Ameno Dore escrita por MyKanon


Capítulo 13
XIII - Erros




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Itacy fechou a torneira e enxugou as mãos.

Apoiou-se na pia e encarou-se através do espelho.

Sentiu contrações dentro de si ao ouvir Enzo lhe revelar que sua mãe era uma vampira. Uma vampira como ela. Um ser desalmado e cruel, capaz de atacar a própria cria.

Era assim que ela ia ficar?

Cobriu o rosto com as mãos, sentindo raiva de seu reflexo. Não queria ser assim.

Num piscar de olhos, já estava de volta ao estúdio de dança.

Enzo estava sentado no chão, apoiando as costas no espelho. Pelo que ela podia ver, também havia lavado as mãos.

_ Ela não fará isso novamente. Ela foi embora.

Itacy não perguntou, mas sabia que ele continuava a falar da mãe.

Então ela o abandonara para não lhe infligir o fatídico destino de um vampiro...

_ Talvez por isso eu não tenha associado vampiros a criaturas temíveis ou odiosas.

Itacy ajoelhou-se à sua frente.

_ Quem a transformou? Seu pai também é?

Enzo negou com um aceno de cabeça.

_ Não sei quase nada sobre minha família. Não conheci meu pai. E minha mãe foi embora há onze anos, logo depois de... - gesticulando, indicou a cicatriz na nuca – Eu era um pirralho, não tive tempo de esclarecer muitas dúvidas. Eu nem mesmo as tinha.

Itacy continuou encarando-o fixamente. Tudo que ele podia revelar, já havia sido revelado. Já estava na hora de tirar da memória dele aquela conversa.

_ Enzo...

_ E você? Como foi?

Itacy interrompeu-se. Nunca tivera a oportunidade de falar a respeito com ninguém.

Intimamente sentia a necessidade de desabafar. Contar toda a história, e até perguntar se tinha tomado a decisão errada. Mas não lhe era permitido revelar uma única sílaba sobre sua verdadeira condição, ou sobre o que acontecera naquela noite.

Só havia chegado até aquele ponto com Enzo pois ele havia tido a mesma experiência, e de qualquer forma, apagaria sua memória.

Suspirou e olhou para as mãos, cruzadas sobre as pernas.

_ Eu pedi.

_ Como?

_ Meu irmão estava à beira da morte. Pedi para que fosse salvo. E consequentemente, eu também acabei sendo transformada... Eu achei que isso fosse melhor.

- Achou? Está arrependida?

Pronto. Estava na hora de acabar.

_ Enzo, preciso que preste atenção.

O rapaz continuou calado, fazendo o que ela mandava.

_ Nós nunca tivemos essa conversa. Nós nem mesmo nos encontramos essa noite. Você vai esquecer tudo que falamos aqui, hoje. Entendeu?

Por alguns segundos, Enzo continuou imóvel, então levantou uma sobrancelha e perguntou:

_ Você me chamou de “Enzo”? - riu em seguida.

Itacy não entendeu. Ele já havia saído do transe?

Não! Se a hipnose houvesse funcionado, ele não lembraria de seu pequeno descuido.

Itacy apoiou as mãos no chão, se inclinando em sua direção e ordenou novamente:

_ Você não deve se lembrar de nada que falamos aqui hoje!

_ Relaxa. Só te contei porque você é da família. Não tenho nem motivos para revelar essa doidera por aí.

_ Não! Não, não, não! Não estou te pedindo para guardar segredo! - “Estou te hipnotizando!”.

_ Então o quê? Quer que eu conte?

_ NÃO!

Ele devia esquecer. Ele tinha que esquecer!

Itacy avançou para seu colo e segurou seu rosto entre as mãos.

_ Olhe bem nos meus olhos.

_ Bem, estou mesmo imobilizado...

_ Calado! Ouça-me agora... Relaxe...

_ Ahn... Me desculpe Tacy... Mas com você em cima de mim... Impossível. Pelo contrário...

_ Droga Lorenzo!!!

Itacy levantou-se.

Por que não conseguia hipnotizá-lo?

Ele ainda era humano, e tinha contado muita coisa a ele! Muita coisa que nunca deveria contar a ninguém!

Qual era o problema? Estava perdendo seus poderes?

Não... Havia se regenerado normalmente. Para um vampiro.

Andou de um lado a outro, preocupada. Precisava falar com Nicolai...

_ Ei, Tacy, fica calma. Não vou dizer nada...

_ Você tem alguma coisa errada...

_ Eu?

_ É. Eu sou vampira. Já sei o que tem de errado comigo, mas você... É estranho.

Sem vontade ou mesmo energia para continuar aquela conversa insana, Itacy recolheu sua mochila largada num canto do estúdio e deixou o local.

_ Ei, Tacy, espera! Eu também tenho algumas perguntas!

+

Enzo correu para o corredor, apenas para encontrar-se sozinho no recinto. A super velocidade também podia ser bem conveniente, pensou.

+ + +

Itacy jogou a mochila sobre sua cama.

_ Maldição!

Andou de um lado a outro.

Colocou as mãos sobre a cintura. Depois, cruzou os braços.

Massageou as têmporas, soltou e prendeu novamente o cabelo. Roeu uma unha.

Não tinha ideia do que fazer.

Não podia pedir a ajuda de Nicolai.

Havia desobedecido a duas de suas ordens: revelara seu segredo e ainda se utilizara de hipnose.

Nicolai nem mesmo os ensinara a usar o poder da mente, alegando que eram muito jovens para uma habilidade muito complexa.

E cansara de repetir que se tivessem de usar a hipnose, era porque alguma coisa de errado haviam feito.

O que ele faria se soubesse quantas vezes Itacy já havia errado?

E agora nem mesmo podia reparar seu maior erro: abrir o bico.

_ Tonta! Tonta! Tonta! - xingou-se enquanto estapeava a própria testa.

Não, não diria nada a Nicolai.

Enzo não tinha motivos para dizer nada a ninguém... Seu segredo estava seguro. Não estava?

_ Tacy? O que houve?

Itacy voltou-se para a porta.

Seu irmão havia sentido sua aura carregada de raiva e medo.

Mas se o preocupasse, Nicolai sentiria a angústia de Eloy, e aí não teria escapatória.

Às vezes aquela proximidade entre criatura e criador era um tanto incômoda.

_ Não é nada, Eloy.

_ Como nada?

Se ele podia sentir, não era nada.

_ Por favor, Eloy... Eu não posso contar. Está tudo bem. Só me assustei um pouco.

Eloy permaneceu em silêncio, estudando sua expressão.

_ É sério. Já passou, viu?

_ Não.

_ Pois então agora o problema é com suas antenas, maninho. - Itacy empurrou-o para fora do quarto – Se não se importa, quero tomar um banho e descansar.

Itacy trancou sua porta e começou a se despir. Um pouco de água fria talvez ajudasse a esfriar a cabeça...

+ + +

Enzo chegou cedo no dia seguinte. Nem mesmo havia escurecido.

Postou-se de frente para a janela, e ficou a observar a sala do prédio ao lado. Meneou a cabeça enquanto ria sozinho.

Inacreditável... Itacy, uma vampira.

Então era certo que não apareceria no colégio até que o último raio de sol desvanecesse.

Tirou uma caixinha de chicletes do bolso e jogou um na boca.

Itacy tinha as respostas para suas perguntas...

Desviou a atenção para seu celular. Fuçou sua agenda telefônica até encontrar o número que procurava. Não fora fácil convencer Michele, mas não havia nada que não conseguisse dela com “jeitinho”.

Guardou-o de volta no bolso.

+

_ Bom dia Tacy! - cumprimentou Francine assim que sua amiga jogou o material sobre a mesa ao lado.

Antes de responder ao cumprimento sem o mínimo de atenção, Itacy mirou a janela do prédio ao lado. Lá estava ele. Já postado em seu lugar, e encarando-a.

Itacy baixou os olhos para a própria mesa. Há um dia atrás, enfrentaria aquela provocação, mas os últimos acontecimentos acabaram por virar o jogo, e Itacy sentia que havia perdido o controle daquela guerra.

Seria chantageada?

Podia tentar hipnotizá-lo mais uma vez...

_ O que foi? Está me parecendo tão deprê... - constatou Francine, colocando-se à sua frente.

_ Não dormi bem.

_ É, consigo notar pelas suas olheiras! Por Deus Tacy, passe um corretivo!

Itacy abriu o zíper do bolso de sua mochila e de lá tirou um pequeno estojo de maquiagem.

_ Posso saber o motivo da noite em claro?

_ Estava trabalhando na nova coreografia. - respondeu a outra enquanto se empenhava em esconder as sombras escuras sob seus olhos com uma grossa camada de maquiagem.

_ Sei... E isso, sozinha?

_ Como sempre Fran, nunca precisei de mais ninguém para isso.

_ Hum... É que ontem eu vi quando o Enzo foi atrás de você na academia... E achei que estavam... “Sincronizando” a nova valsa.

Itacy fechou o estojo controladamente e o guardou na bolsa.

_ Ele não queria continuar a tocar.

_ E isso te tirou o sono, hum... Agora entendo.

_ Um corpo de balé sem pianista me tira o sono, me processe.

_ Não fosse o fato de o Max estar de volta, eu entenderia...

_ Infelizmente, e repito infelizmente, o Lorenzo toca melhor.

_ Entendi. A relação de vocês é estritamente profissional.

Itacy percebeu a ironia em sua voz.

_ Exato. Fran, sinto muito querida, mas não tenho que convencê-la de nada. Pense o que preferir, só não me amole hoje. Estou cansada.

Francine riu e encolheu os ombros, contribuindo com o mau-humor crescente de Itacy.

Tentando ignorar os risinhos forçados de sua amiga, Itacy virou-se para o lado oposto, encontrando-se acidentalmente com o olhar insistente de Lorenzo.

Desviou-se rapidamente, sentindo-se tensa. Precisava reaver as rédeas da situação.

Quando ouviu soar o sinal do intervalo, sentiu-se estranhamente vulnerável. Arriscou uma olhada para a sala ao lado. Ele não estava mais lá.

_ E aí Tacy! Como vai a nova coreografia? - perguntou Míriam aproximando-se da dupla de amigas.

_ Está me dando trabalho.

Itacy massageou o pescoço com ambas as mãos.

_ Vamos para o refeitório? - convidou Francine.

_ Não. Estou indisposta. Esperarei aqui.

Ainda não tinha pensado no que fazer com relação a Lorenzo, então por ora, era preferível evitá-lo.

Antes que suas amigas começassem a protestar, a conversa foi interrompida pela maior preocupação que Itacy tinha no momento.

_ Boa noite, meninas. - cumprimentou antes de parar em frente à mesa de Itacy – Preciso falar com você.

Itacy arregalou os olhos, acreditando por um momento que ele fosse revelar seu segredo ali mesmo, na frente de suas amigas.

_ Sobre a Fantasia de Mozart que vamos interpretar.

_ Agora não posso. - Itacy levantou-se – Estou indo ao refeitório com minhas amigas. Temos muito tempo para falar sobre isso.

_ Certo. Falamos no fim da aula. - disse baixo, porém decidido, olhando firmemente em seus olhos.

_ No fim da aula. - Itacy devolveu o olhar, apesar do frio que sentia na espinha – Podemos ir? - perguntou às suas amigas.

Sem discutirem, Míriam e Francine a acompanharam.

Quando notaram que estavam a uma distância relativamente segura, começaram com os questionamentos:

_ Ei, o que foi que aconteceu agora há pouco? - a primeira foi Francine.

_ Você está fugindo dele? - prosseguiu Míriam.

_ Já disse, estou cansada. Uma discussão com esse estúpido não me ajudaria em nada.

Míriam e Francine se entreolharam, estranhando o comportamento da amiga, mas preferiram não caçar mais discussão.

+ + +

Estou no estúdio”

Itacy não sabia dizer de quem sentia mais raiva. De Lorenzo pelo atrevimento, ou da pessoa que lhe passara seu número.

Voltou a guardar o celular no bolso enquanto caminhava pelo corredor do subsolo, que levava ao estúdio de dança.

Era a quarta vez que enfiava o celular no bolso desde que recebera seu SMS.

Na primeira, pensou em responder com palavras de baixo calão. Na segunda, quis responder que não iria encontrá-lo. Na terceira, pensou até em ligar para ele e xingá-lo ao vivo, e nessa última vez só queria ter certeza de que aquelas três eram as únicas palavras da mensagem.

Parou em frente as portas de vai e vêm do salão de dança e ouviu a suave Fantasia de Mozart.

Fechou os olhos e visualizou os movimentos. É, a coreografia estava quase pronta.

Inspirou o ar e o expeliu lentamente. Abriu os olhos e empurrou as portas.

Continua


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