Never Again escrita por carols


Capítulo 1
Oneshot




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É claro que ele se lembrava do caminho. Quantas vezes não o fizera? Mas ele não estava realmente perdido. Estava com medo. Nunca em sua vida tinha se sentido assim. Com medo - medo da rejeição. Há três dias atrás essa palavra não existia no vocabulário de ambos. Há três dias atrás eles estavam juntos.

Após ficar vinte minutos subindo e descendo todos os andares de elevador, percebeu que isto não iria remediar a situação, tampouco fazê-lo voltar atrás. Então dirigiu-se, enfim, até o vigésimo quinto andar, lutando contra a vontade de voltar para casa e passar o resto da vida chorando. Parou em frente a porta receoso. Quem sabe ele não estaria em casa? Não, essa era a sua única chance; sabia que se voltasse atrás não conseguiria fazê-lo novamente. Três batidas e nada. Na quarta ele desistia e voltava amanhã. Um clique; seu coração parou.
A figura esguia o olhou com os olhos arregalados. Seus cabelos bagunçados e os óculos tortos denunciavam que estava dormindo. Por que nessas horas as palavras cismam em sumir da sua mente? Cinco segundos e nenhum dos dois se atreveu a abrir a boca.

“O que você quer?” a pergunta o atingiu como um tapa na cara. A voz fria e rouca somente fez sua angústia aumentar ainda mais.

“Hm... Desculpe se eu te acord-”

“O que foi Gerard?” engoliu em seco, mordendo o lábio em seguida.

“Eu... Eu acho que esqueci a minha jaqueta... aí. Domingo.”

“Oh.” o mais novo estacou. “Hm... eu não me lembro de ter visto ela por aqui...” olhou em volta do apartamento, como se a procurasse. Gerard apenas aguardava. “Entra... eu vou procurar.” virou-se, dando espaço para o mais velho entrar.

Gerard respirou fundo. Pelo menos ele não o chutou. Mas somente a forma como lhe dirigia a palavra já fazia um aperto tomar conta de seu coração. Não era possível que ele não se importava assim.
Adentrou receoso no apartamento. Estranhou pelo fato de ver várias roupas e embalagens vazias espalhadas pelo chão. Mikey nunca fora de deixar as coisas desorganizadas.

“Eu vou ver se ela tá lá no quarto. E... espera aqui.” disse o menor, indo em direção ao outro cômodo. Gerard assentiu e voltou a observar a bagunça que se encontrava no lugar.

Porém uma coisa em especial chamou a sua atenção. Um pedaço de papel se sobressaindo por debaixo de uma pequena caixa, em cima da mesa do computador. Sabia que não era prudente mexer nas coisas do irmão, mas... A curiosidade sempre foi maior. Olhou no corredor a procura do irmão mais novo, encontrando este vazio. Ele não vai perceber, pensou, enquanto pegava a folha dobrada em cima do móvel.
Tirou o pedaço de papel de dentro do envelope com cuidado, passando seus olhos pelas letras bem desenhadas.

"Gerard...

Eu sei que pode ser difícil, mas foi o que eu decidi. E foi a decisão certa.
Não pense que foi fácil, porque você sabe que não foi. Nós sabemos. Mas... também sabemos que não podíamos continuar, isso é fato. Motivos? Nós temos todos os motivos do mundo Gerard, isso é definitivamente impossível!

Seu nome não é mais Gerard Arthur Way. Nós não passamos todo o verão juntos na praia. E nesse meio tempo nós não descobrimos que eu era gay. Nós nunca fomos até aquela boate "esquecer os problemas". Você nunca me convenceu a tomar toda a garrafa de vodka, e eu nunca fiquei bêbado. Você nunca me carregou até em casa e me deu banho, para depois deitar e adormecer ao meu lado. Tampouco cuidou de mim no dia seguinte por causa da minha dor de cabeça.
Não... eu nunca comecei a ficar confuso, e nunca tive aqueles pensamentos sobre você. Nunca. Eu não descobri os seus desenhos escondidos em baixo da cama, e não fiquei feliz ao ver que em todos eles era eu desenhado. Não. Nunca.

Nunca começamos a ficar mais próximos com o passar dos dias, você nunca começou a ir me buscar na escola. Eu nunca te apresentei meus amigos, e você nunca me disse que Frank não era boa companhia pra mim. Eu nunca cheguei a sentir ciúmes de você com Lindsey, e nunca - sublinhe o nunca - tentei afastar você dela.

Nós nunca fugimos de casa ás três da manhã para beber no mais imundo bar da cidade, e nunca ficamos a madrugada toda rindo feito dois dementes, enquanto nos apoiávamos nas paredes para não cair. Você nunca me disse que queria se casar comigo, e eu nunca disse que aceitava. Nós nunca fizemos isso.

Na manhã seguinte nós também não tivemos que ouvir três horas de sermão da mamãe, por termos sido irresponsáveis, e você nunca discutiu com ela por minha causa. Você nunca me abraçou e me disse que estaria ao meu lado para sempre. Nunca.

Você também não me defendeu quando Richard me xingou de bicha inrustida, e vocês nunca saíram no tapa, muito menos você ganhou um olho roxo. Não briguei com a diretora tentando te defender dizendo que era culpa minha, rendendo dois dias de suspensão.

Nesse meio tempo nós não passamos cada segundo juntos, rindo e jogando videogame. Você não me jogou na piscina ás uma da manhã e eu não me diverti como nunca tinha me divertido na vida. Você não me prensou contra o azulejo frio, e eu nunca senti aquele arrepio correndo a minha espinha. Você nunca deu aquele beijo na ponta do meu nariz, dizendo que eu era lindo, fazendo-me corar instantaneamente. Eu não dormi no seu quarto, e Deus, eu nunca, nunca fiquei reparando nas suas coxas enquanto você dormia - espero que você tenha parado com essa mania de dormir só de boxers.

Eu não acordei no dia seguinte me sentindo estranho, me sentindo com nojo de mim mesmo. Você nunca perguntou o que estava acontecendo, e eu nunca chorei feito uma criança enquanto você me apertava em seus braços. Você nunca passou o dia todo afagando meus cabelos, enquanto cantava uma música para me acalmar.

Você nunca - nunca, nunca e nunca - teve a brilhante idéia de fazer guerra de comida naquele sábado, me sujando com chantilly e eu nunca ri até minha barriga doer. Eu nunca caí no chão com você por cima de mim, tentando me afogar com aquela coisa melada, segurando meus pulsos acima da minha cabeça. Eu não comecei a sentir um embrulho no estômago, cada vez que você se aproximava mais do meu rosto. Minha respiração não se tornou descompassada, e você não encostou sua testa na minha. E Deus... você nunca encostou seus lábios nos meus, iniciando um beijo. Eu nunca correspondi. Você não se deitou sobre mim e eu nunca me senti a pessoa mais feliz do mundo.
Você também não riu da minha cara vermelha, quando nós nos separamos. Eu não fiquei constrangido e sem-graça. Eu nunca disse que te amava mais que tudo, apesar de sabermos que é verdade.

Gerard... me desculpe. Eu sei que você me entende, eu sei que você sabe o que eu estou passando no momento. Você sabe que a nossa... "relação" nunca foi um mar de rosas. Por isso eu quero que você, ao ler isso, tente me entender, e ter consciência de que isso é a coisa certa a se fazer. Pois se você já chegou a ler até aqui, já deve ter entendido onde eu quero chegar. Bom...

Nós não iniciamos isso. Não, nunca. No natal, você não desejou me ter de presente, e eu nunca descobri isso sem querer. Nós nunca vimos os fogos abraçados, e você nunca me beijou, dizendo coisas fofas, que me fizeram derreter feito manteiga. Eu nunca disse que você já me tinha e que não precisava pedir.

E... o mais importante. Nossa mãe não viu essa cena. NUNCA. Ela nunca ficou nos encarando perplexa, e nós não ficamos sem reação.
Depois disso você não foi expulso de casa, minha mãe não te disse aquelas coisas horríveis e eu nunca fiquei olhando a cena enquanto chorava. Você nunca subiu irritado as escadas, me puxando junto com você. Você nunca disse que ia me levar com você... e eu nunca disse não.
Você não me olhou surpreso, e eu não senti aquela sensação de angústia. Eu nunca acordei pra realidade, percebendo o quanto aquilo era absurdo. Nós não discutimos. Eu não disse que te odiava, e você não chorou. Eu nunca vi você saindo de casa. Eu nunca fiquei longe de você por dois anos.

Além disso, eu nunca peguei uma raiva enorme da minha mãe, e nunca sai de casa quando fiz dezoito anos. Eu nunca comemorei meu aniversário sozinho. Eu nunca apaguei aquela vela desejando que você voltasse pra mim; eu nunca passei a noite em claro amaldiçoando minha vida; eu não cheguei a me arrepender de tudo o que eu te disse naquela noite.

E ah, nós nunca nos encontramos novamente. Eu nunca deixei você entrar no meu apartamento, e nunca deixei você me dominar. Nunca.
A partir desse dia você não começou a frequentar minha casa, você não aceitou minhas desculpas e eu não cheguei a pensar que estaria tudo bem novamente. Porque não estava. Não estava, porque eu explodi há três dias atrás. Eu nunca te disse aquelas coisas... eu nunca te disse. Você não implorou para que eu não fizesse aquilo, e eu nunca te mandei embora. Você nunca foi.

Nunca.

Tudo isso nunca aconteceu. A gente nunca existiu. A nossa história não vai ser lembrada, e você vai me esquecer. Eu vou te esquecer. A partir de agora. Eu vou terminar de escrever isso Gerard, e vou ser uma pessoa nova. Não vou ficar vivendo do passado, não vou ficar me definhando aqui nessa merda de apartamento. Não vou olhar para cada canto da cidade e lembrar de você. Não.

Você está sendo, a partir de agora, uma lembrança que eu decidi esquecer."                                                                                     




Devolveu o papel ao seu lugar de origem com as mãos trêmulas. Não percebera, mas a cada palavra que lia, uma lágrima escorria de seus olhos claros. Antes não tivesse ido até lá, antes não tivesse tentado ter outra chance... Pelo menos seu coração não estaria tão apertado.

“Gerard, eu já achei...” Mikey parou ao ver o envelope aberto em cima do móvel. Olhou para a figura imóvel do irmão, sua face corada e o nariz, juntamente com seus olhos, vermelhos. “Você...”

“Mikey... ” não se conteve. Quando percebeu, já envolvia o mais novo em seus braços, o abraçando com todas as forças possíveis. Não era pra ser assim, ele não ia permitir. “Não... Não faz isso...”

“Me solta Gerard.”  por mais que tentasse, não conseguia impedir as lágrimas se formando em seus olhos. Ele sabia que se Gerard continuasse, ele não ia conseguir reunir as forças para fazer o que queria. O que tinha decidido.

“Não é possível isso... Mikey! Você não pode simplesmente-”

“Só vai embora daqui Gerard... Por favor.” empurrou o maior, enquanto virava-se de costas.

O mais velho balançou a cabeça. Era sempre assim. Mikey tinha uma de suas crises e o mandava embora, para depois voltar para seus braços. Gerard conversara com ele, demasiadas vezes, mas parece que não adiantara muito. Aliás, não se importava se Mikey o chutasse, contando que ele voltasse depois. Não se importava que ele lhe dissesse aquelas coisas horríveis. Até tentava entender, mas não aceitaria o fim definitivo. E sabia que Mikey também não seria capaz de fazê-lo. Rapidamente foi até o irmão, enlaçando sua cintura com os braços e apoiando o queixo em seu ombro.

“Só esquece isso Mi...” disse, tentando parecer o mais calmo possível, mas seus soluços provavam o contrário. O menor estremeceu levemente ao sentir a respiração quente de Gerard em seu pescoço. Fechou os olhos e respirou fundo. “Deixa... Deixa isso pra lá. A gente vai esquecer tudo isso, a gente vai começar de novo... A gente-”

“Não. Nada vai começar de novo Gerard.” desvencilhou-se dos braços do irmão, andando até a porta.  “O que você quer? Eu acho que eu já disse o suficiente naquela carta, não? Só vai embora, por favor!”

“Mikey...” o moreno tentou. “...E-eu te amo.”

Michael fechou os olhos com força. Maldito sentimentalismo. Eu te amo. Por que essas míseras três palavrinhas surgem tanto efeito nas pessoas? Segurou-se para não voar no pescoço do mais velho, mas seu orgulho - mais uma vez - foi mais forte.

“Se você me ama Gerard, vai embora. Só... vai. Será que você não percebe? Tem que ser assim!”

“Não tem que ser assim merda nenhuma! Mikey... ” aproximou-se, vendo o irmão recuar. “A gente pode tentar, é só a gente querer.”

“Eu não quero! Quando você vai entender isso? Pra existir uma relação Gerard, as duas pessoas tem que querer, e eu não quero isso! Eu não quero!” não era sua intenção alterar a voz. Se arrependeu ainda mais ao ver a expressão do irmão mais velho. “Vai embora Gerard.” apontou para a saída. “VAI!”

Gerard apenas lançou um último olhar apara o irmão, antes de se dirigir até a porta. Antes que Mikey a fechasse, ele se virou.

“Você sabe que não vai ser assim Mikey. Você sabe. Não tem mais como lutar contra isso. Será que você não vê...?”

“VAI EMBORA!” Mikey gritava, mas mesmo assim não fechava a porta.

“Eu... te amo Mikes. Mais que tudo...” não ouviu o resto. Sabia que não ia aguentar se ouvisse. Bateu a porta com força, se encostando nela em seguida. Escorregou até o chão, apertando os joelhos contra o peito. Deixou as lágrimas contidas escorrerem livremente pela sua face, enquanto o aperto em seu peito aumentava gradativamente, ao ouvir os passos do irmão ficarem cada vez mais distantes, até que sumissem. Olhou em sua volta, e se deparou com a jaqueta de couro caída no chão. Ele a esquecera de novo.

Rapidamente se levantou, enxugando as lágrimas e indo em direção à estante, alcançando o papel e uma caneta próxima. Sentou-se na cadeira, desdobrando o papel.

"PS.: Depois de três dias você nunca veio aqui atrás de sua jaqueta, e eu nunca deixei você entrar. Você nunca viu o meu apartamento, e eu nunca fui atrás da maldita jaqueta.

E você nunca leu isso. Você vai esquecer cada palavra escrita aqui. Você vai esquecer o que eu te disse, você vai esquecer que eu te mandei embora.

E quando você voltar para pegar a sua jaqueta, você vai voltar pra mim."



FIM.                                                                                              


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