"I'm looking for a place to go

Where the sun goes down

And stays down"

Scabior acordou do seu transe ao ouvir o baque de algo pesado caindo não chão. Olhou em direção ao barulho e encontrou o rosto gorducho de Holt Marvell o encarando.

– O que foi? - perguntou, irritado

– Ele é muito pesado! - choramingou Marvell

– Ah, claro - Scabior disse, sarcasticamente - você quer que eu o carregue pra você?

O sequestrador cansado acenou positivamente com a cabeça. Por Merlin, ele era muito burro. Será que ele só entendia as coisas se fossem ditas literalmente?

– Estou brincando, seu trasgo estúpido. Faça a única coisa em que você é útil e volte a carregar esse trouxa, sim?

Após soltar um muxoxo de descontentamento, Marvell voltou a colocar o corpo inconsciente de um homem nas costas. Scabior suspirou. Era bem verdade que ele havia escolhido ser um sequestrador, mas ser mandado a missões juntamente com um bruxo absolutamente isento do dom do raciocínio e um lobisomem repulsivamente pervertido não estava em seus planos. Teria aceitado, de bom grado, ir às florestas sozinho. Aliás, teria aceitado fazer qualquer coisa sozinho. Dos 10 anos que passara trancafiado em Azkaban, a solidão fora o que menos o incomodara. Criar vínculos resulta em mais problemas do que soluções – a própria década que perdera na prisão era a prova disso. O erro de um fora pago por seis. E se, por acaso, tivesse acontecido o contrário? E se um dos supostos amigos tivesse tido sucesso na missão? Será que o mérito teria sido dividido com tanta facilidade, assim como a culpa do insucesso fora?

É claro que não. É impressionante como os laços que as pessoas têm umas com as outras se rompem no momento em que não são mais úteis. Laços, aliás, feitos por puro interesse em primeiro lugar. Pessoas buscam amizades para privarem a si mesmas de sofrerem com a solidão. Buscam amor para terem prazer. Buscam líderes para se engrandecerem. Um exemplo perfeito de tal interesse é o lobisomem Fenrir Greyback, com quem Scabior teve a infeliz oportunidade de conviver e conhecer nos últimos meses. Se relacionar com humanos lhe deu o privilégio de ser quase tratado como um. Se tornar fiel ao Lorde das Trevas fazia as pessoas terem o devido temor a ele. Só no quesito prazer que Greyback dispensava o pré-requisito amor. Saciava-se com qualquer menina, mulher ou senhora que cruzasse o caminho. Scabior teve calafrios só de lembrar que, a poucos minutos atrás, havia cruzado com o que inegavelmente era o perfume de alguma mulher. Ou, pior ainda, menina. Estava tão enojado com os frequentes estupros que se via obrigado a assistir que estava disposto a combater aquele lobisomem imundo caso encontrassem, de fato, a fonte de tal perfume. Por sorte, o incidente com a incompetência de Mavell distraíra tanto Scabior quando Greyback.

– Está escurecendo – grunhiu Greyback – não quer ir para o ministério, entregar esse maldito trouxa e acabar logo com isso, por hoje?

– Não – respondeu Scabior – à noite os foragidos baixam a guarda. Acham que o escuro os protegem. Vamos fazer mais uma ronda.

Scabior ignorou o rosnado irritado de Greyback. Estava mentindo, mas nem ligava. A verdade é que ele adorava estar nas florestas. Eram lugares isolados, silenciosos, misteriosos. As florestas, à noite, eram melhor ainda. Tinham uma quietude e uma paz anormais. Talvez um pouco enlouquecedoras para algumas pessoas, mas, para Scabior, hipnotizantes. Fora esse amor pelas florestas que o fizeram escolher sem sequestrador. Sempre simpatizara com as causas do Lorde das Trevas, mas não queria se comprometer demais. Se tornar comensal implicaria em uma lealdade com a causa e com o próprio Lorde grandes demais para os padrões de Scabior. E faria dele parte do grupo dos Comensais. Seria uma oportunidade – que ele dispensava categoricamente – de confiar e trabalhar com outras pessoas.

É claro, ser comensal não é questão de vontade própria. Não basta você querer se juntar ao Lorde. O Lorde tem que querer que você se junte a ele. O que acontecera é que o Lorde tinha se interessado por Scabior. Seu sangue frio e, obviamente, puro chamaram a atenção Dele. Mas Scabior preferiu se oferecer a procurar por traidores e trouxas.

Só que, cada vez mais, se pegava pensando na proposta feita a ele. Se tivesse que fazer parte de um grupo, os Comensais pareciam uma alternativa muito mais tragável que Marvell e Greyback. É claro, ele teria que abrir mão da sua vida nas florestas, mas, quem sabe, a escolha valesse o preço...

– Scabior, por favor, não vamos mais encontrar ninguém! – exclamou Marvell – Já temos um trouxa, está ótimo... Vamos logo para o Ministério, sim?

– Está bem, está bem. Você aparata com esse trouxa, e eu - Scabior encrespou os lábios – Com o Greyback.

O lobisomem colocou sua mão peluda no ombro de Scabior e eles sumiram na escuridão da floresta. Reapareceram no grande átrio do Ministério, praticamente vazio devido à hora.

– Scabior? – chamou uma voz rouca - Marvell? Greyback?

Os três olharam em volta e encontraram Yaxley chamando por eles. Aliás, algo que, em algum momento, tinha sido Yaxley. Estava vários quilos mais magro, pálido, e com olheiras profundas nos olhos.

– Por Merlin, o que aconteceu com você? – perguntou Scabior, assustado.

Yaxley olhou para Marvell e Greyback, a alguns passos de distância, cuidando do trouxa desacordado e baixou a voz para que só Scabior ouvisse

– Potter. Potter aconteceu. Imagine que aquele mestiço imundo esteve aqui e, bom... Ele escapou. E o Lorde não gostou nem um pouco disso. Fomos castigados. – Yaxley suspirou - Estamos em tempos difíceis... A única coisa boa de tudo isso são as reuniões na Mansão dos Malfoy. Aposto minha varinha que Narcissa está odiando todos aqueles Comensais sujando o piso da casa dela, mas, por Merlin, aquele lugar é um palácio... Acredita que Lucius cria pavões?

Scabior riu. Não dos pavões de Lucius, ou da mania de limpeza de Narcissa. Mas de si mesmo. Como a idéia de ser Comensal chegou a lhe interessar? Ele nunca seria um deles. Nunca se adaptaria. Não se sentia tentado em fazer parte do grupo dos escolhidos do Lorde. Não se sentia tentado em ser visitante assíduo da suntuosa Mansão dos Malfoy. Não se sentia tentado em participar de missões que dependiam do êxito - e da falha - de tantas pessoas. Não se sentia tentado a se dedicar de corpo, mente e alma aos interesses de outra pessoa que não seja ele mesmo.

Scabior queria as florestas. O silêncio. Queria poder sentar para observar o anoitecer sem ter pessoas – e lobisomens – inconvenientes ao seu lado, e se perder em pensamentos até as estrelas tomarem conta do céu.