California Dreams escrita por mariebaker


Capítulo 1
We are a little... Crazy.




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Minha vida não podia estar melhor: reconhecimento mundial como a nova cara do pop, deixando cantoras como Lady Gaga, Kesha e até a Madonna para trás – nunca vou cansar de me gabar disso; fama, sucesso, dinheiro, glamour e um marido. 2010 foi o melhor ano da minha carreira, sem sombra alguma de dúvida.

Vivia a vida dos sonhos de muita gente, e estava muito feliz com tudo isso porque, afinal, tudo o que tenho agora veio do suor do meu trabalho.

- Tem certeza que você quer fazer essa viagem, Rus? – Falei ainda olhando para o folheto de viagem que ele me entregara. – Podemos ficar por aqui mesmo com...

- O que você quiser, Katy. – Interrompeu-me. – Só achei que ia ser legal.

Fazer um cruzeiro de Los Angeles até San Francisco parecia uma idéia divertida, ainda que tivesse que passar o fim do ano longe dos meus pais. Mas eu era casada agora, e eles iam entender isso.

Suspirei.

- Parece mesmo muito interessante! Ainda mais para mim que nunca fiz uma viagem assim nessa época do ano.

Ele sorriu e me beijou.

- Vou acabar de comprar as passagens então.

Concordei com a cabeça e acrescentei:

- Estou por aqui olhando as lojas.

Sair pelas ruas de LA sem nenhum tipo de disfarce pode ser meio arriscado, mas gosto de correr riscos. Ainda não tinham me parado, então estava andando pela orla como uma cidadã americana comum.

Tinha parado em uma loja qualquer porque tinha um gatinho lindo todo trabalhado em louça e algum tipo de pedra verde – não entendo absolutamente nada de pedras.

- Olha! – Escutei alguém falando, e no começo não dei muita importância. – Não é a Katy Perry?

- É!

A partir daí escutei vários gritos e logo tinha uma multidão ao meu redor. Gostava dos meus fãs, muito mesmo. Mas não era todo dia que estava afim de sair distribuindo sorrisos, autógrafos e abraços.

Respirei fundo e fui o mais simpática possível, e a multidão só parecia crescer. Logo estava sendo englobada no meio de um círculo de banhistas, adolescentes e até alguns idosos estavam por ali olhando o movimento.

Todo mundo queria me tocar, agarrar, apertar – como se eu fosse um brinquedo e não um ser humano como outro qualquer. Apesar dos pesares, continuei sorrindo e distribuindo autógrafos até o segurança, que não sei da onde surgiu, me tirou dali do meio e pediu para todo mundo ir “circulando”.

- Obrigada. Eu te conheço? – Não pude deixar de perguntar.

- Não senhora, mas eu te conheço e trabalho em uma loja aqui perto. O que passou pela sua cabeça ao sair de casa sozinha?

Ri.

- Eu estou com o meu marido, na verdade. E, sinceramente, não esperava que fossem ir com tanta sede ao pote.

- Acho melhor não arriscar a fazer isso. Não nessa época do ano, quando a cidade fica meio perigosa e incontrolável.

Rus parou na nossa frente. Segurei a sua mão e sorri.

- Obrigada, de novo. – Disse ao segurança antes de sairmos dali de mãos dadas. Era engraçado porque quando estávamos juntos, as pessoas ficavam nos olhando de longe – como se nós precisássemos mesmo de privacidade.

- O que aconteceu? – Ele perguntou ainda olhando para frente.

- Eu parei em uma loja para olhar a vitrine e de repente uma nuvem de gente já estava ao meu redor.

Ele riu animadamente.

- Está colhendo os frutos da fama, meu amor.

- Comprou as passagens? – Mudei de assunto ao me lembrar do motivo de estarmos aqui.

- Sim.

- Para quando?

Olhou-me.

- Promete que não vai surtar?

- Prometo.

- De verdade?

- Diz logo!

- Amanhã.

- QUEEEEEEEEEE? RUSSELL! EU TENHO QUE ARRUMAR AS MALAS! PARA CASA AGORA!

- Você prometeu. – Falou rindo e voltando em direção ao carro.

Tive que rir também.

Daí em diante foi uma correria sem fim: voltei para casa, procurei as malas que tinham sumido (tive que revirar a casa inteira, que por sinal, ainda estava uma bagunça devido a nossa recente mudança), esvaziei o armário dentro das malas, remédios, nécessaire, liguei para os meus pais para avisar que íamos viajar e ficar fora durante alguns dias, liguei para o veterinário – minha mãe odeia gatos... Sei que quando parei o sol já estava descendo no horizonte.

Joguei-me na cama exausta.

- Da próxima vez que você me avisar com um dia de antecedência, você é um homem morto. – Falei com o Rus, que ainda acabava de arrumar sua mala.

Ele riu.

- Eram as únicas, não tenho culpa.

- Tivemos sorte de ter onde deixar a Kitty, Morrisey e o Krusty.

- Eles são uns amores! Não sei por qual motivo sua mãe se recusa a ficar com eles de novo...

- Bom... Deve ter algo haver com que o Krusty fez com o sofá dela.

Nós dois rimos.

E dali fui para um demorado e relaxante banho. Tive que dormir mais cedo do que o habitual, já que íamos viajar logo de manhã cedo e se eu não dormir o suficiente eu não acordo.

Russell já tinha levado todas as malas para o carro e tinha feito o café quando eu acordei. Tomei meu último banho nessa casa antes da viagem, e desci para tomar café. Depois de devidamente pronta e maquiada, fomos embora ao maior estilo californiano de viajar – em um conversível cantando e dançando uma música do Radiohead.

O porto estava cheio de pessoas e até alguns animais se despedindo dos seus donos. Era um tal de choradeira, e abraços, e beijos por ali que parecia que todo mundo não ia se ver nunca mais. Assustador. Mais assustador ainda foi o calafrio que senti ao olhar aquele transatlântico parado.

- Blá Blá Blá! Eu vou ficar bem Oliver. – Escutei uma voz feminina e com um sotaque totalmente diferente do que estou habituada a ouvir atrás de mim. Pelas pausas que fazia julguei que estava ao celular. – É uma viagem para eu ficar sozinha e descansar dessa turnê, não preciso que venha.  – Pausa. Minha mãe nunca me ensinou que escutar a conversa dos outros era falta de educação. – Também te amo. Ligo assim que passar essa loucura de embarcar.

Fez-se um silêncio mortal atrás de mim. Não sei bem por qual motivo estava prestando atenção logo na conversa daquela mulher com tanta gente ao meu redor falando ao celular. Russell estava embarcando a bagagem.

Resolvi virar para trás e ver se a dona daquele sotaque estranho ainda estava ali. Para a minha decepção não tinha ninguém atrás de mim.

Sem dúvida alguma me reconheceram e eu tive que distribuir autógrafos e fotos, mas foi longe de ser aquela loucura do dia anterior.

Russell voltou um pouco antes do segundo apito do navio, e nós dois embarcamos juntos ao som de “boa viagem” de muitas pessoas. Uma vez dentro daquele mundo – porque era tão grande que você nem se lembrava de estar dentro de um barco – fomos a nossa suíte e enquanto Rus disse que ia tomar um banho antes de conhecer a embarcação, eu resolvi ir antes porque tinha voltado a escutar a mesma voz de agora a pouco.

E como uma criança, resolvi seguir o som daquela voz e descobrir onde ela estava escondida.

Passei pelas pessoas ainda entrando nas suas respectivas suítes e só quando cheguei à área livre é que percebi que era dali que vinha a voz e que o meu quarto tinha uma janela voltada aquela área – por isso consegui a ouvir. Só tinha uma única mulher apoiada nas barras de ferro e olhando além do horizonte ali, então só podia ser ela, apesar de não estar falando mais. Tinha os cabelos ruivos e esses caiam em uma cortina lisa até a sua cintura, sua pele era pálida de mais o que me fez concluir que ela não era daqui mesmo.

Não conseguia ver muito bem o seu rosto do jeito em que eu estava, mas era perceptivelmente milimetricamente perfeito e delicado – parecia até uma boneca de porcelana. E ao mesmo tempo em que parecia delicada, parecia também um gato arisco emitindo sinais para você não se aproximar o tempo inteiro.

Ignorei tudo isso e parei ao seu lado, fingidamente olhando para a plataforma onde ficaram as pessoas acenando.

Podia escutar a sua respiração calma e ritmada tamanho o silêncio em que estávamos – a não ser pelo outro barulho agudo do tamborilar de dedos impacientemente naquela estrutura de ferro. Ela parecia agoniada com alguma coisa. E eu ainda não sei por que eu cismei tanto com essa mulher, mas ela era realmente linda.

O vento que estava batendo fazia seu cabelo voar para cima de mim e pude constatar que esse era tão macio e cheiroso, que parecia que tinha acabado de sair do banho.

Acho que foi assim que ela percebeu que não estava sozinha, o prendendo em um coque acima da cabeça e murmurando algo parecido com desculpa.

O céu estava de um azul límpido combinando com aquela imensidão azul embaixo de nós.

Estava tentando controlar aquela estranha, porém intensa, vontade de abraçar uma desconhecida. Seus olhos ainda mais azuis que os meus se fixaram a mim.

- Oi Katy! – Sua voz agora parecia mais animada que antes.

Sorri ao ouvir o meu nome sendo pronunciado por ela. Era de um jeito diferente com todo aquele sotaque que ainda pretendo descobrir da onde é.

- Oi...!

- Simone. – Completou, adivinhando que queria saber o seu nome.

- Da onde você é? – Não agüentei mais a curiosidade.

Ela sorriu e mordeu os lábios antes de falar.

- Holanda. Tenho muito sotaque, não é?

- Muito! E nós americanos logo percebemos quando tem algum “estranho” no nosso território.

Riu.

- É, não deve ser muito difícil com uma única ruiva em um bando de loiros.

- O que te levou a abandonar aquele frio tão delicioso dessa época do ano e vir atrás desse verão fora de época?

- Minha banda estava em turnê por aqui. – Lembrei que quando ela estava ao telefone ela tinha mencionado algo sobre turnê. – Então resolvi prolongar a minha passagem pela Califórnia.

- Bem corajosa você.

- Por quê?

- Está sozinha, não está?

- Sim. Ah! Eu precisava ficar longe de todo mundo que eu conheço mesmo. Parecia que ia enlouquecer!

- Você canta?

- Em uma banda de Heavy Metal. Não parece fazer muito o seu estilo.

Era estranho imaginá-la em um meio tão agressivo uma vez que ela te dava a impressão de parecer tão frágil.

- Realmente. – Disse por fim.

Voltou ao mesmo silêncio de antes, se não fosse vez ou outra uma pessoa passando por ali conversando ou resmungando qualquer coisa sem sentido. Não parecia aqueles silêncios constrangedores que você tem que preencher com qualquer besteira – era até reconfortante. Parecia que já nos conhecíamos há muito tempo.

- Eu adoraria conversar com você, mas não deve estar sozinha aqui e não quero ocupar o seu tempo.

- Você parece mal. Não vai ser um problema ter que conversar com você.

- Eu estou confusa. Pode ir até o meu quarto, então?

Concordei com a cabeça, afinal o quarto dela parecia privado o suficiente para uma conversa. Descobri que ela era minha vizinha de suíte, e que seu quarto era pouca coisa menor que o meu – o que me leva a conclusão de que ela não é uma cantora iniciante e que a sua banda deve fazer um sucesso considerável.

Sentei no sofá e ela sentou ao meu lado.

- Eu sei que nem nos conhecemos ainda, e que não é legal ocupar as pessoas com seus problemas. – Falou com um suspiro. – Mas você parece ser uma boa pessoa, e eu estou a ponto de explodir.

- Sei que rola todo aquele estereótipo ao redor de uma cantora pop, mas eu sou diferente. Não dou a mínima para a fama, entende? Encaro isso como uma consequência do meu trabalho. Sou longe daquelas fúteis deslumbradas por dinheiro e que fazem de tudo para aparecer. E mesmo que tenhamos nos conhecido agora, você pode confiar em mim.

- Eu sou noiva, minha banda é de certa forma reconhecida e tem fãs espalhados pelo mundo inteiro. Sou saudável e normalmente uma pessoa bem humorada, resumindo, tinha tudo para ser feliz. Mas nada disso me agrada mais. Não sei se eu amo mesmo o meu noivo, e se essa é a vida que eu quero continuar seguindo. Por isso estou aqui agora, para refletir sobre tudo. É como... – Hesitou. Parecia que estava procurando pela palavra certa. – Eu me sinto pressionada de mais, sem liberdade. Por um lado tenho que escutar as criticas dizendo que todos os meus fãs vão ao show somente para me ver e não para me ouvir, e do outro é o meu noivo me pressionando com o casamento.

- Por quê? Eles não te acham boa o suficiente ao vivo?

- Não. Principalmente por que o meio onde trabalho especificamente, as cantoras são boas e tem mais experiência que eu.

- Desculpa perguntar, mas quantos anos você tem?

- Vinte e cinco.

- Parece mais nova. – Disse sorrindo. – Eu entendo perfeitamente o que você passa. Claro, em proporções diferentes. Você ama o seu noivo o suficiente para se casar?

- Sinceramente? Não.

- Você realmente o ama?

- Não.

- Então você deveria deixa-lo livre e procurar quem você realmente ama. Casar sob pressão é a pior coisa do mundo e só traz arrependimentos e problemas futuros. E quanto a sua carreira, eu nunca te vi cantando, mas penso que deveria mandar todos se foderem porque enquanto eles estão criticando, você está em cima de um palco e tem fãs que te amam.

Ela riu. Parecia ainda mais nova assim.

- Tem razão, Katy. Obrigada! Você me fez pensar de um ponto de vista diferente.

Abraçou-me. Seu perfume era tão doce e viciante que eu podia ficar horas assim – parecia que estava sob o efeito de uma droga.

- Agora você vai ter que me aguentar o resto da viagem toda. – Disse. – Não gosto de ver as pessoas sozinhas.

- Faço esse sacrifício. – Respondeu rindo. – Ainda temos um navio para conhecer.

Levantamos praticamente ao mesmo tempo o que fez nós duas rir. Parecia mais relaxada e ciente de que estava de férias.

Hoje era véspera de Natal e tenho que dizer que a ideia de passar o Natal no mar era muito interessante.

Fomos andando pelo navio e conversando sobre tudo o que se possa imaginar. Ela era uma pessoa de fácil convivência apesar da nossa ideologia de vida não ser muito semelhante. Acredito que deva ser uma mulher muito invejada porque além de chamar a atenção de homens e mulheres por onde passava, era simpática de mais. Quem não estava acostumado a andar na presença de uma mulher tão bonita, como eu, se sentia ofuscado e jogado para “escanteio”. Mas estava tudo bem, porque meu objetivo aqui não era o de chamar atenção. A nossa exploração do navio levou horas, e claro, como se trata de mim, não pude deixar de pagar alguns micos básicos. Como a vez em que eu entrei no banheiro masculino e invadi a cozinha achando que era uma área de acesso livre. Isso sem citar de que quando estávamos no topo, na parte da piscina e lazer de um modo geral, eu tive que correr de uma gaivota maluca que parecia querer arrancar um pedaço de mim.

Paramos no bar e pela posição do sol, já devia passar de meio dia. Ambas pedimos água.

- Você é hilária Katy! – Disse depois de acabar com metade da garrafa em único gole. – Mas não deveria estar com o seu marido agora?

Eu tinha me esquecido totalmente desse detalhe.

- Sumi sem deixar rastros. – Falei rindo. – Não se importa, Si?

- De forma alguma. Acho até que já te roubei por tempo de mais.

Beijei seu rosto, peguei a minha garrafa de água e desci correndo de volta até a suíte. Abri a porta o mais devagar que pude, e entrei.

- RUSSELL!

- Eu posso exp...

Já tinha batido a porta na cara dele. A cena valia mais do que mil palavras. Ele abriu a porta e me segurou antes que eu pudesse sair dali.

- Não é nada do que você está pensando.

- Ah não? Vai dizer o que dessa vez? Que era a costureira?

- Mas realmente era a costureira!

- Francamente. Uma vez cachorro traidor, para sempre cachorro traidor. Mas vou te dizer uma coisa benzinho, se tem algo nesse mundo que eu não suporto é traição. E a vingança é plena.

- Katy...

- Eu perdoei duas vezes. – Tirei o anel e o coloquei na sua mão. – Não engulo uma terceira. E se eu não estivesse tão cegamente apaixonada naquela época, eu poderia ter escutado tudo o que falavam a seu respeito.

Soltei meu braço da sua mão e fui de volta até onde eu estava. E eu achava que ele ia ser diferente. Ele é um homem Katy, homens nunca são diferentes.

Senti o mesmo calafrio que senti ao olhar para esse cruzeiro quando estava subindo as escadas. A abracei com tanta força, que ela teve que afrouxar meus braços para conseguir respirar.

- O que aconteceu?

- Homens são todos uns cachorros. – Disse. Eu não conseguia mais chorar por causa dele, apenas sentia raiva.

- Não acho que deva chama-los de animais tão fofinhos e amáveis. – Passou a mão delicadamente pelo meu rosto quando disse isso.

E eu tive que rir.

- Posso ficar no seu quarto? Pelo menos até...

- Pode ficar quanto tempo quiser. – Interrompeu-me. – Só acho que deveríamos comer agora.

Concordei com a cabeça e fomos até o restaurante. Fui obrigada a rir de novo quando vi que era um almoço totalmente voltado a culinária holandesa.

- O cozinheiro deve ser meu conterrâneo. – Ela falou rindo.

Não preciso nem dizer que pedi ajuda a ela com todos aqueles pratos estranhos e com nomes difíceis, não é? Pois bem, só os pratos que era assim, porque a comida era deliciosa.

Passamos o almoço inteiro falando sobre como ela tinha virado uma cantora de uma banda de Heavy Metal. E o resto do dia passou rápido de mais. Tive sorte quando entrei no quarto para resgatar as minhas malas e constatei que não tinha ninguém ali – pouparia minha voz. Não sou daquele tipo de pessoa que quando termina um relacionamento fica chorando e se deprimindo, ainda mais quando a culpa do fim pertencia ao outro. É tudo uma questão de se reabituar.

Estava sozinha em um quarto que não era meu, em plena véspera de Natal e no... Twitter. Tudo bem que a viagem não estava ocorrendo como o planejado, mas não estava ruim – só quando eu ficava totalmente sozinha como agora. Eu devia mesmo ter escutado a minha mãe quando ela falou que era cedo de mais para me casar com alguém que eu estava totalmente apaixonada. Paixão não é amor. Paixão acaba quando você menos espera.

Tirei a noite para ficar respondendo alguns fãs que estavam online ou porque onde viviam ainda não era Natal, ou porque eles não gostavam de comemorar essa data por vários motivos. Sei que acabei pegando no sono em meio a uma conversa virtual e acordei sendo, literalmente, sacudida.

- Hãm... Que? Eu quero... – Falei sem abrir os olhos.

- Acorda Katy!

Só então ouvi uns barulhos muito estranhos, parecia explosão. Abri os olhos ainda contra a minha vontade.

A primeira coisa que reparei foi no chão tremendo e os móveis caídos. Ela me abraçou por alguma razão desconhecida – como se precisasse de motivos para abraçar alguém.

- O que está acontecendo aqui? – Perguntei, bocejando em seguida.

- O navio está virando, e nós precisamos ir lá para fora. – Falou isso como se nada estivesse acontecendo.

Não sei se porque ainda estava cheia de sono, ou porque se a ficha ainda não tinha caído, mas fui lá para fora na maior calma possível – tão calma quanto ela. Estávamos no andar mais alto do navio e tudo estava um caos. Pessoas correndo, gritando e chorando por todo lado. Só quando olhei para o outro lado e vi que já tinha uma envergadura considerável é que bateu o desespero. Primeiro porque estava escuro e íamos cair no mar e ficar a deriva – isso se sobrevivêssemos.

- O que você pensa que vai fazer? – Ela estava na ponta que parecia ficar cada vez mais próxima ao mar. Móveis passavam por nós como flechas e caiam naquela imensidão preta, pelo barulho ainda parecia estarmos longe, mas visualmente não. Algumas pessoas também caíram ou se jogaram, ainda não tenho muita certeza disso.

- Mergulhar antes que eu afunde junto com esse navio. – Sua voz continuava calma e eu comecei a me perguntar se ela sabia o que estava fazendo.

- Você sabe nadar?

Ela me olhou.

- Não. Mas se continuarmos aqui vamos morrer.

- E você pretende se jogar e sobreviver como nessas águas? E se tiver tubarão? – Estava começando a me descontrolar.

- Nadando para longe desse navio, primeiramente. Quando ele afundar vai levar tudo o que estiver ao seu redor e, acredite, eu não quero estar aqui quando isso acontecer.

- Mas está muito alto para pular!

- É um risco a se correr.

Ficar aqui parecia mesmo perigoso de mais. Ainda estava me perguntando como não tínhamos sido acertadas com uma daquelas coisas voando desenfreadamente por aqui. Por outro lado, se jogar em um mar desconhecido e ficar a disposição da sorte pareciam muito menos agradáveis. Estava me sentindo no Titanic – isso não era legal, ok.

- Vai vir?

Era uma chance de sobreviver alguns minutos a mais, porque a morte ali parecia cada vez mais certa. Parei ao seu lado e segurei a sua mão. O vento frio e a sensação de não estar tocando em nada até atingir aquela água mais fria ainda foi uma das piores coisas que já senti na vida. Quando levantei pude ver que não éramos as únicas com essa ideia inconsequente.

- ‘Ta bem? – Perguntei.

- Estou.

Também vi que bastante daqueles móveis que estavam caindo, estavam agora boiando por aqui. E percebi que se continuássemos aqui, corríamos o risco de ser acertadas por um deles.

- Pretende ir para onde agora?

- Para frente. Temos que estar a, pelo menos, uma milha longe desse navio.

Fui ouvindo o som das vozes a nossa frente e só parei quando julguei estar longe de mais. Era terrível olhar para aquele barco agora já sendo engolido pela água. Pior ainda era pensar que eu queria ficar ali – Ele tinha virado de cabeça para baixo e ele estava indo para o fundo na vertical.

Senti uma mão na minha perna, e se a Simone esta viva agora foi porque percebi que ela estava se afogando a tempo para salvá-la.

- Cabe mais um, moço? – Perguntei ainda sem a certeza de estar falando com um homem ou com uma mulher. Mas seja lá quem for, estava sentado em um pedaço considerável de madeira. – Ela está se afogando, por favor.

Eu estava com ela no meu colo e com uma mão apoiada na madeira. Ele a pegou e a colocou deitada de forma que seu tronco ficasse apoiado e somente suar pernas ficassem caídas na água. Todos deveriam agradecer por aprender na escola uma aula básica de primeiros socorros e afogamento.

Não continuei olhando aquela cena deveras agoniante. Até porque um barulho chamou a minha atenção. Sabe quando forma um rodamoinho no ralo, e ele faz aquele barulho de sucção já no final? Agora imagina isso ampliado mais de cem vezes. Foi totalmente assustador – e tudo o que estava por ali desceu junto com o navio, inclusive pessoas. E depois de alguns minutos era como se nada tivesse acontecido. Não tinha um único resto da embarcação por ali, a não ser os sobreviventes e alguns móveis que ainda flutuavam.

Ela já estava sentada quando eu voltei a olhar, e agora a lua cheia tinha aparecido no céu, iluminando boa parte do mar. E pude constatar de que era mesmo um homem que estava sentado ali.

Algumas pessoas que estavam por perto se aproximaram para flutuar junto com a madeira. Uma mãe colocou seu filho sentado ao lado daquele homem, que logo pulou ao mar e colocou as pessoas mais frágeis sentadas ali.

- Eu posso descer e...

- Não! – A interrompi. – Você quase morreu afogada ainda agora.

- Alguém sabe que horas são? – Uma voz aguda perguntou.

- Eu tenho relógio, mas está parado na hora em que cai no mar. – Um homem respondeu.

- E que horas eram? – Outra voz perguntou.

- Cinco da manhã.

- Então o sol logo vai estar no céu.

Mas esse logo demorou uma eternidade. Demorou tanto que eu dormi com a cabeça apoiada na madeira – não sei como consegui dormir em uma situação assim, mas o sono foi tão forte que não pude resistir.

Acordei com som de vozes e das ondas batendo na areia. Areia. Areia? Estava deitada na areia, olhando para o céu mais limpo e azul que já vi na vida.

- Alguém se lembra de alguma coisa? – Parecia ser a mesma voz do homem que falou as horas.

- Não, eu dormi.

- Eu também!

- Foi bruxaria! Tem uma bruxa aqui e só pode ser essa ruiva!

Levantei e a Simone me abraçou no mesmo instante em que levantei. Éramos um grupo de doze pessoas – duas crianças, um adolescente, uma idosa, e o resto não aparentava passar da faixa de vinte a trinta anos.

Ela já estava totalmente seca e me perguntei há quanto tempo já estávamos aqui. Mas com o sol que fazia não era difícil nos secarmos logo.

- Você também dormiu? – Perguntei.

- Sim. Foi muito estranho.

- Duas bruxas! Inquisição!

Ela só podia ser maluca, por Deus!

- Não tem nenhuma bruxa aqui minha senhora. – Falei.

- Você não é aquela cantora? – Uma mulher loira de cabelos caídos em cachos até um pouco depois dos ombros e com o rosto já levemente corado por causa do sol perguntou.

- Katy Perry. – Respondi. Viva a globalização!

- O mundo é pequeno de mais!

- Não podemos ficar aqui parados batendo papo. – Outra mulher falou. Essa tinha a aparência mais cansada que a outra e era morena. – Pode existir algum bicho faminto por essa região, ou até mesmo canibais, quem sabe. Temos que arranjar abrigo. E depois nos dividir em grupos para explorar a ilha e ver se descobrimos comida.

- E quem é você para dar alguma ordem aqui? – Um homem retrucou. – Se for para alguém liderar, que seja o mais velho e mais experiente!

- Não é hora para discutirmos isso! – Falei ainda abraçada com a Simone. – Concordo que temos que explorar a ilha, mas alguém já verificou se tem um celular funcionando?

Depois de longos minutos de espera, foi o mais jovem dos homens que se manifestou.

- Meu celular já sobreviveu a uma queda na água antes. – Explicou. – Mas tem só um traço de bateria.

- Liga para o resgate, policia bombeiro ou qualquer outra chamada de emergência.

- Se eu ligar é capaz de eles acharem que é um trote.

Concordei com a cabeça e peguei o celular da sua mão. Liguei para o primeiro número de emergência que vi – era da polícia. Expliquei tudo para o homem que atendeu, que a principio não pareceu acreditar muito no que eu ia dizendo, mas depois que minha voz se tornou desesperada ele foi prestando mais atenção no que dizia. Contei tudo o que pude e que julguei ser importante, inclusive que o navio tinha sumido sem deixar rastros. E o telefone apitou pela última vez e desligou.

- Ele disse que ia tomar providências. – Falei em resposta aqueles olhares curiosos voltados na minha direção.

- Isso é muito vago. – A mulher morena voltou a falar. – Podem levar dias para achar essa ilha, se é que isso está em algum mapa! Temos que explorar aquela floresta e ver se há alguma habitação segura ali.

- Na floresta? – O mesmo homem de antes ironizou. Era o homem que estava sentado naquele pedaço de madeira a noite. – Se tiver que existir algum perigo aqui é lá que vai estar.

- E como pretende sobreviver aqui espertalhão?

- Peixe e fogueira. Muito mais seguro que a floresta.

- Pois eu não acho. Aqui está sujeito a qualquer tipo de ataque. Eu vou explorar a floresta nem que seja sozinha.

Logo se formou um grupo disposto a segui-la, e outro disposto a ficar com o homem aqui. Ainda que o nosso grupo fosse o menor, parecia o mais lógico. Se tivesse algum perigo ele com certeza estaria na floresta, e eu já vivi emoções de mais por um dia. Minha vida tinha virado de cabeça para baixo. Em um dia eu ainda era eu, aquela cantora norte americana conhecida por todos, que tinha uma casa, família, e era feliz. Agora eu estava perdida em uma ilha deserta, com pessoas desconhecidas e que a tendência era ficar malucos com o passar do tempo.

O nosso grupo ficou sentado na areia conversando – não tinha mais nada a ser feito. Eramos só eu, Drake – o mais jovem, tinha dezenove anos e estava na faculdade, foi ele quem emprestou o celular, a Si, Pamela – vinte e um anos, também estava na faculdade e era noiva. Perdeu seu noivo quando o navio virou, e o Alexander, o homem da madeira. Tinha trinta e cinco anos, era professor de história em uma universidade da Alemanha e estava aqui aproveitando as férias, já que era solteiro e não tinha filhos.

Devia ser quase meio dia quando ele levantou e foi para o mar alegando que ia pescar. Tinha apenas a mão e uma rede velha que achara enterrada. A água era cristalina, tornando as coisas um pouquinho mais fáceis. O outro grupo não dava nem sinal de vida. As duas crianças foram com as respectivas mães irresponsáveis, ambas não deveriam ter mais de dez anos de idade, o que as tornava uma presa fácil para quem quer que fosse.

Estava passando um helicóptero no céu, e quando eu levantei fiquei tão tonta e tudo começou a girar... Ficar escuro... Sumir...

Abri os olhos e cai da cadeira em que estava deitada. Eu não estava olhando para um céu azul como era para estar, estava olhando para um teto bastante alto e iluminado. Era bastante barulhento e gelado também. O chão não era fofinho como areia, mas sim duro e frio. Olhei para a minha mão esquerda e ainda tinha um anel no dedo anelar nela.

Então não foi nada verdade? Foi um sonho?

Comecei a chorar igual a uma desesperada, ou igual a uma criança pequena – caso entenda melhor o meu desespero. Não tinha ilha deserta alguma, nunca estive em um cruzeiro que virou, nunca briguei com o Rus, ele nunca me traiu, e também nunca conheci nenhuma mulher ruiva da Holanda... Apesar de não gostar muito dessa última parte. Ela parecia uma pessoa interessante.

Era um choro de felicidade. Felicidade por estar em um aeroporto, deitada no chão frio e duro e esperando o voo de volta para casa. E hoje ainda era véspera de Natal!

- Você está bem? – Escutei uma voz que me soou deveras familiar.

Tirei a mão do rosto e olhei na direção da voz. Abri e fechei a boca sem dizer nada.

Levantei e a abracei.

- SIMONE! VOCÊ EXISTE!

Ela apenas riu e me abraçou.

- Como você sabe quem sou? – Tinha a mesma voz doce e angelical do meu sonho, e tinha todo aquele sotaque holandês.

Sentei ao seu lado e contei tudo o que tinha sonhado até a hora do meu voo. Descobri que ela estava indo de volta para a Holanda e que era mesmo uma pessoa simpática e interessante.

Eu te amo Rus, mais do que tudo nesse mundo e estou chegando em casa.

Enviar.

A vida é estranha de mais, mas não teria menor graça se não fosse assim.


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Notas finais do capítulo

críticas e sugestões são bem vindas :D
obrigada para quem teve a paciência de ler.