Drunk Dialing escrita por M4r1-ch4n


Capítulo 1
Capítulo 1




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          - Amigos. Belos Amigos.
          O resmungo mal foi ouvido por qualquer pessoa além do loiro que o produzira, ocupado no momento em passar o braço pelo banco vago do seu carro enquanto manobrava de ré e estacionava sua bela Mercedes branca.
          A rua estava cheia de gente naquela hora, apesar das duas horas da manhã já terem passado há muito. Animados freqüentadores da agitada noite de Roppongi caminhavam em grupos, a maioria com passos trôpegos depois da ingestão de mais álcool do que seria recomendável, possivelmente possuindo mais daquela bebida que sangue nas veias.
          Uma careta de desgosto cruzou as feições do loiro quando um jovem que aparentava seguir tendências punks escorregou na calçada e se apoiou na caríssima lataria da Mercedes, arranhando a pintura com uma das suas várias pulseiras cheias de espinhos de metal enquanto tentava se recolocar sobre os dois pés. As risadas agudas dele e de seus colegas apenas contribuíram para aumentar o tamanho da veia que, à essa altura, certamente pulsava na têmpora de Hayashi Yoshiki. O baterista era uma pessoa calma na maior parte do tempo, mas sofria de problemas severos de insônia por causa da banda, da gravadora e sobretudo seus amigos.
          Se é que alguém que ligava às duas e quinze da manhã na sua casa, de um lugar cheio de barulho e com a voz mais pastosa do mundo pedindo para ser buscado merecia o título de amigo.
          - Ele me paga. - grunhiu o pianista de forma ameaçadora enquanto observava o estrago provocado pelo punk inconseqüente de momentos atrás, sem saber se ele se referia ao risco na pintura ou à sua rara noite de sono arruinada.
          Provavelmente ambos. E com juros, correção monetária e qualquer outro tipo de penalidade em que ele conseguisse pensar para a hora do reembolso.
          Apertando o casaco preto ao redor do corpo para se proteger do vento frio e ingrato das quase três horas da manhã, Yoshiki olhou para a fachada da rua em que se encontrava, o luminoso de todos os letreiros de bares e casas noturnas do local praticamente cegando o baterista. Praguejando em voz alta e ignorado pela massa bêbada ao seu redor, o loiro finalmente encontrou os grandes dizeres em vermelhos que procurava, onde três palavras piscavam na ordem correta para formar a frase "the chaos theory".
          - Que apropriado. - o baterista comentou antes de dar alguns passos na direção da entrada do karaoke-bar e encontrar um segurança de aparência nada amistosa no caminho.
          - Nome.
          - Nome?
          - O clube foi fechado para uma festa. Para entrar, só com nome na lista.
          O loiro sentiu o mundo ao seu redor se estilhaçar e cair em cacos aos seus pés. Cansado, irritado e com intenções cada vez mais assassinas em relação ao amigo, ele suspirou.
          - Eu sou Hayashi Yoshiki, mas não quero entrar. Se você puder avisar... - mas o pianista não continuou a explicar suas intenções quando o segurança começou a virar as folhas da lista, ignorando as palavras do loiro. Desarrumando os cabelos que mal havia penteado antes de sair de casa, Yoshiki quase caiu para trás quando o homem tirou uma caneta esferográfica do bolso e riscou um nome na terceira página.
          - Pode entrar, Hayashi-san.
          Grato por ter óculos escuros que diminuíssem sua expressão de surpresa, ele deu alguns passos e entrou no barulhento bar, seus ouvidos sendo imediatamente atacados por uma voz desafinada que parecia assassinar Dancing Queen a golpes de machado sem fio.
          Yoshiki não reparou que havia andado até o ambiente principal do bar, repleto de mesas e cantores muito amadores até ver a tela de karaoke exibir o próximo título a ser massacrado pelos freqüentadores: Kurenai.
          Vendo um dos maiores sucessos do X Japan na televisão, o baterista mudou o foco para aquele que iria cantar, seu olhar caindo em um homem que parecia não conseguir subir na mesa à sua frente devido à falta de equilíbrio que o álcool havia lhe proporcionado.
          Quando toda a introdução criada pela máquina para a música havia terminado, o rapaz conseguiu se firmar onde queria e arrancou o microfone da mão de um sujeito que lhe havia estendido o mesmo, abrindo a boca para emitir uma voz que Yoshiki conhecia tão bem quanto a própria ou a de seu vocalista.
          Matsumoto Hideto cantava Kurenai com uma afinação assustadora para alguém que o baterista supunha tão bêbado quanto o resto.
          O guitarrista carregou a música até o refrão satisfatoriamente, momento em que deu uma meia-volta sobre o tampo da mesa e apontou com o dedo indicador da sua mão direita para um muito espantado Yoshiki, que só então percebeu que era ele e não Hide o centro das atenções.
          O sorriso travesso que o homem de cabelos pink exibia não podia ser o prenúncio de nada bom e, de fato, foi isso que o baterista sentiu quando Hide meio desceu, meio caiu da mesa, cambaleando na sua direção com o microfone:
          - Esqueci a letra!
          Aquela exclamação parecia a coisa mais lógica a ser falada do ponto de vista de Hide, além do fato também justificar a presente cena. A falta de reação do loiro, no entanto, havia dado início a uma crise de gargalhadas no outro, tão escandalosa que Yoshiki sentia vergonha pelo amigo que se encontrava naquele estado de total falta de noção de ridículo.
          Pelo menos quando Hayashi Yoshiki sentia vontade de extravasar seu stress, ele quebrava quartos de hotéis de luxo como qualquer estrela de Hollywood; ele certamente nunca havia ficado bêbado em um karaoke-bar de freqüência questionável como um salaryman incógnito.
          Mas talvez fosse esse exato comportamento de fazer tudo aquilo que pessoas comuns faziam em qualquer situação, apesar da fama esplendorosa de Hide, que o aproximava do público nos shows e fora deles.
          Quando ficou óbvio até mesmo para alguém no estado do guitarrista de que Yoshiki não iria mover um músculo para cantar, Hide retomou a música que já havia continuado por um bom tempo sem ele e deu as costas para o líder da sua banda, ocasionalmente tentando imitar Toshi, fosse no jeito de cantar ou nos gestos do palco. O final da performance do homem de cabelos rosa provocou uma quantidade espantos de aplausos e gritos por parte da platéia, outra pessoa logo se adiantando para cantar um clássico de Michael Jackson.
          - Yo-chan! - exclamou o cantor temporário da noite em uma voz afetadamente feliz, deixando seus braços envolverem o pescoço do estóico líder em um abraço desajeitado.
          - Hideto. - murmurou o outro em resposta, sem saber se tinha sido ouvido com o barulho. Aumentando o tom de voz, ele continuou - Vamos embora?
          - Embora? Mas estamos só começando! - berrou o guitarrista quando se soltou do outro homem e deu uma volta do próprio eixo - Vamos cantar mais, você sabe tudo de cor!
          - Hideto, você me ligou no meio da madrugada pedindo para buscá-lo e eu estou aqui. Vamos embora. - o pianista pontuou as últimas palavras com pausas particularmente assustadoras. Ele estava perdendo a cabeça como qualquer pessoa privada de sono faria.
          - Yo-chaaaan! - Hide exclamou e se deixou cair em um dos bancos da área do karaoke, roubando goles valentes da cerveja de um sujeito que já havia adormecido depois da bebedeira - Quer? Está meio quente, mas eu acho que...
          O baterista se sentiu idiota por ter acreditado no telefonema do outro, virando de costas e marchando na direção da saída. Quando já estava dentro do carro e pronto para ligar o motor, ele ouviu duas batidas na porta do banco do carona. Preparando-se para presentear quem quer que estivesse do lado de fora com um gesto mal-educado, ele se surpreendeu ao encontrar o guitarrista ali.
          Suspirando, ele deixou Hide entrar e aí sim deu partida no carro, indo na direção do apartamento do homem de cabelos rosa enquanto este continuava murmurando várias músicas que aparentemente haviam sido cantadas naquela noite, formando um pot-pourri dos mais estranhos.
          - De quem era a festa? - o loiro perguntou, lembrando da estranha coincidência que havia sido encontrar seu nome na lista.
          - Da... - Hide parou, tentando lembrar a informação correta - Namorada do irmão da minha vizinha.
          - Sério, Hide.
          - É sério! Eu disse que iria quando ela me convidou e ela deve ter colocado o resto de vocês na lista.
          - E quanto você bebeu?
          - Um pouquinho... - o guitarrista fez um gesto com os dedos, enfatizando a pequena quantidade - De vodka. Um pouquinho de vodka com morango. Um pouquinho de vodka com limão. Um pouquinho de vodka com abacaxi. Um pouquinho de vodka com... Uma fruta amarela e amarga, tropical... Eu acho.
          Yoshiki ergueu uma sobrancelha e continuou seu caminho por Tokyo, ignorando seu carona até o momento em que o guitarrista chegou tão perto do loiro que este sentiu a respiração quente de Hide no seu ouvido.
          A Mercedes quase beijou um carro estacionado.
          - Hide! - exclamou o baterista, mas o outro pareceu não ouvir o protesto.
          - Hmmm...? - palavras desconexas murmuradas rente à pele do loiro se seguiram antes do guitarrista inalar profundamente a colônia de Yoshiki, que aplicara a mesma quando tomara banho antes de dormir. Aparentemente, ainda era possível senti-la - Yoshiki...
          O semáforo na frente da Mercedes abriu e fechou por três vezes, mas com o pouco trânsito da madrugada ninguém parou atrás do pianista para buzinar ou exigir que ele andasse.
          Hide começou a subir o rosto, absorvendo a fragrância do shampoo do outro e causando arrepios inesperados no corpo do baterista. Uma das mãos do guitarrista encontrou o pescoço de Yoshiki, sendo que a outra subia lentamente pelo seu peito. O homem de cabelos coloridos respirou profundamente uma outra vez, aproximando os lábios da orelha direita do pianista:
          - Hayashi Yoshiki... - ele sussurrou o nome completo do outro, separando bem as sílabas. Era estranho ouvir seu nome, normalmente falado com doses cavalares de respeito ou admiração, tão carregado de intimidade e outras coisas que o loiro não conseguiu classificar. Ainda mais por ter partido da boca do seu colega de banda.
          - Hide...?
          - Yoshiki, eu preciso... - um pequeno gemido chegou até o motorista do carro, que fez mais esforços ainda para tentar entender o quê estava acontecendo exatamente - Ah, Yoshiki, eu preciso... Muito...
          De repente, a mão de Hide que até então havia deslizado de maneira suave pelo tórax do baterista se uniu à outra mão que estivera na base do pescoço do homem mais novo, trazendo o corpo inteiro do pianista para um abraço desajeitado e inesperado por parte do guitarrista, que não perdeu tempo em colar seus lábios e língua novamente no rosto do colega, murmurando logo a seguir:
          - Eu preciso ir ao banheiro.
          Em questão de segundos, Hide havia soltado Yoshiki do abraço surpresa e retornado ao seu assento no carro, onde ria histericamente. Atordoado, o loiro apenas encarou o amigo por alguns segundos, avaliando se a falta de sono estaria lhe pregando peças ou se realmente Hide havia enlouquecido. Pela forma como o outro batia no joelho e se apoiava no painel do carro, enxugando algumas lágrimas que escorriam pelo seu rosto, ele supôs que a justificativa era a insanidade do seu colega de banda.
          Finalmente se recompondo, o baterista engatou a primeira marcha e saiu de onde estava parado com o carro, virando à esquerda. Ele já sabia que caminho tomar.
          - Vou deixá-lo na casa da Kazumi-san. Você não está bem para ficar sozinho no seu apartamento. - o motorista murmurou por entre dentes cerrados, tendo de repetir a frase quando o guitarrista havia trocado as gargalhadas por soluços ocasionais e conseguia prestar atenção em outras coisas novamente.
          - Iie. Não, na Kazumi... Não.
          Yoshiki ergueu uma sobrancelha delicadamente. Ele não se lembrava de ter oferecido qualquer sugestão.
          - Hide, eu já disse que você não está em condições de ficar...
          - Nós terminamos.
          Pelo menos uma dezena de moradores das redondezas acordaram com o barulho da freada da Mercedes.
          - Como assim? - o outro replicou, arregalando os olhos - Então é por isso que hoje você... - sempre tão articulado e dono de uma capacidade de expressão oral e escrita magníficas, Yoshiki simplesmente se viu sem saber o que falar.
          - Não se preocupe. - o guitarrista respondeu com um sorriso que era estranhamente sereno e que em nada combinava com as explosões de riso e atitudes estranhas de momentos antes - Não foi por causa disso que eu saí hoje, Yo-chan.
          Concordando com a cabeça mas sabendo que aquela resposta deveria ser falsa, o baterista pisou novamente no acelerador e saiu do lugar onde havia brecado com violência. Dando a volta no quarteirão e fazendo o retorno, ele começou a dirigir para o único lugar viável naquela noite, surpreso pelo silêncio que vinha do banco do carona. Olhando com o canto do olho enquanto dirigia por uma cidade majoritariamente silenciosa, o loiro não se surpreendeu ao ver que seu amigo havia adormecido, a cabeça apoiada na janela ao lado.

          - Yoshiki, só você mora entre a Dior e a Bulgari.
          - Existem outros dezenove apartamentos no prédio, Hide.
          - Tudo bem: só você e outros dezenove filhos da mãe moram entre a Dior e a Bulgari.
          Com um sorriso maligno enquanto descia com a Mercedes pela rampa da garagem do seu prédio, Yoshiki acrescentou:
          - A Cartier fica logo em frente.
          A pequena provocação do amigo serviu para deixar o baterista um pouco mais animado e desperto para quase três horas da manhã, guiando seu carro para dentro da garagem e estacionando em uma das seis vagas que lhe pertenciam no condomínio. Apenas dois outros boxes estavam ocupados com veículos: um Audi prateado e um Aston Martin preto, ainda não emplacado.
          Desligando o motor e descendo da Mercedes, Yoshiki quase suspirou ao ver seu amigo tentar se colocar de pé para logo depois falhar miseravelmente, apoiando-se na porta do carro no último minuto. Lembrando-se do risco provocado pelo punk de Roppongi na lataria, o baterista fechou a cara enquanto ajudava o guitarrista:
          - Tenho um risco na Mercedes por sua culpa. - o loiro murmurou enquanto passava um dos braços do amigo pelo seu pescoço e utilizava o próprio corpo como apoio para Hide, colocando a sua mão esquerda na cintura do homem de cabelos coloridos a fim de fazê-lo caminhar na mesma velocidade e na mesma direção que o pianista.
          - Por que tudo sempre parece ser minha culpa? - o outro replicou contrariado, tentando girar a cabeça para fitar o colega com uma expressão de mágoa mas desistindo no meio do caminho, ao perceber que a parede da garagem havia mudado de lugar - Yoshiki... Seu apartamento é muito longe.
          - É só pegar o elevador.
          - Elevador... Seu elevador tem música.
          - ...A maioria tem, Hide. - o mais novo dos dois músicos murmurou, pressionando o botão com o número vinte entre os disponíveis e vendo a cabine de metal fechar as portas, iniciando sua viagem até o duplex.
          - Sabe, quando dizem que algumas pessoas compõem música de elevador, eu realmente começo a acreditar que isso seja um gênero novo.
          - Ah, é? - o loiro perguntou, ainda meio carregando, meio apoiando o peso do colega, que parecia prestes a escorregar para o chão da cabine e dormir ali mesmo. Sem qualquer aviso, Hide tombou a cabeça no ombro esquerdo do amigo.
          - Hmm-hmm. - o guitarrista continuou murmurando, falando contra o casaco do pianista - Seu perfume é... Gostoso.
          Pronto: os arrepios haviam voltado. Não sabendo como interpretar a recente obsessão que o colega de banda criara com a sua colônia, Yoshiki não fez nenhum comentário de volta; provavelmente Hide não se lembraria de nada no dia seguinte.
          Exatamente quando o elevador chegou ao vigésimo andar e o baterista se preparava para sair em direção ao gigante hall social do seu apartamento, o guitarrista fez a última coisa que o líder do X Japan estava esperando: mordeu o seu pescoço.
           - Mas o quê...
          Surpreso com a atitude do colega, Yoshiki tentou se desvencilhar do outro homem para encará-lo e perguntar o quê diabos se passava na mente inundada de álcool do amigo, mas esse pensamento se provou catastrófico: perdendo praticamente oitenta por cento do apoio que seu corpo tinha até então, Hide ficou sem equilíbrio e caiu para a frente: justamente o lugar que o baterista havia acabado de ocupar enquanto seu cérebro desligava e desistia de processar mais informações naquela noite.
          O impacto com o piso de mármore impecavelmente encerado foi dolorido para ambos, em especial para o loiro, que acabou por amortecer a queda do colega. Para melhorar, os dois haviam caído a uma distância que não havia acionado o sensor de presença do hall, mas, ao mesmo tempo, longe o suficiente para a porta do elevador fechar e abandonar os dois músicos no escuro completo.
          Embora não estivesse enxergando absolutamente nada, o olhar que o baterista lançou ao teto do seu hall era maligno, traduzindo todo o cansaço acumulado daquela noite. Grunhindo e percebendo que algumas das suas costelas haviam tomado conhecimento do piso gelado de uma forma não muito agradável, Yoshiki tentou arrumar a posição do seu corpo para aliviar a dor, mas a falta de colaboração do amigo não deixou que ele fosse bem sucedido.
          - Hide, saia de cima.
          Silêncio foi a resposta do loiro, ocasionalmente quebrado por ruídos longínquos da rua e buzinas solitárias de veículos que ousavam transitar àquela hora. Suspirando pesadamente e movendo o braço que não estava preso sob o corpo do guitarrista até o seu rosto para esfregar os olhos e tentar recuperar o auto-controle há muito perdido, ele cutucou o outro:
          - Hide!
          Surpreso, o pianista percebeu que a respiração estável e ritmada que ele sentia contra a sua nuca não era indicativo apenas de que o guitarrista havia caído de barriga para baixo e sobre o seu corpo, mas que também encontrava-se dormindo no momento. Isso vindo de alguém que segundos atrás havia tentando lhe morder no elevador.
          - Hideto! - o baterista falou mais alto dessa vez, fechando a sua mão livre e batendo com o punho no ombro do outro, tal qual faria em uma porta; a parte do seu corpo que servia de colchão para o homem de cabelos rosa estava ficando dormente - Tem alguém em casa?
          A figura em cima de si estremeceu, mas sem poder observar os olhos do outro, Yoshiki não tinha idéia se aquilo significava ou não que o colega havia recobrado a consciência. Levando em consideração a vez em que Hide bebeu demais durante um réveillon e passou por toda a queima de fogos roncando sobre o sofá, o líder do X Japan não tinha dúvidas de que pudesse ser muito mais difícil acordar o outro homem do que ele supunha.
          - I heeeear a knoooock on the dooooor...
          - Hide?
          A respiração quente de Hide havia mudado de lugar, acariciando o nariz do loiro juntamente com o odor característico de álcool em cada palavra que deixava a boca do agora acordado guitarrista. A voz que havia enunciado as sete palavras em inglês estava pastosa e tinha defeitos de pronúncia, mas Yoshiki sempre reconheceria uma criação sua.
          - Week End.
          - Sabe quantas vezes o Toshi canta isso?
          - Isso o quê, Hide? - o baterista decidiu que manter a conversa fluindo era a melhor tática; além do outro não dormir mais em cima de partes do seu corpo que pareciam não ter mais sangue circulando, o homem de cabelos coloridos parecia ter se mudado de posição para apresentar seus argumentos de forma mais imponente, esquecendo-se de que estava no escuro.
          - A palavra "weekend". São quarenta... - ele fez uma pausa que o outro supôs ser de concentração - Quarenta e oito vezes. É muito final de semana... - o outro resmungou alguma coisa mas terminou por rolar para o lado, finalmente saindo de cima do baterista e caindo com um baque surdo no piso, rindo sozinho mais uma vez.
          Yoshiki não evitou o suspiro cheio de pesar que ameaçou sair da sua boca, esfregando os olhos mais uma vez antes de ficar sobre quatro apoios no chão com alguma dificuldade; seus olhos haviam realmente sentido a queda anterior e metade do seu corpo formigava, mas era melhor ficar daquele jeito do que correr o risco de servir de colchão novamente.
          Uma colisão da sua cabeça com a do amigo no breu que era o seu hall social fez o baterista reavaliar a sua idéia.
          Enquanto o loiro massageava a sua testa, Hide ria histericamente no escuro. Pelo barulho que chegou aos seus ouvidos, ele presumia que o amigo havia se jogado no chão e rolava ao gargalhar, mas Yoshiki não sabia dizer se isso se dava à trombada ocorrida há pouco, da situação em geral que ambos presenciavam ou da hilaridade sem motivo que apenas os bêbados enxergam.
          O pianista levantou devagar, sentindo dores por todo o corpo mas disposto a encará-las se isso significasse que não haveriam mais colisões. O seu movimento, no entanto, fez a luz acender imediatamente, o sensor do hall finalmente captando a presença do dono do andar.
          Palavrões escaparam do quase sempre educado baterista; por que ele não havia acendido a luz antes? Lançando um olhar de exasperação para o amigo que de fato rolava de um lado para o outro em o que agora era um riso contido e silencioso, o mais novo dos dois homens avançou com passos desiguais até a porta imponente da sua residência, sentindo a sua coluna protestando contra a queda. Somente quando a chave dourada já havia destrancado o apartamento é que Hide se colocou de pé. Ou melhor, tentou.
          - Yo-chaaaan!
          O loiro virou a cabeça por cima do ombro, procurando a fonte do chamado quando sentiu seu sangue ficar mais gelado que o piso de mármore. Com passos trôpegos e aparentemente sem qualquer controle sobre seus pés, o guitarrista conseguiu se colocar em pé para sair em uma linha diagonal logo em seguida, zigue-zagueando na direção de uma réplica em tamanho real da Vênus de Milo que Yoshiki mantinha como decoração principal do seu hall.
          A cena se desenrolou em câmera lenta: o baterista acompanhou, aterrorizado, à seqüência de movimentos do colega, que tropeçou em si mesmo e tombou para a frente; a estátua, porém, encontrava-se ao alcance das suas mãos e Hide não hesitou em agarrá-la com vontade, girando ao redor da mesma enquanto procurava por um ponto de equilíbrio. Tendo abraçado a figura por trás, o guitarrista acabou se escorando nos ombros da estátua, apoiando as mãos sobre o busto da figura de Afrodite.
          Yoshiki tinha certeza que, tivesse ainda seus braços, a sua Vênus com certeza os teria perdido depois do abraço um tanto quanto desesperado do colega de banda; Hide, no entanto, achava que a sua moléstia involuntária de partes íntimas da figura era motivo para mais uma longa série de risos incontroláveis.
          - Eu... - o guitarrista se interrompeu para rir mais, suas faces ficando adoravelmente coradas em conseqüência do riso - Eu bolinei a Vênus! Quantos mortais já conseguiram isso antes?
          Contando até dez mentalmente, o loiro caminhou até o amigo, soltando-o da reprodução da famosa obra de arte e conduzindo-o devagar até a porta já destrancada do seu apartamento. Uma vez dentro do mesmo, Yoshiki usou uma das mãos para trancar a porta e guardar a chave no seu bolso rapidamente; no estado estranho do seu colega, a última coisa que ele desejava era um superstar do rock vagando pelas ruas de Tokyo.
          - Yooo-chan, você não achou incrível? A Vênus sequer me bateu! - o homem de cabelos coloridos murmurou rente à orelha do amigo que o carregava quase que por completo, provocando arrepios inexplicáveis no baterista enquanto este tateava por uma parede próxima, buscando o interruptor. Afundando novamente o rosto no pescoço do anfitrião, Hide havia voltado a rir sozinho; provavelmente após perceber a sua piada infame sobre um tapa da estátua sem braços.
          A sala de estar do baterista era ampla e mobiliada em quatro ambientes, dividida em metades, cada uma delas separada por um degrau no piso. A mobília deixou de ser apenas formada por contornos disformes na sombra quando o dono do local acendeu parte da iluminação do teto, fazendo Hide erguer a cabeça e murmurar um palavrão ante a cor branca que dominava o apartamento.
          - Yoshiki, sua sala é clara demais. - o guitarrista xingou de novo, tentando avançar alguns passos sozinho na frente mas sendo impedido pelo pianista que o agarrou firmemente no lugar, conduzindo-o na direção do corredor - Dói... Os olhos.
          - Hide, você está reclamando de mim desde que você entrou no carro. - ele respondeu cansado, arrastando o amigo por portas e mais portas antes de entrar no seu quarto. O homem de cabelos coloridos parou por alguns instantes, observando a decoração caríssima e a arrumação impecável do cômodo que surgiu na frente dos seus olhos quando Yoshiki acendeu a luz da sua suíte.
          - Kuso. Você tem certeza que ganha a mesma coisa que eu?
          - Não, eu tenho a Extasy. - o loiro respondeu impassivo, rumando na direção do banheiro mas não conseguindo evitar um sorriso ante à menção da sua gravadora - Mas eu acho que a sua renda com o X é bem decente; você provavelmente gastou tudo com bebida hoje.
          - Ha-ha, muito engraçado. - o outro protestou com a voz pastosa, quase escorregando no piso do banheiro e sendo forçado a sentar em um banco de madeira luxuoso e imponente enquanto o baterista dava a volta em uma banheira redonda gigante, abrindo a torneira de água fria da mesma - Hey! O quê você acha que está fazendo?
          - Banho, Hide. Você precisa de um banho se quiser dormir em qualquer uma das minhas camas. Chegaram lençóis de linho egípcio mês passado e você não vai contaminá-los com cheiro de whisky.
          - Vodka... Eu bebi vodka. - protestou o mais velho dos dois homens do seu assento, acirrando os olhos na direção do amigo que testava a temperatura da água - Você se preocupa mais com os seus lençóis do que comigo, é isso?
          O loiro ergueu a cabeça em segundos, seu espanto refletido nos olhos. Embora sua mente insistisse na versão de que Hide não sabia o quê estava falando e que tudo aquilo era provavelmente culpa das doses nada saudáveis de álcool que corriam pelas suas veias, o baterista sentiu seu coração ser efetivamente esfaqueado sem dó pelo olhar acusador do outro.
          - Hide... - o mais novo dos dois mordeu o lábio inferior, fechando a torneira da banheira e secando as mãos que havia molhado durante o processo; a sua calça também exibia manchas de umidade nos joelhos, mas ele não se importou - Você não pode estar falando sério.
          - Mas eu estou. - o outro rebateu com vigor, inclinando-se para a frente e perdendo o equilíbrio; Yoshiki fez menção de correr em socorro do amigo, mas o guitarrista se agarrou em um suporte de toalhas preso à parede a tempo de evitar a sua queda - Você mudou, Yoshiki. Você... Inverteu suas prioridades.
          - As minhas prioridades estão onde sempre estiveram, Hideto! - o baterista respondeu, percebendo que mesmo a mais ligeira mudança no seu tom de voz parecia assustadora com o eco do cômodo - Eu sempre batalhei muito para chegarmos aonde estamos e...
          - Fazer de cada um de nós ferramentas!
          - Hideto, o X Japan é a nossa vida...
          - Sua vida, Yoshiki. É a sua vida ou pelo menos virou a sua vida. Para o quê mais você vive senão o X? Você olha para o seu redor?
          O homem de cabelos rosa se colocou de pé, cambaleando ligeiramente antes de conseguir encarar o outro músico com uma mistura de ousadia e mágoa na sua expressão. Caminhando de forma resoluta para a frente, o guitarrista ignorou as advertências do amigo e caiu direto na água gelada da banheira, molhando o piso, móveis e o próprio dono do apartamento.
          - Hideto! - o pianista gritou, ele mesmo entrando na água momentos depois, tendo tempo de tirar apenas o casaco grosso que usava - Hideto, o quê deu em você? - o loiro andou com alguma dificuldade pela banheira até agarrar o outro pelos ombros, forçando o guitarrista a respirar novamente - Hideto!
          - Yoshiki... - foi tudo que o mais velho dos dois conseguiu dizer antes de tossir, o baterista se adiantando para ficar de pé ao lado do colega e tirar o cabelo molhado rosa do caminho da sua visão enquanto ele recuperava o fôlego - Por quê você fez isso?
          - Isso? - o outro replicou, sentindo seu cérebro parar de acompanhar o amigo; as quatro horas da manhã já deveriam ter passado há muito e isso não ajudava o baterista a entender o colega ébrio.
          - Isso de mandar construírem uma banheira com cara de piscina e profundidade de banheira. Eu poderia ter quebrado meu pescoço! - o outro replicou em tons sérios e rápidos, mas sorria quando ergueu a cabeça para encontrar o outro músico na água - A-ha. Você está molhado.
          - Acontece quando entramos na água. - foi a resposta eloqüente do loiro, retirando as mãos de Hide quando sentiu que o mais velho dos dois estava respirando normalmente.
          - Sabe o quê mais acontece quando entramos na água? - o guitarrista murmurou com um sorriso enviesado, seus olhos brilhando de forma potente. Seu cabelo estava colado ao rosto, revelando ainda mais os contornos harmônicos das suas feições que ficavam cada vez mais próximas conforme ele andava na direção do seu salva-vidas momentâneo - Sabe?
          - Não. - Yoshiki replicou, inconscientemente dando passos para trás. Era estranho descrever a situação daquela forma, mas o baterista se sentia como a presa indefesa de um grande predador... Isso vindo de alguém que normalmente controlava toda e qualquer situação.
          - Você gosta de branco. - Hide sussurrou, ainda avançando - E o branco fica transparente quando molhado, Yo-chan.
          O baterista olhou para baixo, vendo que sua camisa, vestida às pressas quando do recebimento da ligação do amigo do karaoke-bar, era de fato branca. Talvez ele tivesse alguma obsessão com a cor, mas sua mente não conseguia se preocupar muito com esse detalhe mundano depois de ter percebido duas coisas:
          A primeira era que suas costas estavam contra a parede da banheira; a segunda era a proximidade de Hide, que tolhia qualquer tentativa de fuga sua. Quando o guitarrista colocou os dois braços apoiados no piso, do lado de fora, o loiro aceitou a sua derrota final e derradeira para qualquer que fosse o plano do seu colega de banda.
          - 1988. A Extasy tinha acabado de ser montada e lançamos o Vanishing Vision... E pela primeira vez, uma banda independente...
          - Entrava no ranking do Oricon. - completou o pianista, sabendo de cor e salteado a história e não entendendo onde o outro homem desejava chegar.
          - Exato. No dia em que descobrimos hoje, nós saímos para comemorar... Bebemos muito, Yoshiki. Mais do que era recomendável levando em conta os nossos salários da época. A qualidade da cerveja não era das melhores e o Taiji foi o primeiro a apagar. Depois foram Toshi e Pata, nessa ordem. Uns dois garçons do bar conseguiram expulsar todos nós da mesa quando viram que iriam ficar sem consumidores lúcidos para pagar, e enfiamos os três em um táxi para o apartamento do Pata, que era o maior.
          O loiro piscava, buscando essas memórias no fundo da sua mente. Ele lembrava vagamente de algo parecido com o quê Hide descrevia, mas anos haviam passado desde então. Como o outro conseguira guardar tantos detalhes?
          - Então nós dois decidimos que não havíamos comemorado o suficiente. Afinal, a maioria das músicas era sua e você lembrou que havia uma garrafa fechada de vodka legitimamente russa no seu apartamento... Presente de aniversário seu, eu acho. Pegamos um táxi e fomos para o seu minúsculo apartamento daquela época...
          Yoshiki se lembrava dele. Provavelmente caberia na sua atual sala de estar.
          - Começamos a beber, a rir e a conversar... E em determinado momento, você simplesmente largou seu copo e me beijou como se não houvesse mais amanhã.
          Nenhuma expressão havia sido tão clara no rosto de Yoshiki quanto a sua atual de espanto. Hide riu baixo para si mesmo, perdendo por segundos a clareza e a sagacidade do seu olhar. Seus lábios estavam curvados em um sorriso enigmático quando ele voltou a fitar o companheiro de banda, que agora tinha os olhos desfocados como quem experimentava visões rápidas e sucessivas de um flashback.
          - Eu estava alto... Mas nem tanto quanto você. Eu fiquei sem ação no começo, completamente à sua mercê e sem saber o que fazer, até descobrir que eu já estava respondendo. A atração que você exerce sobre as pessoas, Yoshiki... É absurda. É quase uma espécie de reverência irracional que faz com que todos tenham vontade de se jogar aos seus pés e se transformarem em escravos. Você conquista sem sequer lutar batalhas; seu talento, sua beleza e seu carisma... Não havia como resisti-los então e continua sendo uma tarefa impossível.
          O loiro não podia dizer que o beijo que se seguiu havia sido inesperado, mas a intensidade do gesto sim. Pego de surpresa pela paixão impressa pelo guitarrista, Yoshiki sentiu seu fôlego ser literalmente roubado, sua boca invadida pela língua habilidosa do colega. O gosto de morangos, abacaxi e álcool invadiram seus sentidos, desligando as partes mais racionais do seu cérebro e despertando as suas reações mais instintivas.
          Uma das suas mãos chegou ao ombro do outro homem, mas não havia qualquer força nos seus dedos para empurrar Hide para longe. Ao invés de separá-los, o baterista acabou por enlaçar o corpo menor do outro músico, unindo-os em um abraço definitivo enquanto continuavam naquela troca estranhamente familiar.
          Não havia como negar a versão do guitarrista: eles definitivamente já haviam se beijado antes. E com certeza havia muito mais do que simples atração física pelo belo guitarrista por trás de cada um daqueles beijos.
          Quando ambos se separaram pela pura necessidade de respirar, um sorriso encantador havia tomado as feições do homem de cabelos coloridos. Ainda com os lábios curvados sensualmente, ele se aproximou com o rosto do pescoço do outro músico, acariciando a pele branca do pianista com leves beijos até chegar próximo da sua orelha esquerda:
          - Você estava usando exatamente o mesmo perfume naquela noite... E essa fragrância me persegue desde então. - Hide mordiscou de leve o corpo que tinha tão próximo ao seu, arrancando um tremor do outro homem - Você me assombra há anos... Anos que não foram suficientes para esquecê-lo e só Kami-sama sabe o quanto eu tentei fazer isso. E agora você sabe porque eu terminei com a Kazumi e porque eu saí para beber hoje: a única maneira de parar de pensar em tudo isso era exatamente deixar de tentar lutar contra o que era inevitável e me entregar... Yoshiki.
          O guitarrista deu alguns passos para trás então, a água movimentando-se na altura dos seus quadris para lhe dar espaço conforme ele andava. O mais velho dos dois homens estava ofegante embora não houvesse qualquer motivo físico para tanto, mas o baterista tinha idéia do quão rápido o coração do outro deveria estar batendo se a sua própria freqüência cardíaca era algum indicativo.
          - Hideto... Você não está nem nunca esteve bêbado hoje, não é?
          O homem de cabelos rosa atirou a cabeça para trás, sua risada rica ecoando no banheiro. Quando ele finalmente se controlou, seu olhar estava mais brilhante do que nunca. Com um sorriso no rosto, o guitarrista ergueu ambas as mãos no ar, como se estivesse sendo preso.
          - Eu me rendo! - ele exclamou, andando para trás quando foi a vez do loiro começar a se mover devagar na sua direção - O quê vai fazer agora, Yo-chan?
          - Recapitular. Eu entendi errado ou você deliberadamente traçou um plano que me custou uma noite de sono perdida, um risco na lataria do meu carro, quase dois acidentes em virtude de freadas bruscas, uma grande desordem no meu banheiro, uma réplica da Vênus de Milo quase quebrada, um tombo no hall social e quase a sua paraplegia ao se atirar na banheira?
          O sorriso que até então estivera no rosto maroto de Hide sumiu por completo. Yoshiki havia parado de andar na sua direção e estava paralizado no meio da banheira, olhando de uma forma absolutamente assassina para o outro homem.
          - Ahn... Sim?
          - E o quê, exatamente, você esperava ganhar com esses desastres em série?
          O guitarrista sabia quando seu líder de banda não estava para brincadeiras... E aquele era um desses momentos de seriedade mortal do baterista.
          - Não era uma bronca que eu tinha em mente... - Hide respondeu com um certo receio, observando que cada passo do pianista, que agora andava novamente, era assustadoramente imponente, mesmo sofrendo a resistência da água.
          - Sabe qual é o lado bom de uma discussão pesada e séria, Hideto?
          Quando o mais novo dos dois homens voltou a falar, seus olhos brilhavam com algo que fez um arrepio gelado descer a espinha do guitarrista, que terminou prensado contra a beirada da benheira pelo loiro, em uma cópia exata dos seus gestos de mais cedo.
          Yoshiki trouxe seu rosto para bem perto do colega, que reprimiu mais um arrepio. Aproximando a boca do ouvido direito do homem de cabelos rosa, ele sussurrou:
          - O sexo selvagem de reconciliação, Hideto.
          O guitarrista imediatamente moveu a cabeça a fim de observar o líder da banda olho no olho, notando o sorriso zombeteiro e cheio de malícia no rosto do outro. Murmurando palavrões sozinho, ele jogou água na cara do baterista de propósito.
          - Kami-sama, Yoshiki! Nunca mais faça isso... Eu realmente achei que perderia uma parte vital ou coisa pior.
          - Que isso sirva de lição, Hide... - o outro replicou em um tom de advertência que tinha toda e qualquer carga de repreensão destruída pelo sorriso de contentamento que carregava no rosto - Para você nunca mais me tirar uma noite de sono em função de bebedeiras.
          - E se eu tirar seu sono... - o outro emendou, seus lábios também se curvando para cima quando o baterista prensou seu corpo molhado e objeto de olhares lascivos durante shows ao seu - Por outros... Motivos mais nobres?
          O loiro fechou os olhos momentaneamente ao sentir suas partes mais sensíveis sendo generosamente massageadas por uma das mãos do colega, mas recuperou o controle em segundos para poder responder:
          - Se eu estiver mau-humorado no dia seguinte por perder a hora e isso prejudicar o ensaio... A culpa será...
          - Yada yada yada. A culpa é sempre minha. - o outro suspirou dramaticamente, passando a mão livre pelos ombros de Yoshiki e subindo com os dedos pelo cabelo loiro do colega, contentamento absoluto circulando pelas suas veias - Muito bem, acordo fechado. Podemos pular as ameaças e passar para aquele sexo selvagem, certo? - a expressão de inocência fingida no rosto do guitarrista fez o outro homem rir.
          - Sempre apressado...
          - Hey! Eu acho que mereço ser recompensado. Eu esperei anos por isso...
          Inclinando-se para a frente e tocando os lábios macios de Hide com os seus, o loiro se permitiu um breve comentário que ilustrava tudo que ele não havia percebido com clareza até então... Mas que sempre estivera dentro dele, tal qual as memórias do dia descrito pelo outro músico que pareciam perder as densas camadas de névoa nas quais haviam sido escondidas.
          - Não é o único.
          E sem uma gota de álcool no seu sangue, Yoshiki terminou com qualquer distância que existia entre ambos, sabendo que as lembranças daquela noite seriam claras como a água que os envolvia.



FIM


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Notas finais do capítulo

Algumas notas "culturais":

1. Roppongi é um distrito de Tokyo, muito famoso pela sua vida noturna intensa que tem atrações para todos os gostos, nacionais e estrangeiros. A Yakuza tinha uma presença bem marcante na área, mas nos dias de hoje isso mudou.
2. Já Ginza é o bairro que tem o mercado de luxo de Tokyo, com grifes internacionais como Chanel, Louis Vuitton, Rolex, Gucci, Dior, Salvatore Ferragamo e (muitas) outras. O povo que mais consome esse mercado de alto luxo no mundo é o japonês. Como eu fiz um Yoshiki podre de rico na história e já bem endinheirado, queria que ele morasse num lugar muito high class— e escolhi Ginza. O único problema é que eu não sei se prédios residenciais são comuns nessa área... Fica o meu chute.
3. Sobre a expressão drunk dialing, eu a encontrei por acidente - mas ela realmente existe, como comprova a Wikipedia.