O pote de pipoca estava quase vazio quando o filme ainda não passava da metade. O edredom, amassado pelo uso excessivo, estava jogado de uma forma qualquer por cima de seu corpo, somente vestindo um pijama de flanela com estampa de ursos pandas. Com os olhos vidrados na tela da televisão, Rose Weasley observava Patrick Swayze em sua belíssima performance em Dirty Dancing, um filme meloso, para garotinhas, mas que — ela admitia — amava.

Remexeu-se, desconfortável, no sofá ao ouvir o sonoro e ardido soar da campainha. Rose revirou os olhos, xingando a amiga com quem dividia a casa, Alice Heere, de todos os nomes mais feios que ela conhecia e que sua mãe não fazia nem ideia de que ela havia uma relação um tanto familiar com eles. Levantou-se, espreguiçando-se e ouvindo o som do estalar de suas costas, e, lentamente, encaminhou-se até a porta.

Abrindo apenas um feixe, apertou os olhos por conta da iluminação que invadiu parte do hall de entrada da casa. No entanto, eles logo se arregalaram ao notar quem estava a sua frente.

Seu primo, Albus Potter, e a pessoa que ela menos gostaria de ver durante toda sua vida: Scorpius Malfoy.

— Oh, não. Você não irá pisar um dedo sequer nesta casa, Scorpius Malfoy.

Albus lançou um olhar de ‘eu avisei’ ao amigo e se pronunciou.

— Escute, Rose... Sei que você não gostará de ouvir isso, mas Scorp... Quero dizer, nós precisamos de sua ajuda.

O louro apenas balançou diversas vezes a cabeça, os olhos demonstrando que também não estava contente com a situação em que se encontravam.

Rose estreitou seus orbes azuis.

— Ah, então Scorpius Malfoy precisa de minha ajuda...? Interessante. Ainda mais considerando que ele não se atreve a olhar para a minha cara há, o quê?, dois anos? Ah, sim...! E ele nem se atreveu a abrir a boca desde que abri esta porta...

Não houve resposta para isso tudo.

Rose revirou os olhos, ameaçando fechar a porta e voltar ao conforto de seu sofá.

— Espere...! — Scorpius gritou.

— Oh — Rose sorriu secamente. — Então, ele fala.

— Escute, Ro... Weasley. Eu sei que você não está exatamente feliz por me ver aqui, considerando a última vez em que nos vimos, mas... — O louro ruborizou. — Será que não podemos conversar em um local mais reservado?

Rose encostou um dos ombros no batente da porta, parecendo ponderar cuidadosamente as opções que tinha — por um lado, era tentador bater a porta na cara de Scorpius e deixá-lo se virar sozinho com qualquer que fosse seu problema. Albus provavelmente lhe daria uma bronca mais tarde, quando fosse visitá-la em uma de suas aparições repentinas em que os dois se sentavam e ficavam bêbados o suficiente para darem algumas risadas à toa, mas aquele seria o último de seus problemas e, sem dúvidas, valeria a pena.

Ou ela poderia deixar o louro entrar e ouvir o que ele tinha a dizer.

Aí mais duas opções se apresentavam: rir na cara dele ou — estremeceu em pensamentos — acatar ao que quer que ele lhe dissesse.

Rose suspirou pesadamente.

A curiosidade sempre matava o gato.

— Pois bem — disse ela, abrindo passagem para os dois. — Só esperem um momento para que eu possa ficar… decente e então converso com vocês. — Rose se virou para subir as escadas até seu quarto, mas parou no meio do caminho ao lembrar-se de algo. — Só… Tentem não bagunçar nada, sim?

Scorpius soltou uma risada pelo nariz ao dar de cara com o pote de pipocas revirado, o edredom jogado no chão e o filme correndo na televisão. Sua maldita sobrancelha irônica criou vida própria e se levantou.

— É possível um lugar ficar mais bagunçado que este?

Bufando, Rose deu-lhe as costas e subiu a escada sem se importar com o som estrondoso que seus passos faziam no andar de baixo.

—

Rose enfiou o moletom pela quarta vez seguida por sua cabeça antes de, enfim, dar-se por satisfeita. Amarrou o cabelo em um rabo de cavalo, calçou suas pantufas fofinhas e se olhou no espelho uma última vez. Aquele, é claro, não era seu melhor visual — mas era o máximo que ela poderia fazer com aquela visita surpresa de Albus e Scorpius. Os dois já a tinham visto com seu pijama de flanelas, o que poderia ser pior?

Quando chegou na sala, encontrou Scorpius e Albus sentados em seu sofá, o edredom dobrado e o filme pausado. As pipocas haviam sido recolhidas e, provavelmente, jogadas no lixo da cozinha. Uma revista que ela não reconhecia estava pousada em cima da mesinha de centro. Rose quase se emocionou com a cena, mas os olhos cinzentos de Scorpius fizeram as lágrimas de alegria voltarem facilmente para suas vias lacrimais.

Rose suspirou e se jogou no sofá em frente ao que os dois estavam sentados.

— E então, abra a boca.

Albus tomou a iniciativa.

— Como eu disse, Rose, Scor… Quero dizer, nós precisamos de sua aju...

— Albus, importa-se em ficar calado por um segundo e deixar que esse ser detestável ao seu lado responda à pergunta? — Ela revirou os olhos, impaciente. — O que diabos você quer de mim, Malfoy?

Scorpius suspirou, não parecendo muito contente com o que falaria em seguida.

— Isso é verdade, Weasley. Eu realmente preciso de sua ajuda.

Rose não sabia se ria da cara do louro agora ou se esperava mais um pouco para saborear mais a sensação de vitória que salivava em sua boca. Ouvi-lo admitir sua derrota, abrindo mão de seu orgulho daquela forma, era algo que desejava há bastante tempo.

— Oh, é mesmo? — Ela quase não conseguia conter o sorriso. — E por que você acha que eu aceitaria te ajudar, Malfoy, depois de tudo que aconteceu? Acho que você está muito enganado quanto a minha índole, se chegou a cogitar isso.

Com o canto do olho, Rose pôde ver Albus estremecer ao lado de Scorpius. Uhm, pelo jeito, a situação não ficaria melhor a partir dali…

Scorpius a olhou, cético. Seu rosto estava voltado para cima, um semblante superior tomando conta de seu rosto. Rose sentiu a raiva borbulhar em seu estômago.

Afinal, o que era aquele jeitinho esnobe?!

— Se realmente acredita que eu estou te pedindo ajuda, você é que está enganada, Weasley.

— E por que eu faria algo por você de bom grado? Não é como se eu lhe devesse um favor, poupe-me!

— Mas é aí que você se engana... Você me deve.

Rose olhou para Albus, espantada, procurando entender o que diabos aquilo significava. O primo deu de ombros, mas pareceu incomodado com o rumo que a conversa estava tomando.

— Scorpius — advertiu — cuidado com o que diz…

O peso a atingiu com um carro a cem quilômetros por hora. Rose sentia-se traída. Perguntava-se como Albus podia estar dando apoio a Scorpius, sabendo de tudo pelo que ela havia passado naqueles anos, sabendo do inferno que sua vida se tornara.

Com o olhar transbordando com o orgulho ferido, Rose encarou o primo. Ela não podia acreditar que aquilo estava acontecendo.

— Como assim eu lhe devo?! — Sua voz falhou, mas não se importou muito. Depois de toda a humilhação que já havia passado na frente de Scorpius, aquilo não era nada.

— Simples — o louro deu de ombros, não parecendo notar os olhos ardidos de Rose e o pesar no de Albus. — Você não foi ao meu casamento.

— Scorpius! — Albus exclamou.

A secura na voz de Rose não foi calculada.

— De novo com esse papinho ressentido?

Em compensação, a raiva nos olhos cinzentos de Scorpius era quase mortífera.

Por um bom instante, ela encarou aqueles olhos. Da última vez que os havia contemplado por tanto tempo havia sido naquele longínquo dia. Naquela mesma sala, aquela mesma expressão no rosto dele e aquele mesmo buraco se escavando no peito dela.

Só que agora, naquela oportunidade, ele encontrara uma forma de abrir ainda mais, algo que Rose jamais acreditara ser possível antes.

Desviou o olhar de Scorpius para a revista que eles haviam deixado na mesinha de centro. A fotografia foi a primeira coisa que lhe chamou a atenção: um casal, feliz; a mulher com o braço ao redor da cintura de um homem e rindo de algo que ele provavelmente dissera.

A mulher era, obviamente, a esposa de Scorpius, Linda Hammington. Rose começava a entender o desespero de Scorpius, mas tinha de admitir que não poderia esperar menos da outra mulher. Estava surpresa por ela somente estar começando a deixar a máscara cair depois de tanto tempo.

Voltou o olhar para Scorpius e mais uma vez se surpreendeu ao encontrá-lo observando atentamente cada reação sua. Em algum lugar naquela íris cinzenta, ela podia começar a notar um pequeno brilho de impotência. Um brilho que ela conhecia muito bem.

Talvez Scorpius Malfoy não tivesse mudado tanto, afinal.

— Então, conte-me. O que exatamente você quer que eu faça?

Seu sorriso aliviado a pegou tão desarmada que ela não conteve um suspiro.

Talvez, ela não tivesse mudado tanto quanto acreditara.

A expressão que Albus lhe lançava era um misto de confusão, temor, satisfação e orgulho. De certa forma, Rose entendia. Sorriu para o primo.

Scorpius sentou-se a sua frente, desta vez olhando-a de igual para igual, sem aquele tom esnobe de antes. Parecia nervoso, tanto que Rose arqueou as sobrancelhas ao vê-lo entrelaçar os dedos.

Boa coisa não viria em seguida…

— Quero que você finja ser minha namorada.