Sobrado Azul escrita por Chiisana Hana


Capítulo 3
Capítulo III




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Os personagens de Saint Seiya pertencem ao tio Kurumada e é ele quem enche os bolsinhos. Todos os outros personagens são criações minhas, eu não ganho nenhum centavo com eles, mas morro de ciúmes.

SOBRADO AZUL

Chiisana Hana

Beta-reader: Nina Neviani

Capítulo III

Constrangidos com a pequena confusão do mestre de kung-fu, Shiryu e Shunrei voltam para casa em silêncio, ambos pensando no que acabara de acontecer.

Shunrei dedicara sua vida aos estudos e aos cuidados com o avô, já octogenário quando a encontrara abandonada na floresta. Quando pensava em namorar, casar, ter filhos, imaginava um príncipe como os das histórias infantis, como quase todas as mocinhas sonhadoras. Mas era sempre um pensamento muito remoto que, pensava ela, nunca se concretizaria, até porque sabe bem que os príncipes não existem. Entretanto, nas últimas vinte e quatro horas, ela fora salva do "monstro" por cinco cavalheiros e aquele que está a seu lado agora é alguém bem próximo do estereótipo do príncipe dos sonhos. Mal o conhece, sabe apenas que é justo, trabalhador e sincero, e isso já é algo bem raro. Começa a pensar no que o professor de kung-fu disse. "Shiryu seria um ótimo namorado", pensa, e seu coração começa a bater mais forte. Censura-se internamente ao se imaginar beijando-o. Certamente sua face ficara vermelha, por isso, ela torce para que ele não perceba.

Enquanto dirige, Shiryu também repassa sua vida mentalmente. Fora deixado no orfanato com algumas horas de nascido, sem qualquer identificação, e ainda sujo dos vestígios do parto. A polícia procurara registros de todas as parturientes da noite de quatro de outubro, mas não havia nenhum. Provavelmente ele tinha nascido em casa. O dono do orfanato, avô de Saori, deu-lhe o nome Shiryu, "Dragão púrpura", porque na noite em que ele chegara essa era a cor do céu, fechado em tempestade, e os raios que cortavam o horizonte lembravam dragões descendo à terra. O pouco carinho que conhecera na infância vinha das babás do orfanato. Sempre ouvia os outros meninos falarem das coisas que se lembravam de suas mães ou de seus pais, mas ele nada tinha a contar. Tampouco alimentava a esperança de ser adotado. Desde cedo fora ensinado a não esperar nada, pois com aquele par de olhos azuis, não teria chance com casais orientais, e dificilmente estrangeiros se interessariam por ele. "Os casais procuram filhos parecidos com eles", diziam-lhe. Assim, habituou-se ao orfanato. Obedecia às "tias", estudava, tirava boas notas, tinha um excelente comportamento, nunca reclamava de nada, nunca dava trabalho a ninguém e aprendeu a ser independente desde muito cedo. Às vezes, alguma tia lhe dava um agrado no aniversário ou no Natal. Como gostava de ganhar livros, quase sempre era esse seu presente.

Aos dezesseis anos, começou a trabalhar como office boy para custear seus estudos. Queria entrar na faculdade de Direito e para isso, tinha que começar a se preparar desde cedo. Foi aprovado no vestibular do ano seguinte, quando teve de deixar o orfanato. Ikki, que saíra do lugar um ano antes, convidou-o para morar no sobrado que herdara da mãe, onde vivia com o irmão mais novo, e onde Hyoga também já morava. Já na faculdade, passou um ano se preparando e conseguiu ser aprovado num concurso para técnico judiciário. Agora, com o salário que tem, poderia até morar sozinho se quisesse, mas já mora no sobrado há dois anos e gosta de ter a companhia dos amigos. Com tais pensamentos, ele chega à constatação de que sua vida ainda é praticamente a mesma do orfanato: estudar, tirar boas notas, trabalhar, ter um comportamento irrepreensível, enfim, ser um bom rapaz, mas ainda muito longe de ser feliz. Nunca tinha namorado e o único beijo que dera na vida tinha sido sofrível. Agora, depois de seu mestre achar que ele e Shunrei eram namorados, namorá-la de verdade parece-lhe a possibilidade mais fascinante do mundo. Seu corpo estremece levemente ao imaginar seus lábios aproximando-se dos dela. Balança a cabeça devagar, num movimento quase imperceptível. "Não devo devanear enquanto dirijo", ele pensa. "E tomara que ela não tenha percebido que eu estava longe."

Shiryu continua dirigindo em silêncio. Shunrei também nada diz. Quando chegam em casa, Ikki os espera na porta.

– Aonde diabos vocês se meteram? – grita ele. – Quase uma hora da tarde e vocês demorando para voltar com o almoço! Eu tenho que ir trabalhar, sabia, Shiryu?

– Pare com esse escândalo – Shiryu diz, saindo do carro impaciente e batendo a porta com força maior do que a necessária. – Você só começa a trabalhar às três.

– Epa, epa! O que houve? Está irritado! Você não é de ficar assim. Quem foi o infeliz que conseguiu tirar você do sério?

– Não foi ninguém – Shiryu diz, sem sequer olhar para Ikki. – Vamos, Shunrei.

Ela o segue, mas ao vê-lo irritado, logo imagina que deve ter sido por causa do mal-entendido com o mestre de kung-fu.

– Antes de eu sair você vai me contar tudo que houve! – Ikki diz, segurando Shiryu pelo braço.

– Eu já disse que não houve nada – ele retruca, desvencilhando-se de Ikki e entrando no sobrado com Shunrei.

– Pode deixar, Shiryu, eu sirvo o almoço – ela diz, tirando as sacolas com as marmitas da mão dele.

– Eu quero ajudar você – Shiryu diz, ainda muito sério.

– Tá… – ela responde, visivelmente triste.

– O que foi? Está pensando que eu estou irritado por causa de você? – ele a surpreende com as perguntas.

– Bom…é... quer dizer, não... – confunde-se Shunrei. – Talvez… é que antes você não parecia irritado.

– Não tem nada a ver com você – ele explica olhando-a nos olhos. – Eu me irritei comigo mesmo. Enquanto vínhamos no carro, eu estava pensando na minha vida e cheguei a algumas conclusões. Foi só isso. Não tem nada a ver com você.

– Que bom. Achei que tinha dito ou feito alguma coisa – ela responde, sentindo-se aliviada por não ser o motivo da irritação dele.

– Você só me faz bem – ele diz, mas logo se envergonha de ter dito tal coisa e vai à sala chamar os outros. – O almoço está na mesa, pessoal.

– Até que enfim! – resmunga Seiya. – Já estou quase desmaiando de fome.

– Todos nós estamos – completa Shun.

– Trabalhamos duro essa manhã, mas pelo menos o quarto da Shunrei está quase pronto – Hyoga diz, sentando-se à mesa.

– É, mas não vamos deixar que ela veja como está! – Shun exclama ao entrar na cozinha.

– Ah, isso é maldade! Você não vai fazer isso comigo, vai? – ela questiona, curiosa.

– Vou, sim! Vai ser surpresa! – Shun retruca.

– Está bem. Se não tem jeito...

– Então, gente, já que hoje não vai ter campeonato de vídeo game, que tal irmos todos ao shopping? – sugere Seiya, sentado à mesa, antes de enfiar um grande naco de peixe na boca.

– Não conte comigo – Shiryu diz. – Eu vou dormir. E depois vou estudar.

– Como seeeempre! – Seiya exclama com a boca cheia, batendo nas costas de Shiryu. – Você nunca sai com a gente! É por isso que não arruma namorada.

Shiryu volta-se para Seiya com o olhar faiscando de raiva. A vontade dele é desferir um belo soco no meio da face do amigo. Contudo, ele apenas respira fundo e diz:

– É, como sempre.

– Ah, sem graça! – Seiya berra. – Então eu vou para a casa da minha namorada.

– É o melhor que você faz, Seiya – Hyoga diz. – Eu e Shun vamos terminar o quarto da Shunrei, e mais tarde também vou ver a Eiri.

– E eu vou sair pra ver a Ju – Shun diz.

– Aproveita bastante sua folga que amanhã você vai trabalhar – afirma Ikki, batendo nas costas de Shun.

– Pois é. Esse emprego que você arrumou pra mim é uma bomba. Ninguém merece trabalhar dia de domingo.

– Ainda reclama? Uma moleza daquelas! Você não faz nada, só fica lá no caixa do café, posando de bonitinho e atendendo as coroas que se derretem por menininhos.

– Ikki! – censura Shun.

– É verdade! Bom, mas agora que já engoli o rango, deixa eu ir trabalhar.

– Pelo menos no emprego você chega na hora – Shun comenta, ainda com ar de censura.

– Ah, tenho que dar exemplo para os subalternos – retruca Ikki, levantando-se da mesa. – Fui!

Depois do almoço, Hyoga e Shun vão terminar de pintar o quartinho de Shunrei, enquanto ela lava os pratos. Seiya sai correndo para a casa da namorada, antes de alguém chamá-lo para fazer alguma coisa. Shiryu pega o colchão de visitas e põe em seu quarto, pois imagina que Shunrei também gostará de descansar.

– Essa droga é mesmo podre – ele diz, referindo-se ao colchão. – Shun tem toda razão em não querer que Shunrei durma nisso. Sabe Deus o que já fizeram em cima desse troço...

Ele forra uma colcha bastante grossa sobre o colchão e pega um travesseiro. Depois tira a camisa, deita-se e adormece rapidamente, deixando sua cama livre para a mocinha.

–S -A -

Mais tarde, na loja de material esportivo onde Ikki é gerente, uma pequena confusão se forma no setor de calçados e ele é chamado para intervir. Ao se aproximar, tem uma grande surpresa ao ver quem é a responsável pela confusão.

– Você? Você é o gerente? – brada a moça, olhando perplexa para o rapaz de cabelos azuis.

– Eu mesmo. Ikki Amamiya, prazer – ele diz, rindo sarcástico.

– Ai...saco. Como é que deixam um sujeito de cabelo azul virar gerente?

– Qual o problema, senhorita Pandora? A cor do cabelo não mostra a competência da pessoa – ele retruca, sorridente.

– Como sabe meu nome?

– Eu sei tudo que eu quero saber.

– Ai... Tenho mesmo que falar com você?

– Tem. Eu sou o chefe aqui. Mais que eu, só o dono, que aliás, também pinta o cabelo de azul.

– É uma gangue, é? Aff... Quero falar com o dono da loja, então! Antes ele que você!

– Bom, se quiser esperar ele voltar da Grécia, talvez consiga falar com ele.

– Hunf... Melhor resolver logo com você mesmo. O problema é que o tênis que eu comprei ficou apertado e quero trocar, mas o funcionário disse que só pode trocar se for defeito de fabricação.

– É verdade. E nesse caso foi defeito da compradora! Não experimentou, não?

– É assim que você trata os clientes da loja?

– Só os clientes de quem gosto. Vou quebrar esse galho pra você e trocar por um número maior, mas não vá se acostumando. Pode ir direto ao caixa. Diga que eu mandei fazer a troca.

– Não faz mais que a sua obrigação – ela diz, séria, dirigindo-se ao caixa. "Imbecil", pensa. "Muito imbecil. Um ridículo que se acha o todo-poderoso."

– Da próxima vez, preste atenção ao tamanho do seu pé – ele diz rindo, num tom bastante alto.

Ela se vira e faz uma careta para ele.

– Já está no papo – Ikki diz consigo, rindo triunfante.

– Ela é bonita, chefe – comenta um funcionário.

– Vai trabalhar antes que eu desconte do seu salário esses minutos de ócio – Ikki retruca.

–S -A -

No sobrado...

Shunrei já lavara os pratos e arrumara a cozinha. Shun e Hyoga saíram para ver suas respectivas namoradas, e agora ela está sozinha com Shiryu, que ainda dorme. Contém o impulso de olhar como está seu futuro quartinho e começa a subir a escada para descansar também. Para na metade ao lembrar que o rapaz certamente estaria dormindo em sua própria cama. "Posso descansar na cama do Hyoga, então", pensa. "Serão só uns minutinhos. Ele nem ficará sabendo." Ao entrar no quarto, depara-se com Shiryu dormindo tranqüilamente no colchão, sem camisa, os cabelos esparramados, o enorme dragão tatuado em suas costas quase todo à mostra.

"Deve ter pensado que eu gostaria de descansar depois de limpar a cozinha. Tão cavalheiro...", ela pensa, e completa: "Já que ele deixou a cama para mim, vou aproveitar." A menina deita-se na cama de Shiryu e põe-se a lembrar do avô. "Até nisso Shiryu parece com ele", pensa ela, sorrindo nostálgica ao lembrar o tigre que o avô tatuara nas costas quando jovem. Ela já conhecera o velho tigre enrugado e desbotado, mas certamente na juventude seu avô era tão bonito quanto Shiryu e a tatuagem dele devia chamar tanta atenção quanto a do rapaz.

– Ele ia gostar do Shiryu... – ela murmura. – Os dois se dariam bem, afinal são tão parecidos. Meu avô faria as mesmas coisas que ele faz...

Pensando na comparação entre Shiryu e seu avô, ela também adormece.

–S -A -

Na casa de June...

– Como é que é? – pergunta a loira, levantando-se irritada da poltrona onde estava sentada. – Tem uma mulher morando com vocês?

– É, mas é a Shunrei... – Shun tenta explicar.

– E daí? Pouco importa quem é! Não estou gostando disso, Shun. Ontem você me contou que ficou todo amiguinho dessa tal de Shunrei desde que a conheceu e agora ela está morando na sua casa? Você está me traindo com ela?

– Não! Não é nada disso! Eu não tenho nada com a Shunrei. Ela é só uma grande amiga.

– Grande amiga! Grande amiga! Morando na mesma casa! Ela é louca? Ou é tarada? Morar numa casa com cinco homens é no mínimo muito suspeito!

– June! Eu já expliquei que ela não teve escolha! – altera-se Shun, que já começa a perder a paciência com o chilique da namorada.

– Não quero nem saber. Enquanto ela estiver lá, você não encosta um dedo em mim.

– Eu não vou botar a Shunrei pra fora de casa. Ela não tem pra onde ir.

– Prefere perder a namorada?

– Qual é o problema, June? Não confia em mim?

– Não é questão de confiança! Só sei que quero ela na rua!

– Sem chance. Nós já arrumamos o quarto dela.

– Ah, e ainda arrumaram quarto pra ela? É brincadeira, né? Fala que é brincadeira.

– Não é.

– Shun! – ela grita ainda mais alto. – Por favor!

– Chega de escândalo, Ju. Se você realmente me ama, não vai me deixar por causa de um ataque de ciúmes idiota.

– Tá, tá... mas que ela não encoste um dedo em você! – June acaba cedendo, e senta-se no colo de Shun.

– Essa minha namorada é tão ciumenta... – Shun diz, acariciando a face dela.

– Muito! Você que me deixa assim. Quem manda ser tão lindo?

– Eu?

– É. Lindo, lindo, lindo. Mas que essa história de ajudar a moça é muito estranha, ah, isso é...

– Juro que não é nada demais. Só queremos ajudá-la mesmo. Ela é uma menina muito sofrida, Ju.

– Tá, eu deixo vocês ficarem com ela lá...

– Isso. Agora desfaz essa cara emburrada e dá um beijo no seu namoradinho que tanto te ama.

– Ah, meu fofo... – ela diz, antes de beijá-lo intensamente.

–S -A -

Orfanato Filhos das Estrelas.

Hyoga e Eiri conversam no quartinho que ela ocupa nos fundos do local.

– Poxa, coitada dessa moça – comenta Eiri, acariciando os cabelos loiros do namorado que acaba de lhe contar tudo que acontecera no sobrado nas últimas horas.

– Não é? Eu não vou dizer que estou adorando essa idéia de ter mais alguém lá no sobrado, mas a pobre não tem para onde ir.

– Podia ser eu... – ela continua, pensativa. – A minha sorte foi ter ficado trabalhando aqui mesmo no orfanato. Senão para onde eu iria? Será que eu teria dinheiro para pagar um quartinho? Acho que não...

– Pois é... eu não ia reclamar se você fosse morar lá no sobrado – Hyoga diz, enlaçando a cintura da namorada e beijando-lhe a nuca.

– Hum... eu também não... – Ela volta o rosto para ele e o beija. – Eu te amo tanto, loirinho.

– Eu também amo você – ele diz, beijando a nuca da moça e começando a abrir-lhe a blusa.

– Agora não, Hyoguinha. Eu tenho que trabalhar.

– Daqui a pouco você vai. Vamos namorar um pouco – ele continua a beijar a nuca dela.

– Ai, meu Deus! Espera... deixa eu trancar a porta. Nunca se sabe quando as crianças vão entrar...

– Melhor fechar mesmo. Já pensou se pegam a gente em situação constrangedora?

– Deus me livre! Eu ia para a rua na mesma hora! – ela diz, e faz o sinal da cruz. Depois de fechar a porta, a moça se joga nos braços de Hyoga.

–S -A -

Mansão Kido.

– Então é isso, ela está lá e vai ficar conosco. O que acha? – pergunta Seiya, esperando um escândalo da namorada por causa da presença de Shunrei no sobrado.

– Bom, se não tem jeito, que seja – ela diz.

– Ué? Não vai gritar? Não vai me bater? Não vai pedir para eu pedir para a galera mandar a Shunrei embora?

– Não. Por que eu faria isso?

– Porque você é ciumenta e possessiva.

– Eu sou mesmo... Mas sei reconhecer quando a situação é grave. O que essa moça passou é tão difícil, Seiya. Eu também perdi meu avô. Sei como ela está se sentindo. E pelo menos eu tenho uma bela casa, bons empregados, um mordomo que cuida de mim como se fosse meu pai. Acho justo que acolham a garota.

– Poxa, você me surpreendeu.

– Não é bom?

– Claro, minha coisinha generosa.

– Que brega, Seiya! Mas você disse que ela está sem cama?

– É. Só tem aquele colchão podre que o Ikki usa para as coisas obscuras.

– Hum... Que tal fazermos umas compras?

– Demorou!

–S -A -

Shunrei acorda do cochilo assim que começa a anoitecer. Dá mais uma olhada para Shiryu, que ainda dorme no colchão. "Tão lindo dormindo... Ai, por que meu coração dispara quando eu olho pra ele?", ela pensa antes de ir para o andar de baixo.

– Oh, meu Deus! Eu estou apaixonada por ele! E é tão bom! – ela diz em voz baixa, descendo a escada.

O telefone toca. Ela corre para atender.

– Oi, Shun! – cumprimenta.

– Oi, Shu. Olha, não vou jantar em casa. Os pais da June me convidaram para jantar aqui. O Ikki também não deve jantar, ele trabalha até as dez. E os outros dois, se aparecerem para o jantar, não têm hora para chegar, então, você pode jantar logo, viu? Não fique esperando.

– Está bem. Vou preparar alguma coisa para mim e para o Shiryu. Pode ser que ele acorde.

– Ainda está dormindo? Que estranho! Geralmente ele passa o sábado grudado nos livros...

– Acho que está muito cansado. Teve muito trabalho comigo, coitado.

– Imagina. Boa noite, Shunzinha!

– Boa noite, Shun.

Enquanto Shun fala com Shunrei, June observa cada palavra que ele diz. Quando ele desliga...

– Como é que é? – ela indaga. – Shunzinha?

– Vai começar de novo June?

– Não... mas Shunzinhaaaaaaaa? O que é isso?

– É só uma brincadeira porque o nome dela começa com Shun.

– Hum... estou de olho em vocês. Estou mesmo!

– Relaxa, Ju!

No sobrado, Shunrei prepara uma sopa de legumes. Está morrendo de fome e cogita acordar Shiryu, mas desiste. Guardaria uma boa quantidade e esquentaria quando ele acordasse. Já se preparava para comer sozinha, quando ele desce a escada displicentemente, bocejando e esfregando os olhos.

– Boa noite... – diz ele, ainda se espreguiçando.

– Boa noite – ela responde, corando um pouco ao ver o torso despido do rapaz, que imediatamente percebe o rubor na face da moça.

– Desculpa! – lamenta-se, fazendo menção de retornar ao andar de cima. – Essa minha mania de viver sem camisa!

– Tudo bem... fique à vontade. Eu vou ter que acostumar com rapazes sem camisa, não é? São cinco homens nessa casa. Acho que isso vai acontecer bastante.

– Provavelmente – ele ri, e senta-se à mesa. – O cheiro da sua comida é maravilhoso! O que está preparando?

– Uma sopa. Gosto muito de usar ervas aromáticas. Na minha terra tinha bastante e tudo fresquinho. Aqui, fiz o que pude. Remexi nos armários e achei alguns pacotinhos de ervas, já meio velhas, com pouco perfume e sabor. Mas enganam bem.

– Sem dúvida eram muito velhas. A gente quase nunca compra essas coisas. O Shun deve ter comprado algum dia para fazer algo que impressionasse a June. Você falou da sua terra. Como é lá?

– É o lugar mais lindo do mundo, Shiryu – ela diz, sem esconder a empolgação. Os olhos escuros brilham nostalgicamente. – Eu morava no topo dos Cinco Picos Antigos.

– Já ouvi falar deles. Tem uma cachoeira, não é?

– Sim! A cachoeira fica na face oposta da montanha. Da minha casa até ela é bem perto.

– "Pendurada no rio, estava a Via Láctea, e lá do alto, caíam milhares de estrelas, formando uma linda cachoeira"– ele murmura.

– Isso mesmo. É um verso do poeta Li Bai.

– Eu sei. Dizem que ele se apaixonou de tal forma pela beleza do lugar que nunca mais quis sair de lá.

– É, exatamente isso. Também dizem que a parte inferior da cachoeira parece um dragão descendo dos céus. Um dragão como esse nas suas costas...

– Ah... o meu? – surpreende-se ele.

– Desculpe. Eu o vi quando subi para tirar uma soneca – desculpa-se a menina, e cora outra vez.

– Ah, sim...

– Doeu pra fazer a tatuagem?

– Bastante. Foram muitas sessões de tortura com o tatuador, mas eu queria muito. Nem sei dizer por que, só sei que queria um dragão assim na minha pele.

– Deve ser por causa do seu nome – ela diz, servindo sopa ao rapaz. – Espero que goste.

– Provavelmente. Se o cheiro estava maravilhoso, o gosto então deve ser divino – ele diz, e prova a sopa. – Muito melhor do que eu esperava! Acho que vamos passar muito bem com você aqui!

– Obrigada – ela agradece envergonhada, respira fundo, e completa: – O que vai fazer depois do jantar?

– Vou estudar – ele diz, quase instintivamente. – Dormi a tarde inteira hoje, nem peguei nos livros.

– Ah... – entristece-se a garota.

– Por quê?

– Vai passar um filme ótimo na tevê. Achei que você talvez quisesse ver.

– Eu adoraria, mas durante a semana eu tenho pouco tempo para estudar... Desculpe.

– Tudo bem.

– Eu lavo os pratos! – Shiryu se oferece.

– Não precisa. Pode deixar comigo. Não estou fazendo nada mesmo.

– Certo. Então, vou estudar. Qualquer coisa, estou lá no quarto.

– Bons estudos – ela diz, e observa-o subir a escada, os longos cabelos balançando levemente a cada degrau. Depois de lavar os pratos, Shunrei guarda o que sobrou da sopa na geladeira e vai para a sala. O filme já está prestes a começar.

No pavimento superior, Shiryu estuda um livro de Responsabilidade Civil e faz anotações. Está sempre um passo à frente do que o professor dará na aula seguinte e costuma ter resposta para todas as perguntas na ponta da língua, embora quase sempre se mantenha em silêncio para não virar o chato da turma. Sempre estuda muito e gosta de fazê-lo, entretanto, o convite de Shunrei o faz questionar-se acerca da real necessidade de estudar tanto. Poderia passar duas horas lá embaixo, vendo o filme com ela, tendo um momento agradável e certamente suas notas não diminuiriam por causa disso.

– Ora essa, mas que diabos estou fazendo? – ele se pergunta. – Assistir um filme com ela não vai me fazer perder a matéria. Não preciso ser tão certinho assim! – pensando nisso, ele fecha o livro e cuidadosamente o devolve à estante. – Responsabilidade Civil, você fica para amanhã.

Shiryu desce a escada silenciosamente e se aproxima de Shunrei sem que ela perceba.

– Ainda estou convidado para assistir o filme? – ele pergunta.

– Sim! Que bom que veio – ela diz, sorrindo.

– Já faz tempo que começou?

– Só um pouco.

– Que bom. Posso? – ele pergunta, indicando o lugar ao lado dela no sofá.

– Claro – ela assente, afastando-se um pouco para ele sentar.

– No intervalo, que tal fazer pipoca? Você gosta?

– Muitooo! Vamos ter que fazer um balde! Eu como demais!

– Então faremos!

Os dois continuam assistindo o filme em silêncio. De vez em quando, um olha para o outro. Numa dessas vezes, os olhares se cruzam, fazendo ambos ruborizarem.

Finalmente o primeiro intervalo começa e eles correm para a cozinha. Colocam um pacote de pipocas no micro-ondas e ligam o aparelho.

– Tomara que dê tempo. Não quero perder nada do filme! – ela diz, esfregando as mãos.

– Vai dar tempo, sim.

Quando todas as pipocas estouram, os dois retiram o pacote do micro-ondas e retornam para a sala.

– Sabe, Shiryu, estar aqui é muito mais do que eu podia esperar – Shunrei fala, sentando-se no sofá e pegando um punhado de pipocas. – Mas não é certo. Eu não posso dividir as despesas com vocês, não posso pagar o que devo a você. Não vou poder fazer isso nem tão cedo.

– Não estou preocupado com isso... – ele diz, segurando a mão dela. Tem o ímpeto de abraçá-la, mas se contém. – Está tudo bem.

– Desculpe – ela diz, começando a chorar. – Você é uma pessoa muito especial. Que Deus lhe devolva em dobro todo o bem que você me fez.

– Obrigado – ele responde, e é abraçado por ela. Não esperava que ela o fizesse, mas ela o fez e é bom tê-la entre os braços, sentir a cabeça dela encostada em seu peito. Ele ergue uma das mãos para acariciar os cabelos dela. Nesse momento, ela inclina um pouco a cabeça e o olha nos olhos por alguns instantes. Ele sustenta o olhar e sorri. Em seguida, ela encosta a cabeça no peito dele novamente e volta o rosto para a tevê. Ficam vendo o filme abraçados, cada um pensando em como é boa essa proximidade, esse calor humano que nenhum dos dois conhecia. Estão tão absortos nessa sensação que sequer percebem quando Ikki entra em casa.

– Boa noite, pessoal! – ele diz, olhando maliciosamente para os dois.

– Boa noite – eles respondem, ainda abraçados.

– Continuem, continuem. Eu só vim trocar de roupa para cair na balada – Ikki continua, no mesmo tom malicioso, que Shiryu ignora. Subindo as escadas, o rapaz ainda observa o abraço.

– O filme já está acabando e nós nem prestamos atenção – Shiryu diz, afrouxando o abraço. "Certamente Ikki estaria pensando bobagens, mas o que está feito, está feito. E foi só um abraço, afinal", pensa Shiryu.

– Verdade – ela afirma, desvencilhando-se dos braços dele.– Acho que já está na hora de dormir...

– É. Amanhã terei que estudar o que não estudei agora.

– Você é tão responsável que dá medo, sabia?

– Isso porque já estou melhorando! Vim ver o filme, não vim? – ele diz rindo, e completa, estendendo a mão para Shunrei: – Vamos?

– Vamos – ela responde, segurando a mão dele.

Na subida para o quarto, cruzam com Ikki, que desce a escada já arrumado e perfumado.

– Tchau, pessoal. Juízo, hein? – ele diz, e sai rindo, deixando Shiryu e Shunrei muito vermelhos.

"Hehehe! Se eu não conhecesse o Shiryu, diria que hoje ele ia faturar a branquelinha, mas sendo Shiryu como é, já foi um grande avanço aquele abraço. Com certeza ainda não rolou beijo. Com certeza. Vai ser lerdo assim lá no inferno!"

No quarto de Shiryu...

– Eu durmo no colchão! – Shunrei protesta. – Por favor! Não quero abusar da sua boa vontade e tomar conta da sua cama mais uma vez.

– Pode ficar na minha cama. Juro que não me incomodo. Vou ficar chateado se não aceitar.

– Está bem... – ela concorda, sentando-se na cama dele e arrastando sua mala para perto. Começa a remexer o conteúdo, procurando sua roupa de dormir.

– Vai ao banheiro agora? – ele pergunta.

– Não, ainda estou procurando meu pijama. Pode ir primeiro.

– Certo – ele diz, e sai do quarto. Demora-se pouco tempo no banheiro e ao retornar para o quarto, encontra-a ainda procurando o pijama. – Está bem guardado seu pijaminha, não?

– Ele estava se escondendo de mim, mas... achei! – exclama Shunrei, exibindo um conjunto de calça e camisa cor-de-rosa, com estampas de coelhinhos sorridentes.

– Engraçadinho! – Shiryu diz, rindo.

– Adoro coelhos! Vou vestir. Já volto.

Shunrei vai ao banheiro, deixando-o sentado no colchão. O sorriso estampado no rosto dele por causa dos coelhinhos no pijama permanece, bem como o pensamento dele permanece nela. Teve uma noite agradável com ela. Uma noite leve, tranquila e alegre, como poucas em sua vida. E tinha sido tão simples viver esse momento de alegria! Bastou um filme, um pacote de pipoca e a companhia de Shunrei. Apenas isso.

Ela volta para o quarto usando o pijama.

– Pronto – diz, e senta-se na cama dele outra vez. – Shiryu...

– Quê?

– Obrigada pela companhia.

– Foi um prazer, Shunrei. Boa noite. Durma bem.

– Boa noite, Shi. Posso chamá-lo assim?

– Claro, Shu – ele responde rindo.

– Shi e Shu! ShiShu! – ela ri. – É engraçado, não é?

– Não tanto quanto ShuShi!

– Ah! É, verdade! Então, até amanhã, Shi.

– Até, Shu.

Shiryu deita-se no colchão e vira-se para um lado. Shunrei deita na cama e vira para o lado oposto. Ambos tinham na face largos sorrisos.

Continua...

–S -A -


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Notas finais do capítulo

Ufa!E um mês depois, eis o terceiro capítulo de Sobrado Azul. Parece muito tempo, mas até que passou rápido.Em março, sai o quarto. Há uma grande possibilidade dessa fic passar a ser quinzenal quando eu terminar a monografia. Vamos ver...Ah! Já sabem quem é o dono da loja onde Ikki trabalha?Eu não resistiiiiiiiiiiii! Amo chamar Shiryu e Shunrei de ShiShu! Tinha que colocar isso em alguma fic!É isso!Beijins pra todos e até março!Chiisana Hana



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