Capítulo quatro

Guerra fria

"Na relação com a mulher, como presa e servidora da luxúria coletiva, expressa-se a infinita degradação na qual o homem existe para si mesmo, pois o segredo desta relação tem sua expressão inequívoca, decisiva, manifesta, desvelada, na relação do homem com a mulher e no modo de conceber a relação imediata, natural e genérica."

(Karl Marx)

Passei pelo corredor e vi a Bridget me encarando acompanhada do Florêncio e de suas clones. Entrei no banheiro e me olhei no espelho, mas não me senti bem com o que vi. Quando ia sair a porta não abria, mais essa para completar o dia.

— Que saco, quem foi que fez isso?

"Foi o Fabio ou a Bridget" pensei

— Me tirem daqui, socorro.

Disse numa tentativa frustrada de alguém ter ouvido

— Ah, meu Deus do céu será que nunca vão me tirar daqui? Sussurrei baixo.

Deu, agora que bateu o sinal vou ficar aqui trancada mesmo. Ninguém merece.

— Quem estiver ai, por favor, destranca esta porta. Falei quando ouvi passos perto do banheiro.

A última coisa que ouvi foi um baque no banheiro e a porta se abrindo, observei que era um uniforme de faxineira e a sua expressão era de alguém zangado.

— O que você está fazendo aqui, mocinha? Odeio quando me chamam assim— Não deveria estar em aula não?

— Você não viu que eu estava trancada, por acaso? Rebati a mulher.

— E você não sabe que depois de ouvir o sinal é para ir para a sala de aula e não ficar no banheiro se maquiando? Mostrava-se irada. Daqui a pouco isto iria virar um debate de perguntas.

— Eu não estava me maquiando. Gritei querendo retrucá-la— Eu acho que vocês deveriam cuidar melhor dos corredores senhora, porque me trancaram e nenhuma das faxineiras percebeu.

— Eu estava olhando tudo se você quer saber. Confirmou de um modo grosseiro.

Admito que não estava sendo educada, mas ela veio me dar sermão e disso eu estou cansada.

— E quem me trancou então?

Esperava ver uma expressão de duvida em seu rosto, mas não teve.

— Eu mesma. Respondeu dando um sorriso que mostrava um local esburacado pois todos os dentes ela não tinha.

— E você poderia fazer o favor de me ajudar explicando para a diretora o porquê de eu não estar em aula? Perguntei de forma calma.

— Não mesmo.

Estava rindo da minha cara, mas do nada ela parou e ficou séria

— Só se você me pedir desculpa, é...

— Manu. Respondi de um modo bravo.

— Isso, só se você pedir desculpa Manu.

Rolei os olhos, mas sabia que sem ela a diretora não acreditaria em mim e pedir desculpa não faz mal a ninguém exceto a Bridget, mas isso é não vem ao caso agora.

— Me desculpa senhora. Obedeci o que a mesma pediu, mas de má vontade — Agora você pode me ajudar? Perguntei resmungando, mas quando vi a sua expressão decepcionada soube o que queria - Por favor.

Ela mal respondeu e já foi andando para a sala como se nada tivesse acontecido. "Pelo menos ela vai me ajudar" Pensei ao ver que estava em frente a diretoria e que a porta foi aberta.

— Você aqui de novo, Manu? O que aconteceu, Carla? Perguntou zangada.

— Peguei ela se maquiando no banheiro em vez de ir para a aula e então ia trazê-la para cá.

Juro que nesse hora a minha vontade foi de dar um soco naquele rosto, mas a minha reação foi ficar parada pois percebi algo no gabinete que me deixou um tanto assustada e contransgida: um jornal ou melhor o jornal da cidade.

+ uma de Manu Toledo.

"Nesta segunda-feira, dia 26 de junho Manu Toledo fez a maior burrice de sua vida mostrando um vídeo no maior prêmio da escola humilhando a mais popular e linda Bridget Campos ao chamá-la de "corna" (que é mentira) pois na filmagem constava o seu então ex-namorado Fabio Kennedi beijando outra garota. Fontes seguras dizem que ela foi chorar no camarim depois da premiação, mas como ela é uma pessoa fria e sem escrúpulos acredito que fez isso por inveja da bondosa Bridget que nunca fez mal a alguém."

Atenciosamente,

Asoredop

Eu nem ligo mais para essas coisas, pois eu sei que é a Bridget. Quem em sã consciência iria por "poderosa" mesmo de trás para a frente como assinatura anônima? Se eu a conhecesse bem, diria que ela pediu ao seu pai rico que publicasse essa matéria no jornal e entregasse para todos desta cidade, principalmente para os meus pais que devem estar lendo neste exato momento.

Junto com a matéria tinha uma foto da premiação que eu estava triste e ao meu lado estava o Fabio que mesmo com a expressão raivosa a sua aparência estava linda já que os seus cabelos era loiros e os olhos azuis castanhos que eram diferente do Florêncio que é moreno de olhos pretos, mas ambos tem corpo definido.

Algo interferiu o meu pensamento.

— Não, diretora depois eu conversei com ela e percebi que ela tinha ficado trancada. Com certeza estava querendo se redimir— Pois eu a tranquei quando tinha batido o primeiro sinal.

Nunca desejei tanto estar sentada na minha carteira ouvindo o professor de geografia ensinando sobre a guerra fria como agora.

— Ata. Foi um erro meu, eu deveria ter avisado que os banheiros estariam fechados após o primeiro sinal.

Estava se mostrando arrependida, afinal diretores também erram pois são humanos mesmo ás vezes acharmos que não.

— Aliás vou dar o recado agora. E você Manu pode se dirigir a sala. Dando-me algo como um passe para entrar na sala, mesmo que atrasada.

Tive sorte de chegar na primeira aula e ninguém estar me bombardeado com perguntas e eu pude mostrar ao professor o bilhete e sentar na minha carteira me sentindo no paraíso. Admito que exagerei, mas estou em um lugar melhor do que antes.

Fiquei rabiscando carinhas felizes no meu caderno enquanto ouvia várias pessoas falando sobre festas e o final de semana, quando o "retardado" resolveu me importunar.

— Professor. Mesmo chegando atrasada a Manu mostra o respeito que tem por sua aula fazendo desenhos em vez de prestar atenção.

O Fabio deve ter batido a cabeça em algum poste para falar algo como isso. Ele não sabe que isso são rabiscos em vez de desenhos?

— Na minha opinião ela deveria responder uma pergunta já que ela se acha tão inteligente para não assistir a aula.

— Você tem toda a razão, Fabio. Tem como você reservar seu precioso tempo para responder uma misera pergunta deste professor, Manu?

NÃO!

— Eu tenho uma coisa a esclarecer, eu não estou desenhando e sim rabiscando. E agora você pode fazer a pergunta professor.

— Qual foi um dos motivos para que o acontecesse o fim da guerra fria? Perguntou convicto de que iria ouvir uma resposta errada.

— A queda no muro de Berlim que ocorreu em 1989.

Por essa eles não esperavam. Agora eu sei que valeu a pena ficar ouvindo meu pai falando sobre isso quando assistia a TvEscola e depois ficava me cobrando para ver se eu estava prestando atenção.