O Diário de um Semideus escrita por H Lounie


Capítulo 16
O traidor


Notas iniciais do capítulo

Estava ouvindo a musica menos de um segundo, da banda Rosa de Saron quando uma parte me chamou a atenção, então esse capítulo tem uma música. Eu imaginei Nico sentindo mais ou menos isso depois da morte de Lyra



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Nico

Eu apenas gostaria que me deixassem em paz, gostaria que parassem de fingir que se importam comigo, que sentem muito. Qual é? Só eu sei o que estou sentindo, como eles podem dizer que sentem muito? O tempo se arrastava, as horas não passavam e eu parecia um maldito zumbi atormentado.

O que posso dizer sobre Lyra? Acho que os melhores dias da minha vida foram os dias que estive com ela, apesar de ser tão pouco, era realmente incrível saber que a garota que mais amava correspondia meus sentimentos. Pensar na noite com ela no central Park, quando em um impulso surpreendente eu a beijei e depois dormi com meus braços ao redor dela a noite toda era realmente doloroso, eu nunca mais teria aquilo, mesmo que corresse agora para o reino de meu pai. Afinal, o que eu encontraria? Um fantasma, um fragmento do que um dia foi a garota que eu amei?

Estava sentado perto dos campos de morango, um lugar que me fazia lembrar Lyra, vez que era comum vê-la ali se metendo em encrencas junto com Travis e Connor. Nick, o irmão que ela mais gostava, estava sentado não muito distante de mim, tocando uma música em seu violão. A música era bonita e sua letra traduzia meus sentimentos.

Lembro de nós dois sorrindo na escada aqui. Estava tudo tão bem e de repente acabou. Vozes no portão, passos no saguão, poderia ser você, mas faz tempo que partiu. Deixou algo aqui, e pouco a pouco encontro seus sinais

Deitei-me no chão enquanto continuava a ouvir a triste música que Nick tocava, deixando meu olhar se perder no céu.

Menos de um segundo e eu já perco o ar. Quase um minuto, quero te encontrar. É um sentimento que preciso controlar. Porque você se foi, não está aqui.

Pensava em quanto tempo perdi, quero dizer, se soubesse que o fim era assim tão inevitável eu poderia ter sido mais rápido, ter tomado coragem, mas acredito que isso só tornaria as coisas mais difíceis agora, eu teria mais história para lembrar.

Tudo que ficou, mexe com meu interior, isso afeta meus sentidos. Foi o seu cheiro que sumiu. Tudo acabou, interrompeu-se tudo que existiu.

Sentia meu coração bater de maneira ritmada, como se estivesse seguindo o toque triste da música. A letra era cortada pelos soluços de Nick, ele também estava sofrendo, ele perdeu uma irmã, uma amiga. Eu sabia bem o que era isso.

Partiu num dia qualquer, sem ao menos dizer adeus. E o que ficou? Um coração que sofre como quem espera a próxima entrada da estação. E o que separa o frio do calor? É a emoção de saber que vou poder te reencontrar um dia. Eternamente te encontrar. Eternamente encontrar você.

Assim que a música acabou, Nick se levantou e rumou para o seu chalé. Eu continue ali, pensando na música que havia acabado de ouvir e no quanto ela fazia sentido para mim, o quanto parecia feita a partir de meus sentimentos. Fechei meus olhos e rapidamente adormeci.

Era o mesmo sonho. Entrei em casa pequena, de madeira, tipo uma destas cabanas de montanha. O já familiar cheiro de umidade e sujeira me deu boas vindas mais uma vez. Fui andando em direção a parede suja, estava ansioso para me afundar em pensamentos e ter Lyra comigo novamente, mas quando olhei em direção a parede oposta o que vi fez com que eu parasse estático.

Alguém me esperava – Uma linda jovem de cabelos dourados e olhos cor do céu no entardecer.

– Lyra? –Eu a encarei, completamente chocado.

– Feliz aniversário, Nico.

O sorriso dela inundou o quarto.

– Você parece... Surpreso. – Ela continuou, vendo que eu estava sem palavras.

– Mas o quê... ? – Quando finalmente consegui dizer ela me interrompeu fazendo um gesto com as mãos.

– Só vim fazer você se sentir mais velho. Esqueceu que dia é hoje? - Ela sorriu calorosamente - Lugar estranho para se viver, não acha?

Não consegui responder. Apenas a fitava, pasmo, boquiaberto. A cena devia parecer cômica, pois Lyra ria abertamente agora.

– Onde você esteve? – Falei, ou melhor, gritei alvoroçado e completamente surpreso.

Vi Lyra recuar ao som que saiu de minha boca. O tom alto de minha voz claramente a assustou. Minhas desculpas saíram em um jato, havia coisas que eu precisava dizer:

– Desculpe-me Lyra, só estou muito surpreso em vê-la novamente. Você sumiu, me deixou lá no vale da morte, não voltou mais, queria tanto te ver e agora você está aqui...

– Shhh! – ela me interrompeu. – Tudo bem, eu entendo, também queria te ver. Porque afinal hoje é um dia muito especial.

– Não é especial.

– É sim.

– Acredito que deixa de ser especial quando a gente nem ao menos sabe quantos anos tem.

Fui andando lentamente até a parede onde Lyra estava encostada, não queria assustá-la novamente. Esperava que talvez pudesse abraçá-la ou ao menos pegar a sua mão. Quando eu cheguei mais perto ela começou a se mover, indo em direção a janela.

– A vista daqui não é muito bonita.

– Eu sei, mas não ligo, não fico olhando pela janela.

Parei atrás dela, a menos de cinqüenta centímetros de seu corpo quente. Ela foi se virando para trás lentamente, seus olhos fixos no chão.

– O que você faz para se distrair?

– Geralmente fico pensando em você, tentando encontrar soluções.

– Soluções?

– Soluções para nós dois.

– Ah.

Ah? Que diabos quer dizer Ah? Será Ah, não perca seu tempo seu idiota ou Ah, pobre garoto bobo ou talvez Ah, pare com isso não estou interessada em soluções? Difícil dizer, mas ela parecia triste, até desapontada. Talvez fosse Ah, já cansei de esperar soluções.

– Então, o que pretende fazer hoje? – Disse Lyra de repente, a expressão de tristeza em seu rosto foi substituída por uma de divertimento.

– Desde que seja com você, qualquer coisa.

Ela começou a se mover para frente, vindo em minha direção, estávamos a uns trinta centímetros. Meu coração martelava em meus ouvidos, quase rasgando meu tórax em um frenesi maluco. Talvez ela me abrace, talvez me deixar abraçá-la. Vinte centímetros. Talvez ela me beije. Dez centímetros. Fiquei imóvel, logo estaríamos perto o suficiente, comecei a levantar um braço ansioso para tocá-la e então ela mudou de direção e passou pelo meu lado direito, sem encostar-se a mim. Continuei imóvel. E ela se encostou à parede mais de um metro longe de mim.

– Então posso escolher o que vamos fazer?

– Claro, o que quiser.

– Lembra do lugar em que estivemos na última vez em que ficamos juntos, não lembra? No central Park?

– Sim, eu lembro. - Como poderia esquecer, você estava lá comigo, acrescentei mentalmente.

– Tem um lugar muito bonito, lá perto. – Ela foi andando pelo quarto.

– Que lugar? – Perguntei.

– Um lugar pequeno e aconchegante. Já esta quase amanhecendo, poderíamos ir lá passar o dia.

Olhei para ela por uma fração de segundo, ela sorriu sem graça, fitando o chão.

– E então? – Perguntou ela.

– O que estamos esperando? – Respondi, sorrindo de orelha a orelha .

Ela sorriu também. Senti uma onda de choque percorrer meu corpo, eu iria até o fim do mundo se Lyra estivesse comigo, ela nem precisaria pedir, disso tenho certeza.

Então o sonho mudou.

– Por aqui Nico. – Disse ela ao me avistar.

– Aonde vamos, meu amor?

– Você já vai ver.

Entravamos cada vez mais fundo no meio das árvores densas do central Park, o dia começava a amanhecer. A vontade de tocá-la me consumia, queria ver se ela era real (embora soubesse que não era), queria segurá-la em meus braços e nunca mais deixá-la sair de perto de mim.

Porém toda vez que eu tentava ela se esquivava de alguma forma, como se não quisesse que eu a tocasse. Eu queria perguntar por que, sentia o peso da duvida me arrebentar por dentro, queria saber se ela me perdoava por não ter feito nada e tê-la deixado morrer, queria o seu perdão na verdade, mesmo que aquilo fosse apenas fruto da minha imaginação. Precisava que ela me perdoasse por tê-la deixado, mesmo que sua morte não tenha sido totalmente culpa minha.

Seguimos uma trilha que acabava em uma cachoeira. Passamos por trás dela e entramos em uma gruta.

– Lindo, não acha?

– Sim, é muito lindo, amor.

O lugar era realmente incrível. As pedras pareciam ter sido esculpidas a mão e um lindo riacho de águas cristalinas passava por entre as pedras mais baixas, o lugar tinha cheiro de mel e flores.

Não sei quanto tempo fiquei apenas olhando para Lyra. Talvez horas. Ela apenas sorria. Não falava, não manifestava nenhum interesse em se aproximar de mim ou me deixar tocá-la.

Isso estava me deixando louco, quer dizer, é claro que eu estava muito feliz em tê-la por perto mesmo que estivesse imaginando isso, mas não é o suficiente, queria que fosse como antes, como namorados devem ser.

– Não vai falar nada? – Perguntei sorrindo.

– O que quer que eu fale?

– Como você está?

– Muito bem, como pode ver.

– Isso me deixa muito feliz, sabia?

– Que bom.

E sorriu. Sorriu de uma maneira incrivelmente graciosa. Totalmente inumana e surreal. Foi a gota d’água para mim. Na metade de um segundo eu já estava ao seu lado. – não cabendo em mim de vontade de tê-la em meus braços – E na outra metade, ela já tinha sumido. E levou tudo com ela: As pedras esculpidas a mão, o riacho, a beleza e o cheiro do lugar.

Eu estava sozinho em um lugar estranho, frio e sem vida. Havia somente pedras e mais pedras. Nem sequer existia uma cachoeira guardando a entrada da gruta. Era apenas o lugar que dava entrada para o reino de meu pai, a porta de Orfeus.

Recostei-me em uma pedra e fiquei totalmente imóvel, não acreditando no momento de total insanidade pelo qual havia passado e pior: acreditado.

Esta ficando cada vez mais terrível, especialmente desde que “vi” Lyra em meus sonhos pela primeira vez. Havia um vazio dentro de mim, um desespero que nada conseguia acalmar. Eu precisava dela, desejava-a com toda minha vontade. É como se a minha noite escura tivesse ficado ainda mais escura, há somente a dor e o desespero temperados com um pouco de angustia e muita solidão em mim.

– Você disse que íamos passar o dia todo juntos! – Gritei para o nada, minha voz ecoou e voltou a mim. – Pensei que você me amasse. – Agora minha voz foi apenas um sussurro.

Ficar longe de minha amada estava me deixando maluco. E esses sonhos só complicam mais as coisas. Passei o resto do dia sozinho na caverna, mente vazia, não pensando em nada. Não queria pensar porque pensar seria perigoso no momento, ela voltaria em questão de segundos e tudo mais perderia o sentido, não que as coisas tivessem algum sentido sem ela, mas também eu não precisava ficar alucinando o tempo todo.

Eu queria voltar à realidade. Cogitei conhecer outras garotas, mas descartei rapidamente a possibilidade, eles com certeza fariam lembrar-me de Lyra. Cogitei voltar para o reino de meu pai, mas também descartei a possibilidade.

Desisto. Não há lugar nesse mundo para mim.

Levantei e comecei a andar, não estava com vontade de ir a lugar nenhum. Pensei por um momento em ficar naquele lugar para sempre, esquecer qualquer coisa que tenha acontecido fora dele, inclusive Lyra, a garota que eu amava e que nunca mais veria. Mas muito a contragosto resolvi voltar para meu quartinho, meu santuário sagrado, uma vez lá ninguém me incomodaria nem procuraria por mim, acredito que nem Lyra me procuraria mais.

Assim que abri meus olhos, percebi que alguém mexia em meus cabelos, do mesmo modo que Lyra havia feito no central park.

– Olá. – Disse a garota.

Assim que liguei a voz à pessoa, entendi quem era e tratei logo de me levantar.

– Annith.

Desde que voltamos da missão essa garota filha de Éris tem me perseguido, se insinuando para mim e fazendo comentários maldosos sobre Lyra.

– Calma Nico, só estava querendo te animar um pouco.

Pensei em dizer que era impossível me animar, mas preferi ficar quieto. Annith quebrou o silêncio.

– Até quando vai ficar sofrendo por essa garota que morreu? Não acha que está na hora de encontrar outra pessoa? – Disse, jogando seu corpo para cima de mim.

– Não, eu não acho – Tentei me desvencilhar, mas ela me segurou.

– Qual é Nico? Ela morreu, já era, não vai mais voltar. Vai ver era mesmo ela que roubou o martelo da sala dos tronos e deu a deusa Perséfone em troca de...

Ela parou, fazendo cara de “eu disse demais”.

– Foi você. – Disse, empurrando-a para trás, compreendendo tudo, ligando peças em minha cabeça. Ela pareceu ofendida por um momento, mas depois um sorriso perverso surgiu em seus lábios.

– À discórdia, um brinde!

– Como pode? Mas, você não foi determinada apenas alguns dias antes da missão? Não... você...

– Ah, eu já sabia que era filha de Éris muito antes de conhecer Jessica, muito antes de saber que o acampamento existia. E bem, Perséfone também sabia. Ela me procurou há alguns anos, me dizendo quem era minha mãe e que eu teria uma chance de deixá-la orgulhosa. E afinal, qual é a melhor maneira de causar discórdia do que provocar uma guerra entre deuses?

– Mas como fez para entrar no Olimpo? Ninguém pode entrar, não se os deuses não convidarem ou não tiver algo importante para fazer...

– Aí é que está. – Disse ela, então tatuagens em delicadas formas tribais sugiram em seus braços. – Eu sou a líder do séquito de Hécate, eu recebi dons de tal deusa e fui levada por ela ao Olimpo, aí com minha mágica não foi difícil pegar o martelo e entregá-lo a Perséfone.

– Séquito de Hécate? O que é isso? Por que deixou que culpassem Lyra? Pensou nas conseqüências de uma guerra?

– A maior conseqüência foi a discórdia, deixei minha mãe orgulhosa, se quer saber. Você já está sabendo demais, Di Angelo. – Ela estalou os dedos e um cão infernal apareceu. – Está na hora de ir, mande lembranças aos seus amiguinhos desse acampamento fracassado por mim. A maior inimiga dos deuses está prestes a despertar e eu tenho pena de vocês. Mentira, eu não tenho pena de vocês.

Ela gargalhou e desapareceu nas sombras com o cão. Na mesma hora, corri para a casa grande.

– Quíron, acho que encontrei o traidor... e o deixei fugir.


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