Colours Of Life escrita por melisica


Capítulo 1
Único.


Notas iniciais do capítulo

Para compensar esse tempo de festas de fim de ano improdutivos, fiz duas one-shot e mais um capítulo da minha fic em andamento (The Bakey) já saiu. Espero que gostem e me desculpem pela minha fase melancólica e meio mórbida, mas eu sou bipolar, sabe como é.
Espero que gostem, beijos.



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(Frank POV)

Era sábado à noite, o primeiro Natal que eu passava fora de casa e apesar de eu reclamar, sempre o passei com minha família, salva uma vez que passei com meus amigos porque ficamos presos num chalé e houve uma terrível nevasca que nos impediu de sair da cidade que estávamos. Fazia onze meses que eu havia me mudado de Jersey para Mannhatan, em Nova York por causa da minha faculdade e mesmo com minha pouca idade, meu emprego numa multinacional de automóveis, na qual eu era subgerente de produção.

Eu não tinha alguém especial para compartilhar o feriado comigo e todos os amigos que eu tinha em Nova York iriam passar o Natal com a família, e de forma alguma eu teria a cara de pau e a falta de bom senso para atrapalhar o feriado familiar com minha estranha presença. Quando sem muito interesse lancei meus olhos sobre o relógio de ponteiros na parede da sala, este acusava que já passava das onze e meia e eu, estava mofando no sofá comendo um sanduíche de queijo que eu mesmo havia preparado acompanhado de uma taça de vinho francês que eu trouxe de uma das minhas várias visitas a Paris, já que agora eu quem fazia os contatos internacionais com a sede da empresa.

Estava tão entediado vendo um DVD tão trash, que decidi dar uma volta pela cidade, que naquele horário e dia, decerto estaria deserta. Levantei-me molemente do sofá de couro preto da sala e me encaminhei para o meu quarto. Abri meu armário e coloquei um casaco mais pesado sobre o suéter de lã cinza que já estava usando. Também coloquei um jeans skinny e ao sentar na borda de minha cama, calcei meu coturno e vesti luvas de couro pretas em minhas mãos. Estiquei-me sobre o colchão para alcançar um gorro de lã preta sobre o criado-mudo e ao ver meu maço de cigarros e o isqueiro repousando sobre o pequeno móvel de mogno, os peguei. Depois de apagar o caminho de luzes que havia deixado acesas pelo apartamento, tranquei a porta e desci pelas escadas sem ao menos me importar em ligar as luzes do ambiente.

Entrei em meu carro e o liguei ouvindo o alto barulho do motor ecoar pela garagem deserta. Recostei minha testa no volante e fiquei imóvel por alguns momentos. Era muito estranho passar o Natal sozinho, mas pior ainda, era passar o Natal numa cidade que eu odiava que não tinha amigos de verdade e ninguém disposto a passar a noite comigo.

Dirigi até o portão automático do prédio e após apertar o botão do controle para abrí-lo, não precisei sequer olhar para ambos os lados da rua ou para a calçada, já que não ouvi nenhum mísero ruído. Furei todos os sinais vermelhos que encontrei pelo caminho impensado que fazia. Eu dirigia, a gasolina estava sendo consumida, o tempo passando e eu não tinha o mínimo de noção para onde estava indo.  

Acabei por chegar ao rio East, que separa Long Island da ilha de Manhattan e do Bronx, mais precisamente na entrada da ponte de Brooklyn. Se eu o atravessasse, chegaria ao distrito Brooklyn e poderia dar algumas voltas nas ruas boêmias da cidade que fazia parte da área metropolitana de Nova York. Os bares, lojas e ruas estariam sem a presença de nenhuma alma penada e totalmente próprios para que eu me sentasse no tapete de pelúcia verde de um parque qualquer da região e recostado a uma árvore, fumasse sem ser incomodado por ninguém.

Quando passei pela lombada que delimitava o solo da ponte de ferro, comecei a olhar a paisagem e a escuridão espectral que reinava o fundo do rio East, um rio raso e fértil. Uma paisagem noturna deveras deslumbrante. A ponte pênsil, suspensa sobre a água, pela qual eu passava semanalmente, era monstruosamente imponente e até onde eu sabia muito segura. A longa estrutura de ferro maciço possuía quase dois quilômetros de comprimento, aproximadamente trinta metros de altura e estava a quarenta metros acima do rio. As duas torres principais e os mais de vinte mil cabos secundários foram projetados para suportar o peso de mais de cem mil veículos que ali circulavam diariamente, apesar de a ponte ter sido construída no século vinte, mais precisamente em mil oitocentos e oitenta e três, momento em que esse volume de automóveis era utópico.

Dirigi vagarosamente pela pista que como eu havia anteriormente já imaginado - vazia - até avistar uma sombra de pé, inclinada perigosamente para frente, além da borda. Parei o carro e observei a figura se mover num leve balanço, jogando ainda mais seu peso para frente, a fim de que ocorresse o efeito gangorra e seu tronco e os membros superiores possuíssem mais peso, fazendo com que seus membros inferiores perdessem seu eixo de equilíbrio e tombassem a norte, mergulhando na imensidão do breu da baía.

A queda duraria entre quatro e cinco segundos, o corpo se chocaria contra as azuis águas depois de atingir a velocidade máxima de cento e vinte quilômetros por hora e causaria uma morte na maioria das vezes, inevitável. O corpo de um cadáver normal, que teve uma morte menos bruta, em geral fica rígido como uma tábua de madeira, porque os ossos e os músculos estão todos em seus respectivos lugares. Porém, o corpo dos que saltam de uma ponte, adquirem uma característica totalmente contrária e se assemelham a um enorme saco de arroz, ficam moles e frouxos, já que a ossada fica toda destroçada.

Em realidade, o corpo parte em pedaços de dentro para fora. Não é bonito, não é indolor, tudo o que acontece após um salto dessa ponte não tem nada de agradável. O impacto final do corpo, terá uma força de sete mil quilos por centímetro quadrado, isto é, esmaga todos os ossos e rasga os órgãos internos. Dependendo do ângulo no qual o suicida se choca contra a água, pode quebrar todas as costelas, fraturar o braço, perfurar os pulmões, o fígado e o coração, além de fraturas múltiplas na cabeça e rompimento do pescoço.

E como se já não fosse ruim, o coração poderia se separar da aorta e no caso de o suicida der o azar de continuar com vida após todos estes danos, morrerá afogado e em meio a uma enorme dor inenarrável e completamente insuportável. Provavelmente a maior dor física que um dia qualquer um humano poderia experimentar.

Foquei minha atenção no aspirante a suicida e percebi que não passava de um garoto muito mais velho do que eu. As fracas lâmpadas que a ponte possuía combinadas à luz da lua e o farol do meu carro insinuava a fina silhueta do garoto e seus fios rebeldes voando contra seu próprio rosto. Apoiou seu pé esquerdo sobre uma ranhura do ferro, ficou mais alto em trinta centímetros e colocou suas mãos sobre o para-peito. Permaneceu imóvel por alguns instantes e tinha sua cabeça jogada levemente para trás, o que deduzi pelo ângulo da inclinação, que pudesse observar a grande lua cheia daquela noite.

Passou seus dois pés para a segunda ranhura e subiu a mesma altura que anteriormente. Passou lentamente primeiro uma perna e depois a outra para o lado de fora do para-peito e se apoiou novamente nas ranhuras que o ferro possuía. Segurou seu corpo com as duas mãos atrás de si, em suas costas e abaixou a cabeça, talvez ponderando o quão sofrida seria a categoria de morte que havia escolhido. Se doeria ou não. Se seria totalmente eficaz ou ainda o deixaria com vida sofrendo em uma grande agonia afogado naquela escura e deserta baía.

Quando soltou uma de suas mãos da borda e vi que seu corpo avançou para frente, quase mergulhando no breu, por algum motivo meu coração palpitou. Parei o carro no meio da pista e saí do mesmo sem fazer muito barulho. À medida que colocava os pés um a frente do outro, tive a impressão que percorria o trajeto em direção a uma mente machucada e alquebrada, cuja única saída seria uma morte rápida e sem possibilidade de desistência no caminho.

-Sei que não lhe conheço e que não deve nenhuma explicação a mim, mas não acha que esta decisão é um tanto egoísta e precipitada? -perguntei com um fio de voz, parando ao seu lado e olhando para a água logo abaixo de nós.

-Não. -respondeu colocando sua mão novamente na borda e virando seu rosto para mim -Egoísta? -riu ironicamente -Não tenho ninguém para que eu seja egoísta.

Ouvi sua resposta, a qual ele deu sem nenhuma hesitação e com a maior clareza possível. Tímidas gotas translúcidas escorriam de seus olhos oliva e escorregavam por toda a extensão de seu rosto branco e liso como uma folha de papel. Ele tornou a olhar novamente para as águas calmas da baía e pude então contemplar suas delicadas e harmoniosas feições de perfil, seus fios absurdamente negros e revoltos que rodopiavam conforme a brisa atingia-lhe, seu nariz levemente empinado e seus lábios finos. O tecido pesado de sua jaqueta de couro não se movia nenhum mísero milímetro com a pouca força do vento que gelava meus ossos. Não usava luvas e notei que as pontas de seus dedos já estavam roxas.

-Se não se incomoda, eu prefiro ficar sozinho. -sua voz soou novamente conforme assisti seus lábios se moverem minimamente.

-Como quiser, eu apenas queria entender o porquê de desejar a morte quando se ainda tem muito para
viver. 

-Obviamente não conhece minha vida e o que vem ocorrendo nela para que meu bom senso fosse para o espaço e eu quisesse me suicidar. -ele disse olhando em meus olhos, um olhar depressivo e deveras melancólico.

-Não gostaria de me contar? -sugeri -Já que vais se suicidar, talvez fosse bom desabafar antes de afundar com todos estes problemas.

-Porque queres saber? -olhou desconfiado -Qual diferença isso fará na sua vida?

-Eu teria, mesmo que por pouco tempo, alguma companhia nesta noite de Natal. -argumentei na esperança de convencê-lo e esperando que por causa de minha intromissão, ele não finalizasse a conversa afrouxando os dedos da borda e indo de encontro às águas.

Passado alguns longos segundos, ele passou o seu corpo esguio e alto para o lado seguro da ponte. Colocou-se ao meu lado e de costas para o para-peito, deslizou como uma serpente até chegar ao solo áspero de asfalto.

-Meus pais, eu, meu irmão mais novo e minha avó estávamos viajando para San Diego para visitarmos um primo que estava morando na Inglaterra há dois anos. Somos de Jersey e já que íamos para Califórnia, que fica do outro lado país, minha mãe insistiu que ficássemos uma semana a mais a turismo no estado. -fez uma pausa e olhou para baixo -Quando desembarcamos em Los Angeles, meu pai alugou um carro para irmos para San Diego. A viagem duraria no máximo três horas. -pausou e vi que lágrimas escorriam de seus olhos -Então, no meio da viagem, eu comecei a discutir e a responder meu pai que estava dirigindo. Ele, com raiva, virou para trás e levantou a mão para me dar um tapa no rosto. Antes de conseguir, olhei para frente e vi um enorme clarão vindo exatamente na nossa direção. A partir desse ponto, tudo virou escuridão.

Ele me olhava derrotado e creio que se arrependeu de ter aberto sua vida como um livro para um estranho que cruzara seu caminho devido à expressão de sua face. Levantou-se cuidadosamente e me olhou mais uma vez. Afundou sua mão direita no bolso da jaqueta e de lá tirou um maço de cigarros que com habilidade, rasgou e acendeu um deles. Tragou longamente e voltou a falar:

-Eles eram minha única família. -suspirou -Nenhum dos meus tios ou primos quiseram oferecer moradia para mim e o enterro dos meus pais, do meu irmão e da minha avó, foi pago pelo governo. Já que eu tinha quase dezoito anos na época e não tinha família, o juiz do tribunal decretou que eu fosse emancipado e a partir daí, tenho vivido passando de abrigo em abrigo.

-Mas porque se matar? -indaguei levantando-me e andando em sua direção -E logo no Natal...?

-Pensei que com a cidade deserta, não haveria ninguém para me ver ou me impedir. -respondeu tragando o cigarro -E você, o que faz sozinho hoje?

-Eu moro sozinho há quase um ano e minha família inteira mora em Jersey. -expliquei -Eu não sou tão sociável, por isso não tenho muitos amigos e muito menos um... -fiz uma pausa -Uma namorada.

-Pelo menos você ainda tem família. -ele disse com uma ponta de inveja evidente em sua melódica voz.

O olhei nos olhos e ele continuava com sua expressão depressiva e ao mesmo tempo vazia. De repente, senti uma necessidade insana de embalsamá-lo em meus braços fortemente e dizer que tudo estava bem. Fitei seus lábios que se tornaram de um segundo para ou outro, tão convidativos quanto uma cereja sobre um bolo. Fiquei mais perto de seu corpo gelado e peguei em uma de suas mãos frias. Ele me olhou assustado quanto percebeu meu toque, mas para a minha felicidade, não o desfez. Aumentei o aperto entre nossos dedos intercalados e seu olhar rígido, relaxou.

Aproximei-me dele e observei mais de perto seu rosto. Seu cabelo negro voava contra sua face já que estávamos de costas para o vão da ponte. Nossas mãos permaneceram juntas e eu, sem entender o porquê de estar fazendo aquilo, apenas fechei os olhos e senti meus fios esvoaçarem conforme o vento aumentava.

-Ainda pensa em se jogar? -perguntei ainda de olhos fechados quando senti que ele soltara minha mão, levantara-se e ficara de frente a borda por mais uma vez.

-Não me leve a mal, eu gostei de você mas... -suspirou -Desabafar com você não resolve meus problemas.

-E quais os seus problemas? -perguntei.

-Eu não tenho casa, dinheiro, família, emprego, amor... -olhou para as águas me agonizando -Eu não tenho nada que me prenda nesse mundo.

Num ato totalmente impensado e unusual, envolvi seus punhos entre meus dedos e o puxei para o meu carro. Ele me olhou confuso mas em momento algum resistiu. Abri a porta para que ele entrasse e quando entrou, ainda hesitante, fechou a porta. Entrei no banco do motorista e antes de dar partida no automóvel, tirei meu gorro e minhas luvas.  Diferentemente de antes, eu tinha um rumo já especificado em minha mente.

Dei partida e percebi que ele se afogava silenciosamente entre suas lágrimas de fel, molhando o banco de couro no qual estava sentado rigidamente. Dirigi-me para lado oposto ao de Nova York, indo para Brooklyn. 

-Não entendo o porquê de estar fazendo isto por alguém nem sabes o nome... -ele disse baixinho, prendendo seu lábio inferior entre os dentes brancos.

-Qual seu nome? -perguntei sem tirar minha atenção do volante.

-Gerard, Gerard Way. -disse assentindo.

-Eu sou Frank. -sorri e pude ver que ele não me acompanhou na ação, o que me deixou extremamente sem-graça -Olha, eu não sou nada seu, mas por alguma razão que nem um mesmo entendi, eu senti a necessidade de te tirar daquele perigo no qual estava quase mergulhando. Não acho que seja correto comemorar a desgraça dos outros, mas com certeza existem pessoas numa situação pior do que a sua. -repuxei meus lábios num leve sorriso reconfortante e tentei avaliar sua expressão que rumou da melancólica à atenta -E mesmo assim suportam, não resolvem seus problemas com a morte.

Ele me olhou de canto, talvez envergonhado por estar levando um sermão de um desconhecido em plena noite de Natal na qual planejava sumir do mundo.  

-Sabe, não estou querendo passar sermão... -expliquei olhando rapidamente para ele e voltando a prestar atenção à direção -Mas creio que não valha à pena perder a vida assim, desistindo dela. Se suicidar é como dar um bolo no destino, quebrar o ciclo natural da vida, entende?

Ele assentiu e limpando com as costas da mão as cristalinas lágrimas que insistiam em correr de suas íris oliva, levantou a cabeça e me sorriu tristemente.

-Acho de muito bom grado estar fazendo isso, querendo dar-me esperança, mas não consigo mais enxergar o lado colorido da vida. -disse olhando diretamente em meus olhos e seu olhar fez com que um espasmo esquisito corresse pela minha coluna.

-Quer que eu lhe ajude a enxergar? -disse parando em frente a um grande parque e me aproximando dele, soltei seu cinto para que pudéssemos sair do carro.

-... -ele suspirou e balançou a cabeça concordando.

-Ótimo! -lhe sorri e então sai do carro, o vendo me acompanhar.

Andamos até a entrada do parque e atravessamos seus imponentes portões de ferro que ficavam sempre abertos, até mesmo durante a madrugada e em feriados. Popularmente dizendo, um parque vinte e quatro horas. O extenso jardim consistia em um aglomerado de árvores altas e de grandes copas que pareciam uma única, não se via nenhuma divisão entre elas. Entretanto, havia uma pista de ciclismo aproximadamente no centro do parque, o que dava uma fascinante visão completa da lua daquela noite.

Seguimos caminhando alguns metros completamente calados, somente se ouvia nossas respirações, o ruído de alguns pequenos animais que estavam por perto e o barulho de nossos passos sobre as folhas secas no chão. O lago do parque parecia estar imerso numa horripilante penumbra e sem quase nenhuma luminosidade. Gerard não hesitou e continuou andando em direção as águas que naquele horário e naquela estação do ano, estavam sólidas devido ao inverno muito rigoroso.

Ele se virou para mim e então pude ver seu rosto novamente, ele era surpreendentemente bonito, com bastos cabelos revoltos e olhos verdes quase radiantes que brilhavam como se fossem acesos e movidos pelos mistérios do universo. Mais de perto, porém, vi naqueles olhos uma profunda melancolia que fazia meus próprios absorvem tal.

-Então, como vai me ajudar? -ele indagou sentando-se na grama e apoiando suas costas nas raízes de uma imensa e antiga árvore, uma das mais conservadas das centenas de árvores a nossa volta.

-Eu... -sentei-me ao seu lado, talvez perto demais. Encostei minha cabeça no tronco e dobrei minhas pernas, as trazendo para perto de meu peito, abraçando-as. Ele respirava calmamente, esperando a resposta que eu não conseguia ao menos pensar em formular. Após alguns segundos imersos num silêncio incômodo e sepulcral, atrevi-me a voltar a falar:

-Eu não sei.

-Era o que eu esperava. -disse ele derrotado fechando os olhos e eu, não sei por que, envolvi seus dedos novamente nos meus. Seus olhos se abriram de repente e se arregalaram conforme aumentei o aperto entre nossas mãos, mas por fim, aceitou. Fechei os olhos sentindo o toque de sua pele lisa e gelada como mármore contra a minha e lembrei-me de que há poucas horas atrás, eu estava deitado no meu sofá, tomando uma taça vinho e comendo um sanduíche sem nenhuma preocupação. Mas agora, eu estava de mãos dadas a um cara, cujo só conhecia o nome, suas aflições e que se suicidaria se jogando de uma ponte.

Abri os olhos e olhei para ele. Naquele momento, havia força no seu aperto de mão, a força de um homem com uma mente e um coração desgastado. Os dedos dele envolviam os meus com o conforto de uma nova aceitação, porém inata, sem mais hesitação. Corri meus olhos por sua face, mas minha atenção persistiu em se fixar em seus lábios cor nude, indo para uma coloração roxa, devido ao frio que fazia. Senti uma atração crescente por ele. Um desejo ardente de cuidar de seu coração machucado, sem carinho. Dar-lhe atenção, cuidados, moradia, condições... Talvez amor. Mas seja realista Frank, nunca funcionaria.

Uma gélida brisa forte nos golpeou sem aviso e nem mesmo meu casaco pesado e meu suéter de lã deram conta de aplacar o frio que gelou meus ossos. Meus lábios secaram rapidamente e as pontas de meus dedos por pouco não se congelaram. Encarei a paisagem ao redor: folhas secas ao chão, um lago congelado, ventos gelados, céu escuro, uma imensa lua cheia, cidade deserta, pele fria... Não era exatamente isso que eu gostaria de mostrar a Gerard. Queria lhe mostrar cores, vida, mas apenas lhe exibi uma natureza mórbida, escondida entre a névoa que nos cercava e flocos de neve que começaram a cair dos céus. Uma cena toda rascunhada em uma palheta de cores frias e opacas.

Notei que depois de todas aquelas reflexões, nossos dedos continuaram intercalados. De súbito, ele deslizou seu corpo para baixo, deixando sua cabeça na altura de meus ombros. Inclinou-se e enterrou seu rosto na curva de meu pescoço. Arfei ao sentir sua respiração quente contra minha pele quase congelada e ao perceber o fato, ele deixou escapar um sorriso de seus lábios. Nossas mãos continuaram dadas e ele se afundava ainda mais na curvatura.

Tive um sobressalto no instante que senti seus lábios brincarem com a pele na qual ele estava mergulhado. Seus dedos, anteriormente intercalados aos meus, iniciaram um tímido carinho na minha palma e ele ousou um pouco mais, colocando agora, a língua na brincadeira de beijos, enviando arrepios por todo meu corpo. Foi beijando e lambendo a área até soltarmos nossas mãos e eu levar a minha para sua nuca, soterrando meus dedos entre seus fios negros.

Sua boca, com sutileza, percorreu a área distribuindo mais carícias, que foram ficando mais quentes e provocativas. Sentia meu sangue esquentando conforme seus beijos se intensificavam, mesmo que ainda não tivéssemos nos beijado no lugar mais óbvio de todos, o que não tardou a acontecer.

Gerard levou sua mão direita para a minha face e ali depositou carinhos deliciosos, que me faziam quase derreter em seus braços. Então colocou ambas as mãos em minha cintura e me puxou para seu colo. Sentei-me em seu quadril e deixei minhas pernas em volta de seu corpo, cruzando meus pés logo atrás de suas costas. Ascendeu os carinhos para minhas costas enquanto eu me inclinava ainda mais em direção à sua boca. Apertou o abraço, empurrando-me contra seu próprio corpo e por fim, sua mão chegou em minha nuca. Ficamos nos olhando diretamente nos olhos e atrevi-me a tocar sua boca com o dedo indicador, contornando-a, desenhando-a como se estivesse saindo de minha mão e de minha própria imaginação, como se eu mesmo a tivesse criado. Seus olhos se fecharam gradativamente e bastou eu mesmo fechar meus olhos para desfazer todo o desenho e ter de recomeçar o rascunho da boca que desejo, da boca que meus dedos e minha língua escolheram e que por um acaso, coincide exatamente com a dele, que sorriu debaixo de todo aquele meu deslumbramento.

Ele me olhou, de perto me olhou, cada vez mais de perto, e então brincamos de cíclope, olhamo-nos cada vez mais de perto e nossos olhos se tornaram cada vez maiores, se aproximaram uns dos outros, nossas respirações se fundiram, as bocas encontraram-se e lutaram debilmente, mordendo-se com os lábios, apoiando ligeiramente a língua nos dentes, brincando nas suas cavernas, onde um ar pesado vem e foi como um perfume antigo e grandes ofegos. Então, as minhas mãos procuraram afogar-se em seus fios, acariciaram lentamente a profundidade do seu cabelo, enquanto nos beijávamos como se o mundo fosse acabar dali mais um segundo. E se nos mordemos, a dor foi doce, e se nos afogamos num breve e terrível absorver simultâneo de fôlego, essa instantânea morte foi bela. E então, surgiu uma só saliva e um só sabor. O senti tremular contra mim, como o reflexo da lua na água do oceano e também o senti acariciar meu corpo com uma habilidade e urgência tremenda.

-Agora sim -ele disse entre - lábios, quebrando nosso ósculo perfeito e de tirar completamente o fôlego -, agora vejo as cores que querias me mostrar Frank.




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Notas finais do capítulo

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