encarei-o por um instante, onde ele queria chegar?

- Que proposta? – Perguntei receoso, em minha mente mil e uma opções diferentes se formavam, nenhuma delas realmente boa e aceitável.

- Que fique aqui. Que se torne um tenente meu, um representante, alguém que defenda meus interesses tanto aqui quanto no mundo lá fora. Alguém que possa conferir como andam os castigos no campo de punição, coordenar as coisas no rio Lete para aqueles que querem renascer, entre outras coisas.

- Espere – Sorri sem humor – Quer que eu seja seu empregado?

- Quero que seja para mim o que Percy Jackson teria sido para Poseidon se tivesse aceitado a proposta de Zeus – Falou firme.

Ponderei a questão por um momento, quando enfim percebi o que ele queria dizer, tive que reprimir uma gargalhada histérica. Havia esperança então.

- Espere, vai me dar a imortalidade? – Não consegui esconder a animação.

- Mas entenda, isso não fará de você um deus, apenas um imortal, um imortal com deveres a cumprir.

Como Sky, pensei, mas não importa, se eu for imortal como ela...

- Claro, eu entendo – Falei, mais controlado dessa vez – Pai, será uma honra.

Algo na expressão de Hades indicava que ele estava sorrindo, mas disso eu não tinha certeza.

Lyra

   ‘‘Agora feche bem os olhos para não ter que ver o duro julgamento’’

E eis que por três ou quatro vezes senti que meu coração parou de bater. Minha cabeça era uma mistura de imagens, de fatos. Eu via meus amigos, eu via Luke sorrindo, eu sentia o desespero de Nico, o desejo de Hermes gritava para que eu me apressasse. As imagens se sucediam com pressa assustadora, me deixando ainda mais enjoada. E de repente, tudo acabou, uma escuridão terrível me assomou e eu percebi que não sentia mais meu corpo.

- Vai ficar tudo bem – Garantiu alguém, um sussurro distante, abafado, como se essa pessoa estivesse mergulhada em um poço de agonia – Estaremos juntos agora.

Nico

‘‘Está chovendo sangue ou isso é apenas alucinação? Dor, a dor é tudo agora’’

A dor me deixava atordoado, eu nem mesmo sabia o que estavam fazendo comigo. Mãos forte seguravam meu rosto e braços, me impedindo de gritar ou mesmo me mover. Pareciam que estavam pondo fogo... Dentro de mim. Minhas unhas estavam cortando a parte interna de minhas mãos, enquanto uma luz avermelhada me deixava cego. Ouvia barulhos de ferramentas, gritos distantes, enquanto eu apenas agoniava em silêncio, não entendo por que raios deixei meu pai fazer isso comigo.

Por ela, assim vou poder estar com ela um dia. Ela vai querer estar comigo quando eu for um imortal, sei que vai.

Meus olhos se fecharam de forma que eu não via mais nada, nem a luz. Aos poucos, a dor foi diminuindo, enquanto eu ouvia o sangue que caia de minhas mãos bater no chão. A inconsciência por fim me venceu, enquanto eu mergulhava no desconhecido com um sorriso de satisfação no rosto.


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