Hidden escrita por jduarte


Capítulo 73
Incontrolável


Notas iniciais do capítulo

Desculpem a demora!!!
Beijoooos e espero que gostem do capítulo :)
Ju!



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   Algo em sua voz me dava calafrios, e eu gostaria de afagar-lhe a cabeça.

- Então, sonho ruim? – me intimou novamente. Fiquei em estado de alerta. Ele queria saber muito, e isso me denunciava, apesar de que, parte de mim – mesmo mínima – já havia tomado consciência de que ele sabia o que eu era.

   O olhei de cima a baixo.

- Não. Muito bom, por sinal.

- Bem, já que sou médico, seria bom perguntar com o que a senhorita sonhou.

   Ri desdenhosamente.

- Flores.

- Flores?

- Flores, por quê?

   Ele revirou os olhos pegando um termômetro e medindo a temperatura da garotinha, que agora tirava um cochilo.

- Nada, só acho bom compartilharmos sonhos.

   Quem é que ele pensa que é? O Papa? Nem pro Papa eu contaria que sonhei com um de Bernardo e seu pai!, pensei.

- Hmm... Meu irmão ficará bem? – perguntei.

   Ele deu uma olhada por cima do ombro, e sorriu.

- Mais alguns dias... Talvez horas. Não vai demorar muito.

- O que vai acontecer? – perguntei, tentando não parecer uma desmiolada.

   King riu.

- Não sei ao certo.

   Não era aquela resposta que eu esperava receber, e foi isso que fez meu coração se acelerar, se não fosse pela falta de comida em meu estômago e a sombra preta que cruzou meus olhos, deixando-me momentaneamente descoordenada.

   Apertei as mãos, tentando me livrar da sensação de formigamento.

   Seu nome me dava agonia, e tremedeira na altura das têmporas. Era um aviso de perigo, e não era comum, mas muito familiar para mim. Tremendamente familiar.

- Está tudo bem? – perguntei quando King foi checar os pulsos de meu irmão.

   Ele não respondeu, e isso me causou um frio na barriga desconfortável. King checava tudo de meu irmão, e permanecia em silêncio.

- O que foi? – gritei.

   Ele dirigiu para mim um olhar gélido, sem vida, somente raiva. Raiva de quê? Barnabé apertou um botão cinza ao lado da cama de meu irmão, e foi checar a garotinha.

   Quando fiz a menção de tocá-lo, meu irmão começou a tremer. Tremer não de frio, mas de um jeito estranho. Eu podia ver ondulações sinistrar por debaixo de sua pele, e isso me inquietava.

- King? – perguntei baixinho.

   Ele se virou rapidamente. Minha mãe já estava do meu lado, e apertava meus ombros, tentando me tirar de perto de Rubens.

- Filha, vamos para lá! Será melhor para o doutor cuidar de seu irmão...

   Uma fagulha de raiva se acendeu em meu peito, me fazendo gritar:

- Tire as mãos de mim!

   Ela se assustou, mas continuou com as mãos em meus ombros.

- Eu só quero seu bem! – rebateu.

- Se quisesse meu bem, teria ficado, e não fugido como um ratinho com medo! – berrei.

   Isso a feriu. Feriu-a tanto que a frustração transpassou suas feições delicadas, transformando-as rapidamente numa de desgraça completa. Como se ela estivesse decepcionada.

   E devia! Consigo mesma! Como uma pessoa sã poderia ao menos cogitar a idéia de deixar os filhos sozinhos, e nem ligar para saber se ainda estavam vivos? Isso era babaquice!

 - Você não sabe de nada. – ela sussurrou com o queixo tremendo. Parecia que estava com vontade de chorar. Eu odiava quando minha mãe chorava.

   Travei a mandíbula, e não me deixei abalar. Seria demais se ela ainda tivesse a coragem de não me contar porque não ligou, nem deu sinais de vida.

   Aproximei-me de Rubens, e toquei seu braço. A pele estava fria, e as ondulações ficaram mais fortes e aparentes.

   Vários enfermeiros entraram no quarto, causando certo alvoroço. Eles vestiam máscaras de proteção, e luvas. E então, me perguntei o porquê de não estarmos usando uma. De longe, parecia que nós éramos os contagiosos. E seríamos de fato?, pensei refletindo.

   Eles tentavam desamarrar meu irmão, e tirar as agulhas. Me irritei quando pareceram lentos demais, Rubens não teria esse tempo precioso que os enfermeiros lerdos estavam gastando. Puxei seu corpo – já livre das agulhas intravenosas – de encontro com ao meu, sentindo a diferença de temperatura passar por minha blusa.

- Para onde? – perguntei.

   Os enfermeiros, chocados, correram para fora e encostaram-se a parede para esperar o elevador, que ainda estava no andar dos humanos. Eles só podem estar de brincadeira com a minha cara! Mamãe não havia saído, somente sentou-se à beira da cadeira, alheia a tudo o que acontecia fora de sua cabeça.

   Uma sensação desconfortante surgiu, subindo por minhas pernas, e passando por meus braços, os deixando formigando.

   O elevador estava demorando demais, e todos pareciam irritantemente calmos. Varri o lugar com os olhos e quase agradeci à Deus quando vi uma placa avisando que quartos desabilitados nove andares acima de onde estávamos. Uma saída, graças a Deus! Empurrei a porta que dava acesso à escada, e sem pensar se eles iriam me seguir ou não, corri o mais rápido para lá.

   Ouvi passos ritmados atrás de mim, como se eles estivessem marchando.

- Não vamos conseguir. – ouvi um dos enfermeiros – humano, pelo cheiro – dizer, afobado e baixo.

- Sim, nós vamos! – gritei.

   Pude ouvir sua surpresa, mas continuei firme. Estava prestes à desabar quando abri a porta, e uma lufada de ar encheu meus pulmões com dificuldade. Há quanto tempo eu estava sem respirar?

   Aquilo parecia ser uma prisão particular. Portas grandes de aço, sem janelas. O ar era gelado, e a visão limpa. Cadeiras pretas encostadas no final do corredor, e uma janela que deixava a luz entrar, as paredes pintadas de cinza claro, contrastando com as portas, davam um ar mais sombrio.

   Entrei em um dos primeiros quartos, e vasculhei com os olhos antes de deitar meu irmão carinhosamente na cama. Até que não era tão ruim. Escuro, mas nada absurdo. Afaguei seu rosto, e deixei uma lágrima gorda e brilhante cair sobre seu peito. Senti alguém puxar meu braço, e Rubens começou a ter convulsões, e se remexer para todo lado, para meu desespero. Quando tentei o tocar, ele abriu os olhos minimamente, e meu coração morreu.

   Por alguns segundos tive a certeza de que ele não iria sobreviver. O enfermeiro me puxou para trás mais bruscamente.

- Você vai morrer se ficar aqui! – ele gritou.

   Não tive forças para me libertar dele. Algo naquele lugar me deixava incompleta, inútil... humana. Ao sairmos, ouvi meu grito ecoar no silêncio, chamando por meu irmão. Meus pés se arrastavam, tentando me impulsionar para frente, enquanto o enfermeiro fazia de tudo para me manter em seus braços. E então, tudo se calou, formando uma atmosfera tão pesada e sinistra, que era quase palpável.

   King passou a tranca na porta, e se afastou bem na hora que ouvimos um rugido tão grande e alto, que fez a janela tremer altamente, e despencar quatro andares até o andar dos humanos, assustando a todos.

   Ouvi um barulho alto, como o aço ser afundado, e a tranca balançada diversas vezes. Na porta, buracos de tamanhos anormalmente grandes fizeram-me ter a certeza de que havia alguma coisa dentro do quarto, com meu irmão.

- Rubens! – gritei desesperada, me impulsionando mais ainda para abrir a porta.

   As batidas cessaram minimamente, e então recomeçaram com o dobro da velocidade. Como se respondessem ao meu grito.

   O enfermeiro me puxou para longe, enquanto as batidas se tornaram murros, e a tranca cedeu. Levantei, aproveitando que ele havia se distraído, e estava pronta para abrir a porta, quando um corpo se jogou sobre o meu, fazendo com que minhas costas protestassem, bem no momento que ela foi arremessada à alguns bons metros, acertando os enfermeiros. Se eles não fossem mutantes, já teriam morrido. O cheiro de sangue era definitivamente humano, e eles não haviam sobrevivido.

   A pessoa era extremamente forte e pesada em cima de mim, e me faltou o ar. Mas mesmo assim, devia à ele minha vida.

- Está bem? – perguntou sua voz rouca, fazendo minha cabeça girar.

- Você tá em cima de mim! – protestei quase sem ar.

   Ele saiu de cima de mim, e me puxou de encontro à seu peito quente e musculoso. Me debati minimamente e  corri para meu irmão.

   Por favor, esteja vivo! Esteja vivo!, implorei com lágrimas nos olhos.

   No canto escuro do quarto, uma pessoa grande e desnuda me encarava.

- Mila? – perguntou. Sua voz era suave, aveludada e me trazia paz.

   Os olhos era os mesmos, e traziam a infantilidade e pureza de meu irmão. O cabelo loiro estava bagunçado e uma penugem também loira cobria seu maxilar. Se não o conhecesse bem, diria que era um modelo. Seu tórax era firme, e ele respirava com dificuldade. Seus olhos estavam vermelhos, e me machucaram.

- Rubens? – quase engasguei.


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Notas finais do capítulo

continua????