Ameno Dore escrita por MyKanon


Capítulo 8
VIII – Modelo




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Os olhos azuis de Eloy estavam de um tom violeta intenso e continuavam a se transformar.

_ Eloy, contenha-se! Ou você me fará ligar para Nicolai no meio da madrugada?

Eloy apertou os olhos e pareceu fazer um grande esforço. Quando os abriu, estavam novamente azuis, como os da irmã.

_ Vamos logo. - ele pediu ao se levantar, ainda cobrindo o nariz com uma das mãos.

Apreensiva, Itacy o conduziu para casa apertando-lhe o antebraço, como se aquilo realmente fosse mantê-lo sob seu controle.

Definitivamente fora muito arriscado tirar Eloy de casa sem a presença de Nicolai, mas não conseguia deixar de se orgulhar por ele ter conseguido se controlar sem nenhuma interferência.

Fizeram todo o trajeto de volta no mais completo silêncio, Itacy temendo despertar alguma coisa descontrolada em seu irmão, e Eloy envergonhado por expor sua fraqueza com tanta facilidade.

Enquanto Itacy trancava a porta, ouviu o irmão correr escadas acima, provavelmente direto para seu quarto.

_ Mandou bem. - Itacy cumprimentou depois de abrir a porta do quarto do irmão.

Eloy estava jogado de costas sobre sua cama, com as mãos cruzadas sobre a barriga, e uma perna pendendo para fora.

_ Hum. - murmurou em resposta.

_ Você está melhorando, percebeu?

Em resposta, o garoto revirou os olhos, descrente.

_ Você não tem que ser tão exigente consigo mesmo... Leva mesmo um tempo-

_ Não foi assim com você. - ele a interrompeu – Você sempre soube se controlar! Você nunca precisou ser enjaulada! Você continuou com a sua vida normalmente! Você sai quando bem entende! Você tem amigos! - quando terminou, já estava sentado na cama, inclinado em sua direção.

O pior era que Itacy não tinha como argumentar. Ela realmente sempre fora muito mais controlada.

Aproximou-se lentamente e sentou-se na cama, de frente para o irmão.

_ Talvez seja porque seu olfato é bem melhor que o meu. Você é melhor em tudo que eu nisso...

_ Mas eu não quero ser melhor nisso, Tacy...

_ Eu sei. Mas isso é o que temos. E você é melhor. Então... Dentro de nossas possibilidades, você é o melhor. Não me parece tao ruim. - Itacy ergueu as sobrancelhas, como se aprovando a perspectiva.

Eloy continuou a encará-la, cético. Mas não resistiu por muito tempo ao semblante engraçado da irmã. Soltou uma gargalhada, enquanto jogava a cabeça sobre seu colo.

Itacy deslizou os dedos pelos cabelos dourados do irmão. Um dia Eloy entenderia a fragilidade de sua estrutura física e emocional. E quem sabe no dia em que entendesse, já nem fosse mais tão frágil assim...

+ + +

Depois de tocar o último acorde, Enzo fitou as bailarinas. Ficavam realmente deslumbrantes com suas pernas erguidas tão voluptuosamente...

_ Oh-oh... - lamentou ao perceber Itacy vindo em sua direção.

Dessa vez comportara-se direitinho. Chegara no horário, não a interrompera com a música, nem mesmo paquerara nenhuma de suas amigas durante o ensaio, então não havia motivos para Itacy vir soltar seus cachorros naquela noite...

_ Ah não! Hoje fui um exemplo de pianista! - começou a se defender assim que sua colega apoiou um cotovelo sobre o tampo do piano.

_ Isso até me preocupa. Está planejando alguma atrocidade?

_ Hmm... Depende do que você chama de atrocidade... - dizendo isso, aproximou o banco do instrumento de Itacy, quase perto o suficiente para tocá-la.

Agilmente a garota o contornou, e se postou do lado contrário.

_ Tchau Tacy!

_ Atá amanhã Tacy!

Itacy acenou com a cabeça para suas amigas que se despediam. Uma delas aproximou-se e despediu-se com um atípico beijo na bochecha.

Depois de se despedir da amiga, Michele inclinou-se e também beijou o rosto de Lorenzo.

Ela havia soltado os longos cabelos negros, que escorregaram pelo rosto do rapaz enquanto ela o beijava. Se Itacy não estivesse ali, muito provavelmente teria se atrevido a agarrá-la e terminar de dar aquele beijo no canto da boca que ela havia começado.

Mas infelizmente – pelo menos para a ocasião -, Itacy acompanhava de perto a cena, e com visível desagrado, já que cruzara os braços e exibia um semblante nada satisfeito.

Antes de sumir pela porta, Michele lhe deu uma piscadela, e ele teve de parar de sorrir quando Itacy pigarreou às suas costas.

_ Ah, me desculpe... É que às vezes fico impressionado com a meiguice de suas amigas.

_ Não se justifique. Conheço muito bem minha amiga e sei o quanto ela pode ser meiga. - “Meigalinha” não resistiu imaginar. - E claro que você não deixa por menos, não é mesmo?

_ Ora, ora... Seria essa revolta toda fruto de um ciúme reprimido e secreto?

_ Bom, já que você descobriu meu segredo, precisamos conversar sobre o que realmente importa. Trouxe algo para você.

_ Já estamos na fase de trocar presentes? Se eu soubesse, teria lhe trazido um buquê, ou... Não, espere, posso lhe oferecer uma serenata...?

_ Lorenzo, cale a boca, por obséquio.

Antes que ele pudesse alcançar as teclas, ela baixou a tampa, impedindo-o de tocar.

_ Você precisa se vestir adequadamente na apresentação... Ontem eu fui buscar a roupa que era para ser do Max, e preciso que a experimente para sabermos quais ajustes precisamos fazer.

_ Espere, o que você quer dizer com “se vestir adequadamente”?

Itacy gesticulou, como se a resposta fosse óbvia.

_ O que você pretendia vestir? - perguntou por fim.

Enzo afastou o banco e indicou a roupa que vestia. O uniforme social preto do colégio, com camisa branca e gravata vermelha, que ostentava o brasão leonino do colégio.

_ Honestamente Lorenzo... Você não está falando sério, está?

Enzo cruzou as mãos sobre a tampa do piano e a encarou de olhos estreitos.

Itacy bufou e lhe deu as costas. Enzo a observou dirigir-se para o vestiário feminino, e de lá voltar com um embrulho nas mãos.

_ Experimente. - ordenou ao colocar o embrulho sobre o instrumento.

Agora ela lhe daria ordens?

Apenas por curiosidade, abriu o pacote. “Podia ser pior”, pensou, mas de forma alguma permitiria que Itacy tomasse suas decisões, escolhendo inclusive o que deveria vestir.

_ Aposto que o Max teria curtido o fraque. Mas para a tristeza de todos nós, eu não sou o Max.

_ Você não tem que curtir, apenas vestir. E preciso que experimente para me dizer se precisa de ajustes.

_ Só de olhar já dá pra ver que precisa.

_ Certo. O quê? - Itacy perguntou sinceramente interessada.

_ Ele precisa ser ajustado em uma lixeira. Acho que na do vestiário cabe.

Itacy permaneceu inexpressiva, encarando-o. Talvez esperando que ele pedisse desculpas pela brincadeira e provasse a roupa, o que não aconteceria. Então, depois de alguns minutos de silêncio, ela relaxou os músculos e disse:

_ Ok, pode levar para casa e provar lá, se preferir. Mas lembre-se que preciso da resposta até sexta-feira. Sábado à noite é a nossa apresentação.

_ Já não está de bom tamanho ter um pianista?

_ O figurino é parte importante da apresentação.

_ Vocês é que têm que se preocupar com figurino. Eu sou apenas elenco de apoio. - dizendo isso, recolheu as partituras e dirigiu-se ao fundo do salão, onde deixava sua mochila.

_ Mas qual é o problema com o fraque?!

_ Além de me fazer parecer seu pinguim de estimação ridículo? Nenhum.

_ Você não precisa parecer meu pinguim de estimação para ser ridículo!

_ Você sabe realmente como convencer uma pessoa. - disse sem se virar, recolhendo seu material.

_ Tá bom, tá bom Lorenzo! Me desculpe! Mas você tem que usar o fraque!

_ Tenho? Por que?

Finalmente voltou a encará-la.

_ Porque é assim que nos apresentamos! Eu sou a responsável pela apresentação, e se o pianista vier vestido como um mendigo, a culpa será minha!

_ Tsc-tsc-tsc... - Enzo reprovou a justificava recebida.

_ Quer saber? Faça como preferir! Vista-se de pinguim, de mendigo, não vista-se se achar que não deve! Já que você quer tanto infernizar a minha vida, fique à vontade! Seu insuportável!

Girando nos calcanhares, caminhou duramente até o vestiário.

Enzo deu uma última olhada para a roupa sobre o piano, com total descaso, e deixou o estúdio.

+

Quando deixou o vestiário e reparou no fraque abandonado sobre o piano, Itacy pensou em correr até Lorenzo. Não para implorar que o usasse, mas apenas para espancá-lo até a morte.

Como odiava pessoas abusadas e negligentes!

Por que a professora Sueli tinha que lhe arrumar um pianista tão estúpido?

Chegou até a pensar em ligar para Max e perguntar como ia a fratura... Mas era demonstração de desespero e fraqueza. E ela não daria mostras de fraqueza para ele. Tudo que tinha a fazer, era dar corda. Dar corda na esperança que ele sozinho se enforcasse.

+ + +

_ E aí Tacy? O fraque ficou bom, ou vai ter que consertar? - perguntou Marian, assim que Itacy sentou-se ao lado dela na cantina.

Itacy sentiu o sangue subir logo que ouviu a pergunta, mas obrigou-se a manter a calma. Ele não merecia um único pensamento seu de preocupação.

_ Na verdade decidi deixar a vestimenta por conta dele.

_ Jura? - perguntou Michele interessada.

Parou de maquiar seus longos cílios negros para encarar a amiga.

_ E ele disse o que é que vai usar?

_ Não. Decidi que não vou dar importância para o elenco de apoio. - depois sentiu raiva ao pensar em como gostaria de ter sido a verdadeira autora da decisão.

_ “Elenco de apoio”, Tacy? Ele não é o pianista? - perguntou Francine desacreditada.

_ Exatamente. Cujo podemos facilmente substituir por um cd player.

_ Não, não... Vamos deixá-lo nos apoiar! - brincou Michele.

_ É, tenho certeza que você está no veneno para ser apoiada por ele, não é mesmo Mi? - riu Caroline.

_ Não concordo, nem discordo Carolzinha... Muito pelo contrário.

Todas riram de sua resposta completamente contraditória e inconclusiva.

_ Mudando de alhos para bugalhos, adorei o que fez com o seu cabelo Míriam! - começou Marian.

_ Mesmo, Mari?

Míriam sacudiu as madeixas de um lado a outro. Estavam outra vez castanhas, mas dessa vez com grossas mechas douradas.

_ Ficou mesmo lindo! Acho que vou tentar fazer algo parecido...

_ Ei, e o meu? Você não gostou também? - perguntou Francine quase ofendida.

_ Mas Fran... Você só fez mais do mesmo... - explicou-se.

_ Lógico, para quê mexer em time que está ganhando?

_ Ih, e esse time aí tá marcando algum gol por acaso? - ironizou Míriam.

_ Míriam querida, se você soubesse a quantidade de títulos que esse time – deslizou as mãos pelas laterais do corpo – conquistou no sábado à noite, ficaria roxa de inveja, agora vai, dorme gata!

_ Huuummm! Fran perigando! Chamem os bombeiros!

_ Ou a polícia!

Itacy riu das brincadeiras, com certa nostalgia. Lembrava-se da época em que ela saía à noite com as amigas. Algumas vezes até escondida dos pais...

Agora... Não saberia se comportar num lugar como as danceterias que antes frequentava com tanta naturalidade.

Só de imaginar aquele amontoado de corpos dançando tão próximos uns dos outros... O suor em suas testas... Seus rostos corados em consequência da alta frequência cardíaca... A textura de suas peles...

Só de imaginar...

_ Tacy? O que você tem?

Continua


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