As praças principais do centro de Londres estavam movimentadas. Devido a proximidade com a meia noite, pessoas e famílias chegavam a procura de um lugar onde pudessem ter a melhor visão do céu escuro e sem nuvens. A natureza parecia estar cooperando para que aquela queima de fogos fosse uma das mais bonitas da história do Reino Unido. Em quatro outros pontos da cidade  haveria o mesmo ocorrido e os organizadores esperavam que, no fim, fosse uma enorme comemoração. No mesmo segundo, toda Inglaterra se uniria, mesmo que por alguns instantes, pelo mesmo sentimento. O de renovação, de esperança. O Ano Novo trazia novas expectativas, renovava as forças. Uma chance de mudar o que não estava certo ou começar algo novo. O ponto de chegada e partida. 

Desse modo, às onze e meia da noite mais um grupo chegou à praça aos pés do famoso London Eye. A ansiedade fazia com que suas vozes não se destinguissem em meio a tanta gente. Todos os barulhos se misturavam e não se podia diferenciar se alguma voz por perto se dirigia realmente a você. Mas ele podia. Podia reconhecer aquele timbre a milhas de distância e mesmo que, a pergunta não lhe fosse direcionada, ele a responderia. Escolheria bem as palavras e faria o outro rir. Como sempre acontecia, como sempre foi.

"Vamos esperar até a meia noite desse jeito mesmo?" o loiro ao seu lado direito é que questionava. Tinha o pescoço virado para o céu, admirando como sempre as estrelas que brilhavam mesmo com a intensa iluminação da cidade. Esse tinha um dos braços ao redor de uma garota, morena e centímetros mais baixa, com bochechas salientes que olhava com igual admiração para cima, e disse alguma coisa em relação às constelações que o garoto que os observava não conseguiu compreender.

"Vou mandar a conta do médico depois. Daqui há cinco minutos não mexo mais o pescoço. Pra lugar nenhum." respondeu, recebendo a atenção do garoto ao seu lado. Percebera então que não estavam falando com ele, mas ficou feliz com o som do riso que se prosseguiu. Com a covinha que apareceu quando o loiro sorriu, meneando a cabeça quando disse que Daniel estava certo.

O amigo retomou sua conversa com a garota em seus braços e Daniel ficou sozinho com seus pensamentos. Não que fossem importantes ou revolucionários. Se lhe perguntassem no que pensara dez segundos atrás, diria que não sabia porque não prestara atenção. Estava desligado da própria mente. Estava afastado de todo o alvoroço ao seu redor. Estava afastado das conversas de seus amigos, apesar de estarem perto o suficiente para saber do que falavam. Mais a única coisa que não se afastara, era da voz ao seu lado. Da maneira empolgada que esta falava sobre uma nova constelação que conhecera no site da Nasa. Parecia mais um professor explicando uma nova matéria a uma aluna empolgada. 

Não percebeu quando a atenção de todos se transferiu para um ponto em comum no céu e, talvez por isso, levou um grande susto ao ouvir o barulho das explosões. Por reflexo, olhou na direção do estrondo e se maravilhou com a mistura de cores que pintava o céu. Explosões continuaram, seguidas de novas cores e formas. Mais no horizonte, podia ver outras cores e fogos que caíam e quase atingiam o chão. A chuva de prata que fingia molhar os espectadores maravilhados. A luminosidade de Londres agora não parecia nada comparada ao Carnaval no céu. Foram quase doze minutos interruptos de show. Doze minutos que Daniel, uma vez em muitos anos, não percebeu a presença de Thomas. Doze minutos que Daniel não percebeu os braços que envolviam sua cintura e o rosto encostado em um de seus ombros. Não percebeu a respiração baixinha que batia contra o seu pescoço.

Na verdade, percebeu sim. Só não acreditou. Talvez, só fosse mais um de seus sonhos.

Nenhum dos dois disse nada, mesmo quando o céu escureceu um pouco e as vozes explodiram ao seu redor. Continuou do mesmo jeito, contando o tempo em que o ar ficava nos pulmões do loiro ao seu lado e os segundos em que o mesmo sorriso tímido ficou em seus lábios. Daniel não ousou se mexer por o que achou ser uma eternidade. E gostou do tempo que pareceu passar.

"Qual foi seu pedido?" Daniel questionou, movimentando de leves os lábios. Não sabia se Thomas tinha realmente ouvido, mas esperava que sim. Ele fazia alusão à um costume que tinham desde pequenos. Um pedido feito aos fogos de artifícios, à chegada do Ano.

Esperou a resposta, mas quando achou que Thomas não o tinha escutado, virou para olhá-lo. Deparou-se com o mesmo sorriso, agora, dirigido a ele, e os olhos castanhos presos nos seus. "Qual foi o seu pedido?"

"O de sempre. Continuar ao lado de quem eu amo" sorriu, sabendo que o outro o entenderia. Viu o sorriso aumentar e quase se perdeu na intensidade da expressão do loiro. Perguntou novamente qual fora seu pedido, mas não recebeu resposta. Thomas apenas virou o rosto para o céu, apertou o abraço que dava no outro e suspirou fundo. 

"Feliz Ano Novo" disse, no fim de alguns longos minutos. 

O céu parecia ter muito mais estrelas agora. O mundo parecia muito mais iluminado. Porque Daniel sabia o que significava aquela resposta. Sabia que o ano tinha mudado, mas que nada havia realmente mudado. 

FIM