Série - Pacto escrita por LadySpohr


Capítulo 16
AMELIE


Notas iniciais do capítulo

PRA BRUNA! ;)



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No momento em que Elisabete entrou no quarto onde Amelie, Hugo, Marc e a mãe velavam Alexandra, que dormia pesadamente, Amelie sabia que algo estava errado.

Seus olhos azuis-escuro estavam vermelhos e inchados e embora sua voz estivesse firme e decidida em dizer que levaria Alexandra pra casa, ela notava a tristeza velada por trás de cada sentença.

Marc protestou, reclamando que Alexandra não estava boa o suficiente pra ir embora, e sua mãe o apoiou. Hugo não disse nada, estava observando atentamente Elisa em vez disso. Sua expressão sempre pacífica não dizia nada. Mas esse era o Hugo, nunca sabia o que ele estava pensando. Era enigmático por natureza, desde que era humano.

  • Não me importa, ela tem que ir, os pais dela ligam todo o tempo pra saber como ela está, embora não sejam as pessoas mais presentes do mundo – Elisa revirou os olhos, depois os direcionou pra amigaenrolada em cobertores – Graças a Deus ela está viva.

  • Em parte graças a você – a porta se abriu e o pai entrou graciosamente – Marc me contou que você é muito poderosa.

Ela franziu a testa, e não pareceu feliz.

  • Na verdade foi Amelie quem espantou o vampiro – Elisabete sorriu de leve pra ela – Obrigada, Amelie.

Amelie acenou com a cabeça, embora soubesse que não era bem verdade dela ter salvo a noite. Jean já tinha decidido baixar a crista assim que o vento se moveu ao redor deles, poderoso, claramente por ordem de Elisabete.

  • Era o mínimo que podia fazer depois do episódio de ter quase te comido – respondeu, pensando naquela noite horrível em que quase matou a única chance de sua família, só de relembrar dava pontada no estômago.

Elisa riu descontraída e depois virou-se para Marc.

  • Já que está tão preocupado com ela, embora eu não saiba por quê - ela deu ênfase seco nas últimas palavras – Você pode muito bem levá-la até a casa dela e escapulir de lá antes que ela acorde, provavelmente Alexandra vai achar que bebeu demais e nem vai lembrar do que aconteceu, o que vai ser bom, não quero ela envolvida em problemas que são grandes demais pra ela.

  • Tudo bem – concordou Marc sem hesitação – Faço o que for necessário pra mantê-la bem – ele enrolou uma mecha de cabelo de Alexandra no dedo, o que fez Amelie ter vontade chorar.

Seu irmão nunca amara ninguém. Seus romances, até mesmo antes de todos serem amaldiçoados tinham curto prazo, e continuou assim... até aquele momento. Agora ele tinha que lidar com o peso e a dor de amar alguém que não sabia o que ele era, e nem poderia saber, para própria segurança.

  • Faremos o que desejar, Elisabete – Julian declarou – Há algo que possamos fazer por você?

  • Não,  estou bem. Na verdade queria fazer um anúncio. Sei que de alguma maneira é por culpa de uma antepassada minha que vocês são, hum, vampiros. Minha avó chegará em breve, e poderemos sentar e  conversar sobre isso e se eu puder... - ela suspirou pesadamente, mas nada em seu rosto demonstrou fraqueza. Amelie sorriu por dentro. Ela era orgulhosa, como o foram todas as Saint Germain - … eu vou fazer o necessário pra que seja revertido. Mas preciso ouvir a história inteira primeiro, depois vou tirar minhas conclusões.

  • Perfeitamente, Elisabete, nós estaremos aqui para esclarecer tudo quando sua avó chegar – seu pai continuou, os olhos azuis cautelosos. Se bem o conhecia, ele já estava trabalhando alguma tática em sua mente perspicaz – Quando ela vai nos honrar com sua presença?

  • Semana que vem – respondeu Elisa, distraída – Podemos ir, Marc?

Ele se levantou da cadeira e tirou a coberta mais pesada de cima de Alexandra.

  • Estou pronto – anunciou, tirando os cabelos lisos e negros do rosto dela.

Não dava pra negar que ela era linda, conjeturou Amelie, sua pele era macia e azeitonada, os cabelos caiam até a cintura numa cortina de seda negra, e ela era alta, perfeita pra ficar ao lado do brutamontes que era o irmão.

  • Eu manterei o senhor informado sobre minha avó – Elisabete deu um aperto amigável de mãos com seu pai – Acho que na certa, ela vai querer falar com o senhor quando chegar.

  • Se ela não vier não importa, irei até ela – e ali estava uma certa ameaça velada, que somente a família notou. Agora que tinha as Saint Germain, ele não iria deixá-las escapar.

Mas Elisabete não conhecia Julian, por isso viu sua frase apenas como um gesto de cortesia. E talvez fosse melhor assim, pensou Amelie, um pouco nervosa.

  • Obrigada por me ajudarem esta noite – ela fez um gesto com as mãos que abrangeu a todos.

  • Ficamos felizes em ajudar – Isabelle se manifestou, sorrindo pra Elisabete. Mas assim como Hugo, ela não parava de analisar além da aparência e firmeza que a bruxa de cabelos castanhos demonstrava.

Será que Jacques tinha dito alguma coisa a ela?, refletiu Amelie, subitamente desconfiada. Só um assunto poderia chateá-la a ponto das lágrimas. E isso a fez sentir como se tivesse sido lançada numa piscina de ácido. Ele não podia. Não podia.

  • Sempre que precisar nos chame – reforçou Hugo, finalmente fazendo sua voz suave e educada soar – Não me meti nessa enrascada porque não seria de utilidade nenhuma, só o que faço e sei é tocar   piano.

  • E violino – acrescentou a mãe, orgulhosa.

Todos riram.

  • Chamo se precisar – Amelie teve de segurar o riso ao ouvir a resposta educada dela. Alguém como Elisabete se viraria muito bem sozinha, sem ajuda de um bando de vampiros lunáticos. Ela podia ser a maluca oficial, mas quando seus irmãos e pais queriam podiam ser bem psicóticos – Vamos, Marc.

Eles saíram do quarto devagar, e talvez não tivesse sido bom porque Jacques apareceu na porta bem na hora.

  • Precisa de ajuda? - ele se dirigiu a Marc, mas Amelie viu os olhos de Elisabete se acenderem de um jeito perigoso, e de novo observou a tênue onda de poder que emanava dela, a deixando mais alta, mais feiticeira do que nunca.

  • Seu irmão é suficientemente forte, Jacques, pode carregar Alexandra sem problemas.

Percebeu também que o pai observava a cena muito atentamente, a vista percorrendo do rosto de Jacques pro de Elisa num átimo.

Hugo trocou um olhar indagativo com ela.

Sua mãe tinha as sobrancelhas franzidas.

Então era oficial, alguma coisa tinha ocorrido entre eles, e tinha sido algo muito significativo pra deixar uma feiticeira ressentida e magoada.

  • Acho que sim – Jacques concordou com falsa humildade, sua voz estava rígida, como se ele estivesse contendo o que realmente queria dizer – Desculpe-me.

Elisabete encolheu os ombros indiferente e deu as costas, jogando os cabelos por cima do ombro ao cruzar a soleira, com muita dignidade. Como uma boa e segura feiticeira. Mesmo uma que estivesse vestida como o arco-íris. Com sinceridade, ela e a amiga eram as únicas que pareciam ficar bem com roupas extravagantes, Amelie constatou que pra variar iria ficar parecendo uma cópia boa de árvore de Natal se usasse as mesmas peças de roupas.

Marc nem reparara o clima tenso, estava ocupado demais checando se a manta de lã estava cobrindo todo o corpo de Alexandra.

Amelie sorriu ao ver a cena. Ele se preocupava mesmo com a garota.

Se ao menos ele fosse humano como ela...

Seu suspiro foi interrompido pela voz grave do pai, o que a fez prestar atenção nele e seu irmão mais velho.

  • Eu captei algum desentendimento ou foi só impressão? - o questionamento do pai veio num tom que não admitia mentiras, nem tentativas de evasão.

Amelie sentiu um arrepio subir pela espinha. Não era bom deixar Julian mau-humorado, ainda mais quando se tratava de um assunto relacionado a família. Ele jamais ia permitir que eles, seus volúveis e temperamentais filhos estragassem as coisas pra todos.

  • Acho que falei algo que não agradou nossa bruxa – respondeu Jacques, comedido – Mas não há com o que se preocupar, só estabelecemos alguns parâmetros de convivência, os quais aceitei, por livre vontade.

  • Ótimo. Fico feliz que tenha pensado em sua família antes de cometer algum dano - Julian comentou, depois se virou pra ela e a mãe – Vamos descer, está na hora da janta. Alienor trouxe um lanche excelente –  ele torceu o nariz rapidamente – Embora eu não goste de pensar de         quem ela o tirou.

  • Não pense, chérrie, só beba – sua mãe apertou suavemente o ombro do marido – Pensar demais não ajuda em nada.

  • Você tem razão, mon amour, você tem razão – ele riu, fazendo um aceno pros filhos – Vamos.

Hugo não se deteve, largou o livro que tinha nas mãos e andou atrás dos pais. Ela e Jacques ficaram. Amelie encarou o irmão e seus olhos tão vívidos, agora um tanto opacos.

  • O que você disse pra ela, seu merda de marca maior??? - sua paciência não era das melhores. Se ele tinha jogado tudo pro espaço por causa daquela puta que ele tinha amado séculos atrás, e mesmo que não soubesse que ela tinha agido de modo totalmente desonesto com  ele e Jean, não era por isso que não iria ouvir. Ou até mesmo levar umas pancadas.

  • Você sabe o que eu disse, Amelie – Jacques respondeu, asperamente –   Fique fora disso.

Amelie podia ser assustadora mesmo sem crise de esquizofrenia.

  • Não vou ficar! - sibilou, o corpo bonito e forte se enrijecendo como  pedra – Está na hora de superar suas crises, Jacques, você não é doente como eu! Anne está morta!

Foi como estalar o chicote na frente do leão. As mãos grandes em menos de segundo apertavam cruelmente seus braços brancos e longos.

  • Não se meta nisso, Amelie. Você não entende, não passou pelo que passei! - o irmão cuspiu em seu rosto, pontos cintilantes salpicando as íris agora negras.

  • O quê??? Não sou uma vampira também, Jacques? Como ousa pensar que seus problemas foram piores que os meus? - sussurrou ameaçadoramente, os membros tremendo de fúria, os olhos negros brilhantes de lágrimas de revolta – Por acaso teve que ser trancado desde que nasceu em sua própria casa?

A fúria de Jacques se aplacou ao ver sua expressão, soltando seus braços instantaneamente.

  • Perdoe-me, pétit – ele pediu, levando as mãos aos cabelos – Mas por quê tem que me enlouquecer tocando nesse assunto? Não disse várias vezes como é difícil?

Amelie não cedeu, ele precisava de uma dose de verdade. Talvez assim ele se apercebesse do erro que tinha cometido e pudesse remediá-lo.

  • Sim, é difícil porque não consegue se desligar de um fantasma! Ela não voltará nunca mais Jacques, ela está enterrada num túmulo nos  Innocents de Paris, você viu! Pare de lamentar por alguém que ajudou a condenar você e sua família!

  • Ela não teve escolha! - ele exclamou, o rosto se tingindo de vermelho, das primeiras lágrimas que escorriam de seus lindos olhos em décadas – Não gosto de admitir, mas foi assim!

  • Ela foi covarde, Jacques D'Crécy, encare isso – não queria soar tão dura e malvada, mas precisava tirá-lo do casulo, não iria permitir que ele se enterrasse mais agora que tinha uma chance.

  • Você não entende... - ele abanava a cabeça loucamente de um lado pro outro, os dedos arrancando alguns fios.

  • Entendo que se ela tivesse te amado como deveria, teria ido pra fogueira, em vez de te amaldiçoar pra se salvar.

  • Eu não permitiria que ela se matasse por mim.

  • O que você teria feito, então?

  • Eu encontraria uma solução! Como encontrei pra voltar pra casa da Cruzada, Amelie! Eu teria achado!

Amelie pendeu a cabeça pro lado, os cabelos caindo por seu rosto e ombros.

  • Eu sei que teria morrido por ela, Jacques, mas a verdade é que ela não   faria o mesmo por você. Anne era egoísta demais pra tal sacrifício – concluiu tristemente – Acho que não posso tentar mais do que isso, é de sua escolha enxergar os fatos verdadeiros e pensar que acaba de magoar a única mulher que gostou de você verdadeiramente em séculos, e talvez que seja seu modo de caminhar em frente e esquecer os fantasmas. Estou te pedindo, reflita, reflita muito sobre o que eu falei aqui, Jacques.

  • Ela não disse que me ama, Amelie – ele açoitou sardônico.

  • Claro que não, esterco de vaca, Elisabete é orgulhosa, e que mulher vai admitir tal coisa quando o homem que ama ainda tem outra em seus     pensamentos? Meu Deus, acorde!

O som do violino de Hugo acompanhou suas palavras, o trilar das cordas num som maravilhoso e trêmulo, sem dúvida alguma Vivaldi - ele sempre tocava alguma coisa pra família antes da “janta” - e ela, sorriu interiormente, lembrando que o irmão tivera aulas com o próprio, e até ela mesma o havia conhecido.

As gotas vermelhas de sangue se derramavam no rosto de Jacques enquanto o tinido forte e choroso ressoava por todos os cantos da casa.

Amelie suspirou.

- Perdão, mas era necessário que você ouvisse, lamento se te magoei – tocou o braço rígido e musculoso do irmão – Pense bem no que está fazendo – e então deixou-o sozinho com seus botões e lágrimas de sangue.

Não podia fazer mais nada, agora dependia do irmão recobrar o juízo.

Ela deu um rodopio no ar quando a música deixou de ser melancólica e passou a alegre e ousada. Esses sons a faziam lembrar das temporadas em Viena, nos lindos salões de baile, exclusivos para valsas.

Pensou que Jefferson ficaria bem com as roupas do século XIX, mas logo se desanimou. Ele estava todo caído por sua irmã pervertida, Alienor, que só brincaria com ele até enjoar e partiria pra outra. Em circunstâncias normais todos que se envolviam com ela viravam seu lanche, mas com a restrição dos de Castro a comida tinha que ser buscada fora da cidade, não que isso impedisse sua irmã de atormentar todos os garotos que pudesse. Adorava que ficassem rastejando em seus pés.

Um risinho discreto apareceu no canto dos lábios vermelho-rubi de Amelie.

Jacques podia desistir se quisesse, mas ela era filha de Isabelle e Julian D'Crécy. Ela não desistia. Afinal, sua mente era tão ardilosa quanto a dos pais.


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Notas finais do capítulo

;)



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