Hidden escrita por jduarte


Capítulo 63
Irremediável


Notas iniciais do capítulo

Espero que gostem, e me desculpem pela demora :*



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/120186/chapter/63

   Eu não respirava, quer dizer, nenhum de nós respirava. Chen parecia ter se agarrado ao chão de uma forma inesperada, e ridícula, fazendo com que parecesse uma espécie de estátua.

- Se tocar em meu irmão novamente, seu braço será arrancado sem dó, nem piedade, compreendeu? – perguntei com a voz mais ameaçadora de alguém em choque, que poderia fazer.

   Ele somente assentiu, e se recompôs.

- Você limpa isso. Afinal, é por sua culpa que ela está morta...

   Vi seus olhos mudarem,  mas dessa vez, vieram carregados com culpa, desgosto e algum resquício de um sentimento profundo, e coração magoado.

   Mas antes que pudesse expressar tudo o que sentia com palavras de baixo calão, um barulho nos atiçou para fora da casa.

   Algo caia. E era só isso que eu conseguia raciocinar. Precisávamos sair da casa depressa, mas Chen já havia feito isso. E então, quando estava no meio da rua, ouvi um grito. Não um grito de criança, - afinal, Rubens havia grudado em meu braço desde que haviamos colocado os pés fora da casa -, mas sim um grito agudo. De mulher. E talvez até de dor.

   Fora da casa, a confusão começava a se mostrar. Pessoas corriam, tropeçavam, e acabavam sendo pisoteadas. Segurei meu irmão nos braços, para ter certeza de que ele não iria à nenhum lugar, e nem acabaria sendo pisoteado como as outras pessoas.

   Mas então, ao final daquela rua, percebi que havia um motivo pelo qual eles corriam. O palanque “móvel” de notícias havia chagado à cidade.

   Esse tal palanque era uma grande idiotice. Era mais ou menos o seguinte: pessoas que não fazem nada, à não ser perseguir nossa espécie a procura de vingança, trazendo sempre consigo uma notícia; ou sobre epidemias que traziamos debaixo de nossas peles – pura babaquice, devo admitir -, histórias bizarras de como venciam cada guerra contra os mutantes, e coisas assim.

   Era mentira, mas o povo de Snortwell não sabia disso. Ou sabiam, e acabavam se fazendo de idiotas para não sofrerem as consequencias de “saber demais”. Snortwell era uma cidade no meio do nada, com uma população exageradamente compulsiva, e ridícula, que acabava aceitando tudo e dedurando à todos, sem remorço.

- Rubens? – perguntei lhe apertando o ombro devagar.

   Ele me olhou com aquelas piscinas azuis e límpidas, marejadas com medo. Seus olhos me lembravam alguém. Alguém muito familiar, e extremamente

- Promete que ficará forte, apesar de tudo?

   Ele assentiu me apertando ainda mais. Sabia que uma hora Rubens teria de crescer, mas ainda não estava na hora. Ele não estava pronto.

   O palanque parou quase no meio da rua, espremido no meio dos casarões. Havia tantas pessoas na frente dele, que algumas tiveram até que se sentar no meio-fio da calçada. Fomos até lá, e o que eu mais temia aconteceu. O prefeito daquela buçanga já estava sabendo de tudo o que acontecia.

   Eu conseguia os ouvir.

   “Eles tem que saber a verdade! É para isso que viemos aqui!”

   “Não!” dizia a voz do prefeito.

   Uma voz muito familiar me chamou a atenção quando falou. Mas pelo contrário, não falava do palanque, mas sim de trás de mim.

   “Temos que agir rápido. Eu já a vi aqui. Ela tem um irmão mais novo, muito peculiar. E muito normal!” estremeci. Eles sabiam. “Ela pode nos ajudar!”

   “De maneira alguma!” uma voz rouca, sexy e extremamente apaixonante, disse. “É muito improvável achá-los no meio dessa multidão. E é perigoso para eles.”

   “E por algum acaso você está do lado deles?”

   Parei de ouvir quando a voz aguda do prefeito surgiu dos auto-falantes instalados na rua, berraram alto, fazendo com que minha vontade de colocar as mãos no ouvido aumentasse relativamente. Mas não adiantaria nada. Ainda estaria ouvindo boa parte das notícias.

   O ruim de se morar em uma cidade pequena, é que, não importa para onde você vá, sempre dará na mesma rua, conseguirá ouvir as mesmas coisas, e sempre, não importa onde você se esconda, irão te encontrar.

- Cidadãos de Snortwell! Venho lhes trazer notícias da fronteira 28. Estamos em estado de alerta total! Os mutantes decidiram recuar, mas poderá ser por somente alguns dias. Parece que eles planejam contra-atacar, em conjunto com os mestiços. A verdadeira guerra começará. Tirem suas crianças, e grávidas da cidade. Poderá ser uma catástrofe de escala gigantesca!

   Estremeci quando alguém encapuzado parou ao meu lado. Minha pele quente encontrou o tecido de sua capa, e me fez recuar por instinto. Ele carregava nas costas somente uma flecha, e um arco relativamente pequeno.

   Oh, não! Isso não é nada bom!, pensei recuando ainda mais.

   Uma pessoa “camuflada”, no meio de uma multidão, apontando uma flecha para o palanque, não era definitivamente a definição de maravilhoso.

   Quando a pessoa encapuzada lançou a flecha, ela saiu rodopiando do arco, e foi parar no meio do papel que o prefeito segurava, que acabou soltando de suas mãos, e prendeu na caixa de som mestre que reproduzia todo o som.

   Por um segundo, ouvi uma respiração baixa vindo da pessoa ao meu lado, e quase como uma risada fraca. Mas não do tipo: “ha-ha-ha!” ou “mua-ha-ha”, foi mais do tipo reconfortante. Deliciosa, e que eu poderia desfrutar todos os dias se fosse possível.

   O prefeito ficou chocado, e pegou o microfone, gritando:

- Quem foi o autor de tal feito? Diga-me!

   E a pessoa continuava lá. Parada, como se ficasse invisível para as outras pessoas. Mas eu sabia que não estava, por dois motivos. Primeiro: Todas as pessoas se viraram para ele no segundo que o prefeito apontou para o peito dele, como se o estivesse acusando com aquele dedo torto e desengonçado, e segundo: eu ouvi o barulho da arma, como se ela fosse carregada por alguém, e o gatilho sendo pressionado.

   Tudo aconteceu tão rápido, que quando recobrei a consciência, a pessoa que havia atirado na direção do prefeito colocava a mão no ombro, e gemia de dor. Coloquei a mão em seu rosto, e segurei a pequena mão de Rubens nas minhas.

   Todo mundo nos olhava, mas isso não me importava, só acabava sendo inoportuno, e mais fácil para nos achar.

- Não. Me deixe. Eles irão achar vocês! – disse a pessoa, que agora conseguia reconhecer pela voz, que era um homem.

- Que eles se danem!


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Continua??